Intimação pessoal do devedor de alimentos pode ser dispensada mesmo que advogado não tenha poderes especiais

​Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), é possível dispensar a intimação pessoal de devedor de alimentos, em cumprimento de decisão que tramita sob o rito da prisão, na hipótese em que o réu tenha constituído advogado e praticado diversos atos processuais, ainda que a procuração judicial não contenha poderes especiais para o recebimento das comunicações processuais. O colegiado reforçou que, como regra, é necessária a intimação pessoal do devedor, inclusive por meio de advogado com poderes especiais para esse fim, sobre a obrigação de pagar os alimentos e a possibilidade da prisão civil se persistir o inadimplemento, porém, no caso analisado pela turma, diversas circunstâncias permitem confirmar que o devedor teve ciência inequívoca da ação e, por meio de seu advogado, exerceu o contraditório e se manifestou normalmente no processo. De acordo com os autos, os credores iniciaram a fase de cumprimento provisório de decisão interlocutória que fixou os alimentos, motivo pelo qual o juízo determinou a intimação pessoal do devedor para pagar, provar que pagou ou justificar a absoluta impossibilidade de pagar o débito. Posteriormente, o devedor juntou aos autos procuração sem poderes específicos para receber citações ou intimações pessoais e, na sequência, apresentou exceção de pré-executividade. Após parecer do Ministério Público e novas manifestações dos credores e do devedor, o juízo decretou a prisão civil do réu, o qual impetrou habeas corpus em segunda instância e no STJ. Segundo o devedor de alimentos, a constituição do advogado e o ingresso nos autos se deu apenas com a finalidade de apresentar a exceção de pré-executividade, o que não supriria a necessidade de intimação pessoal do réu e tornaria nula a ordem de prisão civil. A prática de atos processuais pode suprir a intimação pessoal A relatora do habeas corpus, ministra Nancy Andrighi, apontou que, no EREsp 1.709.915, a Corte Especial estabeleceu que há a configuração do comparecimento espontâneo do réu, entre outras hipóteses, com a apresentação de embargos à execução ou de exceção de pré-executividade, mesmo que não tenham sido outorgados poderes especiais ao advogado para receber citação. No caso dos autos, reforçou a relatora, além da exceção de pré-executividade, os advogados seguiram atuando no processo e realizaram inclusive defesa de mérito, tanto em relação ao valor do débito alimentar quanto no tocante à impossibilidade de prisão civil do devedor. “Deve-se concluir que o comparecimento espontâneo do executado, nas circunstâncias fáticas acima mencionadas, supriu a necessidade de intimação pessoal por ter sido configurado o comparecimento espontâneo, aplicando-se, por analogia, o artigo 239, parágrafo 1º, do CPC”, completou. Nancy Andrighi enfatizou a importância de a primeira intimação do devedor de alimentos ser realmente pessoal, tendo em vista a grave consequência do seu inadimplemento. Contudo, ela observou que “as demais, relativas às parcelas da dívida alimentar que se vencerem no curso do cumprimento de sentença, poderão ser validamente efetivadas na pessoa do advogado por ele constituído”. “Com a primeira intimação pessoal, o devedor passa a ter ciência inequívoca de que o credor optou pela referida cobrança pelo rito da coerção pessoal, de modo que também tem ciência inequívoca de que, sob essa modalidade procedimental, o inadimplemento poderá acarretar a decretação de sua prisão civil”, concluiu a ministra ao negar o habeas corpus. O número do processo não é divulgado em razão de segredo judicial. Voltar para o início da notícia Saiba o significado de termos publicados nesta notícia:

Terceira Turma decide que perícia é indispensável nas ações de interdição

Por unanimidade, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que não é possível o julgamento antecipado de ação de interdição com base em laudo médico unilateral. Para o colegiado, a produção de prova pericial é imprescindível para a constatação da incapacidade civil da pessoa a ser interditada. O autor da ação pediu a interdição do pai devido a um acidente vascular cerebral isquêmico que teria causado perda transitória e eventual de memória, e apresentou laudo médico como prova. Ele disse estranhar a venda de bens por preço inferior a 50% do valor de mercado e o aumento de ações ajuizadas contra o pai – inclusive com penhora de bens. A interdição foi negada em primeira instância, pois, na entrevista do interditando em juízo, o magistrado – apesar do laudo médico – avaliou não ter sido demonstrada a sua incapacidade civil. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) manteve a decisão, entendendo que a perícia não seria indispensável para a solução do caso. Laudo médico produzido unilateralmente não substitui perícia médica A ministra relatora do caso no STJ, Nancy Andrighi, afirmou que alguns precedentes do tribunal admitem que a incapacidade civil seja constatada por provas distintas da perícia, enquanto outros julgados (como o REsp 1.685.826) entendem que, nas hipóteses de interdição, é imprescindível o laudo pericial produzido após exame médico. Diante desse panorama jurisprudencial, a relatora disse que a prova pericial é fundamental para se constatar a causa que justifique a decretação, a extensão e os limite da interdição. Para a magistrada, a perícia técnica não pode ser substituída por laudo médico produzido unilateralmente ou pela entrevista do interditando em juízo. Por outro lado, a ministra considerou inadmissível concluir que o autor da ação não tenha conseguido provar a necessidade da interdição e, ao mesmo tempo, julgar a causa antecipadamente, retirando do autor o direito de produzir a prova pericial que poderia confirmar as suas alegações. De acordo com a relatora, a sentença fundamentada em inexistência de provas, sem que se permita a produção de novas provas, é um caso claro de cerceamento de defesa. Ao apontar que o laudo médico juntado ao processo é inconclusivo – apresentando apenas indícios de que não haveria capacidade para a prática de atos da vida civil em virtude de lapsos de memória –, a ministra Nancy Andrighi cassou o acórdão e a sentença para reconhecer o cerceamento de defesa e determinar a produção de prova pericial, nos termos do artigo 753 do Código de Processo Civil. O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

Desnecessária a dupla notificação de infração de trânsito quando há autuação em flagrante

A 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) manteve as três multas aplicadas pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) durante abordagem ao condutor de um veículo no momento do cometimento das infrações. O autor alegou que as multas deveriam ser anuladas, pois ele não recebeu a notificação do cometimento das infrações, o que impossibilitou a apresentação da defesa prévia. O relator, desembargador federal Flávio Jardim, ao analisar o caso, destacou que os três autos de infração serviram de notificação de autuação, uma vez que consta no documento a assinatura do condutor. Além disso, pode-se ler no verso das notificações de autuação: “neste momento V.S.ª está sendo notificado do cometimento da infração. A partir desta data terá o prazo de 30 dias para interpor defesa prévia”, afirmou o magistrado. Com isso, o Colegiado, por unanimidade, manteve as penalidades aplicadas ao autor ao considerar desnecessária a dupla notificação nos casos em que há autuação em flagrante nos termos do art. 280, inciso VI, do Código de Trânsito Brasileiro. Processo: 0022324-48.2007.4.01.3500

Quantia reconhecida pelo devedor representa parte líquida da condenação e pode ser exigida de imediato

​A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que, na fase de liquidação de sentença, a quantia que o devedor reconhece e expressamente declara como devida representa a parte líquida da condenação e, como tal, pode ser exigida imediatamente. Na origem, três empresas do ramo imobiliário foram condenadas a pagar indenização a outra empresa devido aos prejuízos causados por inconsistências em contrato de locação. A partir da decisão, a empresa credora deu início à fase liquidatória, indicando o valor de R$ 264.615.500,93 para a dívida; as devedoras reconheceram como correto o valor de R$ 15.026.260,99. O juízo de primeira instância autorizou o cumprimento imediato da sentença a partir do valor declarado pelas devedoras e determinou que a liquidação prosseguisse para apurar o saldo remanescente, designando um perito contábil. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) manteve a decisão. Em recurso especial, as devedoras defenderam a impossibilidade de se iniciar o cumprimento de sentença enquanto a liquidação estivesse pendente e solicitaram que se aguardasse a realização da perícia contábil para apuração do valor preciso da dívida. Também contestaram a determinação de pagamento da perícia, uma vez que a produção de prova técnica havia sido requerida pela empresa credora. Valor líquido da dívida pode ser exigido desde logo O relator na Quarta Turma do STJ, ministro Antonio Carlos Ferreira, explicou que não há controvérsia com relação ao valor mínimo devido, já que as devedoras reconheceram e declararam como devida a quantia de R$ 15.026.260,99. Assim, segundo o relator, até esse montante o valor da dívida é considerado líquido, independentemente do que será decidido na fase de apuração. Ao negar provimento ao recurso, Antonio Carlos Ferreira esclareceu que o artigo 509, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil (CPC) autoriza expressamente a cobrança imediata do valor líquido. O ministro mencionou ainda que esse entendimento é reforçado pela jurisprudência do STJ, como no julgamento do REsp 1.678.056 e do REsp 1.750.598, da Quarta Turma e da Terceira Turma, respectivamente. O relator apontou também que o artigo 526 do CPC confere ao devedor a possibilidade de comparecer em juízo e oferecer em pagamento o valor que entender devido, apresentando memória discriminada do cálculo, sem que isso prejudique o levantamento do depósito relativo à parcela incontroversa da dívida. Quanto ao pagamento dos honorários periciais, o relator entendeu que a determinação de primeira instância está alinhada à tese firmada pelo STJ em recurso repetitivo (REsp 1.274.466), segundo a qual, na “fase autônoma de liquidação de sentença (por arbitramento ou por artigos), incumbe ao devedor a antecipação dos honorários periciais”. Leia acórdão no REsp 2.067.458.

TRT-MG anula sentença de arquivamento por atraso ínfimo em audiência telepresencial

Em decisão unânime, os julgadores da Primeira Turma do TRT-MG anularam sentença que havia determinado o arquivamento de uma ação trabalhista devido ao atraso ínfimo (de apenas dois minutos) da autora e seus advogados na audiência telepresencial. A autora ingressou com ação trabalhista pretendendo o reconhecimento do vínculo de emprego de natureza doméstica com os réus. A audiência, marcada para as 08h50, foi encerrada às 08h51 pelo juízo da 3ª Vara do Trabalho de Contagem, determinando-se o arquivamento do processo, em razão da ausência da autora. Ela e seus advogados ingressaram na sala virtual às 08h52, apenas dois minutos após o horário previsto. Inconformada, a trabalhadora recorreu da sentença, alegando cerceamento de defesa, o que foi acolhido pelos julgadores da Primeira Turma do TRT-MG, que acompanharam o voto da relatora, desembargadora Paula Oliveira Cantelli. No voto condutor, a relatora destacou a necessidade de uma interpretação razoável e proporcional das normas processuais, enfatizando os princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório. A desembargadora argumentou que o excesso de formalismo poderia comprometer o ideal de justiça e os direitos processuais das pessoas envolvidas. “Deve-se assegurar o mais amplo e efetivo acesso à justiça”, destacou. A Primeira Turma do TRT-MG vem adotando o entendimento de que atrasos ínfimos em audiências telepresenciais devem ser tolerados para assegurar o amplo acesso à justiça. Citando jurisprudência da própria Corte, a desembargadora relatora enfatizou que a realização de audiências telepresenciais, ainda que haja regulamento próprio, deve observar as garantias processuais estabelecidas pela Constituição Federal, especialmente os princípios do acesso à justiça, da ampla defesa e do contraditório, de forma a permitir o amplo acesso ao processo e à produção de prova. Legislação Na decisão, houve referência à legislação sobre o tema. Dispõe o artigo 844 da CLT que: “O não comparecimento do reclamante à audiência importa o arquivamento da reclamação, e o não comparecimento do reclamado importa revelia, além de confissão quanto à matéria de fato”. A relatora observou que a legislação trabalhista não prevê tolerância ao atraso das partes, havendo, no artigo 815, parágrafo único, da CLT, norma aplicável aos magistrados: “Se, até 15 (quinze) minutos após a hora marcada, o juiz ou presidente não houver comparecido, os presentes poderão retirar-se, devendo o ocorrido constar do livro de registro das audiências”. O dispositivo não estende a sua eficácia às partes, na forma da Orientação Jurisprudencial 245 da SDI-1 do TST: “Inexiste previsão legal tolerando atraso no horário de comparecimento da parte na audiência”. Entretanto, a julgadora ponderou que, quando o atraso for ínfimo e não resultar em prejuízo à audiência ou forte impacto na duração procedimental, “impõem os princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório uma interpretação razoável e proporcional do conjunto normativo”. Com a anulação da sentença, o órgão julgador determinou o retorno dos autos à Vara de origem para que nova audiência seja realizada, prosseguindo-se com a instrução do processo conforme necessário.

TRF3 confirma aposentadoria especial a eletricista

A Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) reconheceu como especiais períodos de trabalho como eletricista e determinou ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) a concessão de aposentadoria a um segurado. Para os magistrados, documentos comprovaram que o homem exerceu as funções de eletricista e técnico eletrônico, em períodos entre janeiro de 1988 e novembro de 2019, exposto a risco decorrente da utilização de tensão elétrica acima de 250 volts. “Somados os tempos especiais ora admitidos, resulta que o autor laborou por 29 anos, 10 meses e 20 dias, atingindo o tempo mínimo para obtenção da aposentadoria especial”, afirmou o relator, juiz federal convocado Marcus Orione. A Décima Turma entendeu que o uso de equipamentos de proteção individual (EPIs) não é suficiente para afastar a agressividade à saúde do trabalhador. Conforme a decisão, não há necessidade de contato diário para caracterização da habitualidade da função danosa em situações como a de eletricista, pelo risco eminente de contato com descarga elétrica elevada. “Em um período dilatado, a exposição ao agente agressivo, ainda que semanal ou de forma alternada, pode revelar o desgaste da saúde, a que se pretende compensar com a consideração do tempo como especial”, destacou o magistrado. O homem já havia obtido decisão favorável no primeiro grau, mas o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) recorreu ao TRF3, sob argumento de falta de comprovação dos requisitos para obtenção do benefício. A Décima Turma, por unanimidade, manteve a concessão de aposentadoria especial a partir da data do requerimento administrativo. Apelação Cível 5000130-91.2021.4.03.6128

Writ

WRIT. (en. ordem escrita). Palavra de origem inglesa que significa “ordem escrita” e no Direito é empregada para se referir ao habeas corpus e ao mandado de segurança.

Primeira Turma define hipóteses de cabimento de ação popular para anulação de atos do Carf

Para a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por meio de ação popular, a invalidação judicial de atos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) tidos como lesivos ao patrimônio público só é possível se apresentarem manifesta ilegalidade, se forem contrários a precedentes pacificados do Poder Judiciário ou implicarem desvio ou abuso de poder. O entendimento foi estabelecido pelo colegiado ao reformar acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) e julgar improcedente uma ação popular ajuizada para invalidar decisão do Carf que, reconhecendo a decadência, manteve a anulação de crédito tributário que havia sido constituído contra uma fundação. A ação popular foi julgada procedente em primeiro grau e mantida pelo TRF4. Segundo o tribunal regional, o Carf incorreu em ilegalidade – apta a justificar o cabimento da ação popular – ao dar entendimento contrário à regra prevista no artigo 173, inciso I, do Código Tributário Nacional, o que teria causado grande prejuízo ao erário. Ação popular não serve para proteção de interesses particulares A ministra Regina Helena Costa, relatora, explicou que, por meio da ação popular, qualquer cidadão pode acionar o Judiciário para invalidar atos lesivos ao patrimônio material e imaterial do Estado, o que dá poder à sociedade civil para controlar as decisões estatais. Por outro lado, apontou a ministra, a ação popular não se presta à proteção de meros interesses particulares do autor, sob pena de subversão dos seus princípios e das finalidades para as quais ela se destina. “Vale dizer, o ajuizamento de ação popular, fundamentado no exercício da soberania do povo, deve ter por escopo imediato a defesa de interesses coletivos cuja preservação, apenas mediatamente, beneficia o autor enquanto membro do grupo, não se volvendo, contudo, à tutela de interesse preponderantemente individual daquele que em nome de todos atua, tampouco à mera contestação do legítimo exercício da atividade administrativa”, resumiu. Autor da ação apenas discordou de tese firmada pelo Carf Regina Helena Costa também explicou que, nos termos do Decreto 70.235/1972, o julgamento dos processos administrativos que discutem créditos tributários compete, em primeiro grau, às delegacias da Receita Federal e, em segunda instância, ao Carf, colegiado paritário e integrante da estrutura do Ministério da Fazenda. “A instituição, no âmbito da administração pública federal, de estrutura hierárquica para a solução dos conflitos fiscais e na qual o Carf figura como instância máxima, privilegia a resolução extrajudicial de litígios, viabilizando, em consequência, (i) o célere encerramento de contendas tributárias em ambiente consensual e (ii) o incremento da cultura de estímulo à desjudicialização, diretrizes fundantes da Política Judiciária de Tratamento à Alta Litigiosidade do Contencioso Tributário aprovada pela Resolução CNJ 471/2022 (artigo 2º, VI e VII)”, completou. Como consequência, segundo a relatora, embora seja possível o manejo da ação popular para invalidação de ato do Carf que seja lesivo ao patrimônio público, eventual controle judicial das conclusões do conselho por meio desse tipo de ação deve considerar o papel do órgão nas decisões em matéria administrativa tributária, de modo que suas conclusões só se submetem à reforma judicial quando claramente ilegais, contrárias a precedentes judiciais consolidados ou marcadas por desvio ou abuso de poder. “Exegese diversa teria o condão de tornar irrelevante a participação da sociedade civil na tomada de decisões pelo poder público e supérfluo o principal mecanismo extrajudicial de solução de controvérsias tributárias federais, uma vez que acórdãos exonerativos do dever de pagar tributos sempre estariam sujeitos à revisão por instância distinta, independentemente de quaisquer outras indagações substantivas”, afirmou. No caso analisado, a ministra apontou que o autor da ação popular, de maneira reiterada, buscou invalidar os acórdãos do Carf apenas por discordar da interpretação firmada pelo colegiado, pois eram contrários ao seu entendimento pessoal quanto ao alcance da legislação tributária. No entanto, concluiu, o mero inconformismo do autor não é razão suficiente para justificar a propositura da ação popular. Leia o acórdão no REsp 1.608.161.

Bancário terá indenização corrigida pela taxa Selic

A Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do Tribunal Superior do Trabalho determinou a aplicação da taxa Selic no cálculo dos juros e da correção monetária de uma indenização a ser paga pelo Banco Santander (Brasil) S.A. a um bancário, numa ação trabalhista iniciada em 2011. A decisão do colegiado responsável pela uniformização da jurisprudência das Turmas do TST segue entendimentos recentes do Tribunal e do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a matéria. Anteriormente, o entendimento do TST (Súmula 439) era de que os juros de mora das condenações por danos morais e materiais deveriam ser contados da data do ajuizamento da ação. No entanto, a correção monetária se daria a partir da decisão que arbitrou ou alterou os valores das condenações, ou seja, no momento em que o direito à verba indenizatória é reconhecido. Atualização monetária No julgamento do caso, o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) tinha estabelecido que o índice da correção monetária seria o IPCA-E, e a decisão foi mantida pela Sétima Turma do TST, em 2017. Para a Turma, não havia no caso ofensa direta e literal à Constituição da República, única forma de cabimento de recurso de revista quando o processo está em fase de execução. Em 2020, o STF firmou o entendimento vinculante (a ser observado em todas as instâncias) de que os créditos trabalhistas devem ser corrigidos da mesma forma que as condenações cíveis: na fase pré-judicial, pelo IPCA-E, e, a partir do ajuizamento da ação, pela Selic. Ficou decidido, ainda, que, nos processos em fase de execução com débitos ainda não quitados e sem índice de correção definido deveriam seguir esse precedente. Taxa Selic O relator dos embargos do banco à SDI-1, ministro ministro Breno Medeiros, explicou que, com a decisão do STF, se o índice de correção não tiver sido definido na decisão definitiva, a taxa Selic passou a ser utilizada de forma geral tanto para a correção quanto para os juros de mora. A decisão foi unânime. (Guilherme Santos/CF) Processo: E-RR-202-65.2011.5.04.0030

Organização do Estado

A organização do Estado é um tema central no Direito Constitucional, pois trata da forma como o território nacional é politicamente dividido e dos mecanismos de estruturação dos Poderes, que incluem a forma de governo, o modo de investidura dos governantes, e os direitos e garantias dos cidadãos. Essa organização se assenta primeiramente nas disposições constitucionais, que estabelecem as bases da estrutura política do Estado soberano. A partir dessa estrutura constitucional, desenvolve-se a organização administrativa das entidades estatais, como autarquias e empresas estatais, criadas para executar, de forma desconcentrada e descentralizada, serviços públicos e outras atividades de interesse coletivo. Essas questões são objeto de estudo do Direito Administrativo. No contexto de um Estado Federal, como é o caso do Brasil, a organização política é composta por múltiplas entidades, cada uma com diferentes níveis de autonomia. Inicialmente, o federalismo brasileiro abrangia apenas a União, que detém a soberania, e os Estados-membros ou Províncias, que possuíam autonomia política, administrativa e financeira. Com a evolução do sistema federativo, a nossa federação passou a incluir também o Distrito Federal e os Municípios, que, apesar de possuírem autonomia política reconhecida pela Constituição da República, têm essa autonomia em menor grau do que os Estados-membros. Uma peculiaridade do federalismo brasileiro é a outorga constitucional de autonomia política aos Municípios, característica rara em outras federações ao redor do mundo. Dentro dessa estrutura, o Distrito Federal é uma entidade estatal anômala, pois, além de possuir autonomia política, é a sede da capital da União, Brasília. Assim, na federação brasileira, as entidades estatais politicamente autônomas são a União, os Estados-membros, os Municípios e o Distrito Federal. A organização dessas entidades estatais é distinta daquela das demais pessoas jurídicas criadas ou autorizadas por lei, como autarquias, fundações e empresas governamentais, que integram a Administração Pública em um sentido instrumental mais amplo, compreendendo tanto a administração centralizada quanto a descentralizada. Por fim, é relevante observar que a Constituição da República Federativa do Brasil, embora apresente avanços, especialmente com as Emendas Constitucionais nº 18 e 19 de 1988, ainda é criticada pela sua redação assistemática e detalhista, o que, por vezes, dificulta a interpretação e a aplicação das normas constitucionais, refletindo uma técnica legislativa que ainda carece de aprimoramento.

Justiça do Trabalho não pode julgar ação contra prefeito por falta de segurança para catadores de lixo

A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou o recurso do Ministério Público do Trabalho (MPT) que pretendia responsabilizar diretamente o prefeito e e um ex-prefeito de Cornélio Procópio (PR) por descumprir normas de medicina e segurança do trabalho em relação a catadores de lixo reciclável. Segundo o colegiado, a competência da Justiça do Trabalho diz respeito aos entes públicos, ou seja, a órgãos, e não aos agentes públicos, como prefeitos e vice-prefeitos. Catadores não recebiam EPIs O caso teve início com uma ação civil pública do MPT contra o município, os dois últimos prefeitos, a Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar) e a Associação dos Recicladores de Cornélio Procópio (Arecop). Em inspeção no aterro sanitário local, foram constatadas diversas irregularidades e precariedades nas condições de trabalho, especialmente a ausência de fornecimento de equipamentos de proteção individual (EPIs) aos recicladores. A prefeitura e a Sanepar foram condenadas a adotar as medidas necessárias e a pagar indenização de R$ 250 mil por danos morais coletivos. Segundo a sentença, a prefeitura havia autorizado a associação dos recicladores a utilizar, temporariamente, parte das instalações da usina de reciclagem de resíduos sólidos (lixo urbano) e, com isso, se beneficiara diretamente dos serviços prestados por ela. A Sanepar, por sua vez, havia firmado contrato com o município e as duas teriam “quarterizado” a atividade à associação. A decisão foi mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, por entender que compete à Justiça Estadual processar e julgar ações que visem à responsabilização do gestor público por seus atos. MPT queria responsabilizar prefeito No recurso de revista, o MPT argumentou que, uma vez comprovado que os gestores municipais violaram direitos trabalhistas, a Justiça do Trabalho é competente para apreciar o caso. Segundo seu argumento, não se trata de improbidade administrativa, mas de descumprimento da legislação trabalhista e condenação ao pagamento por danos extrapatrimoniais coletivos pelos gestores públicos que contribuíram para esse dano. Ainda de acordo com o MPT, a condenação do agente político tem caráter pedagógico que visa impedir que o município adote novamente práticas ilícitas de desrespeito aos direitos dos trabalhadores. TST só pode julgar órgãos públicos, não agentes No entanto, o relator do processo na Sétima Turma, ministro Alexandre Agra Belmonte, disse que, de acordo com o entendimento do TST, a Justiça do Trabalho não tem competência para julgar ação contra prefeito. O motivo é que a Constituição da República, no artigo 114, define que esse ramo do Judiciário analisa ações sobre entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, e não contra os agentes públicos. Por outro lado, o artigo 29 da Constituição atribui ao Tribunal de Justiça (Justiça comum) a competência para julgamentos que envolvem prefeitos. A decisão foi unânime. (Guilherme Santos/CF) Processo: AIRR-710-31.2015.5.09.0127

Organização da Administração

A organização da Administração Pública é um tema central no Direito Administrativo, pois trata da estruturação legal das entidades e órgãos que compõem o aparato estatal, e que têm por objetivo executar as funções administrativas em benefício da coletividade. Após a organização soberana do Estado, que se consolida pela instituição constitucional dos três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e pela divisão política do território, é necessária a definição da organização administrativa que permitirá a operacionalização das funções estatais. A organização da Administração abrange a criação de entidades e órgãos que, por meio de agentes públicos, desempenharão as funções administrativas. Esses agentes públicos, enquanto pessoas físicas, são responsáveis por implementar as políticas públicas e garantir a prestação dos serviços públicos. A estruturação das entidades e órgãos administrativos é, portanto, um processo legal, geralmente realizado por meio de leis. Contudo, em situações que não envolvem a criação de novos cargos ou o aumento de despesas públicas, essa organização pode ser feita por decretos e outras normas inferiores. Nesse contexto, o Direito Administrativo organizatório desempenha um papel fundamental ao estabelecer o ordenamento jurídico que rege a organização e o funcionamento dos órgãos, as funções que devem ser desempenhadas, e os agentes responsáveis por essas funções. Simultaneamente, as técnicas contemporâneas de administração oferecem os instrumentos e métodos para a execução eficiente e econômica das atribuições da Administração. Embora o Direito Administrativo e as técnicas de administração sejam disciplinas distintas, elas devem coexistir para garantir o bom funcionamento da organização estatal. O Direito Administrativo fixa as normas jurídicas que regem a estrutura e o funcionamento do complexo estatal, enquanto as técnicas de administração fornecem os meios e práticas mais adequadas para o desempenho dessas funções. Por fim, a análise da organização da Administração não pode se dissociar do exame das relações entre Governo e Administração, bem como dos órgãos e agentes que compõem esse sistema. Compreender essa organização é essencial para assegurar que o Estado atenda de forma eficiente aos interesses coletivos, que constituem o objetivo final da atuação administrativa em todos os setores do Governo.

Poderes do Estado

Os Poderes de Estado são fundamentais para a estruturação e o funcionamento do Estado de Direito, sendo tradicionalmente divididos em três categorias: Legislativo, Executivo e Judiciário. Essa divisão, idealizada por Montesquieu, continua a ser a base da organização política na maioria dos Estados modernos, com cada Poder desempenhando funções específicas e reciprocamente indelegáveis, conforme estabelecido pela Constituição Federal. O Poder Legislativo tem como função precípua a elaboração de normas gerais e abstratas, ou seja, a função normativa. Esse Poder é responsável por criar leis que regem a sociedade e estabelecem os limites e as diretrizes para a atuação tanto dos indivíduos quanto do Estado. O Poder Executivo, por sua vez, tem a função administrativa, que consiste na execução das leis elaboradas pelo Legislativo. Essa função envolve a aplicação concreta das normas em atos individuais e específicos, transformando as diretrizes gerais em ações que impactam diretamente a sociedade. O Poder Judiciário, por fim, tem a função judicial, que se caracteriza pela aplicação coativa da lei aos casos concretos, resolvendo os conflitos que surgem na aplicação das normas. Esse Poder garante que a lei seja respeitada e aplicada de maneira justa e imparcial, sendo o guardião dos direitos e garantias fundamentais. Embora cada Poder possua uma função predominante, a realidade prática revela uma certa interdependência entre eles. Todos os Poderes exercem, em alguma medida, funções que seriam típicas dos outros, como atos administrativos para sua organização interna, ou mesmo a atuação do Legislativo e do Executivo em funções tipicamente judiciais, quando, por exemplo, criam comissões parlamentares de inquérito ou decidem sobre certas matérias jurídicas. Essa interdependência não implica uma divisão absoluta e estanque, mas sim um sistema de freios e contrapesos, onde cada Poder limita e controla o outro, mantendo o equilíbrio necessário para evitar abusos e garantir a harmonia no funcionamento do Estado. Este sistema, inspirado na obra de Montesquieu, busca evitar a concentração de poder e assegurar a democracia e o Estado de Direito. Em suma, os Poderes de Estado, embora distintos em suas funções primárias, operam de forma coordenada e interdependente, garantindo a unidade e a indivisibilidade do poder estatal. Essa estrutura é essencial para a preservação da liberdade e para o funcionamento adequado das instituições em uma sociedade democrática.

Juízo deprecante tem competência para julgar embargos de terceiro, se bem penhorado for expressamente indicado

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, que nos casos em que há indicação expressa do bem a ser penhorado pelo juízo deprecante, é deste mesmo juízo a competência para julgar os embargos à execução de terceiros. O entendimento foi firmado ao julgar recurso em ação de execução em que foi expedida carta precatória do juízo em São Paulo (deprecante) para o juízo no Distrito Federal (deprecado), com o objetivo de penhorar e expropriar patrimônio da empresa Expresso Brasília Ltda. No entanto, outra empresa do mesmo grupo, Viplan, suscitou nulidade da penhora alegando que o bem era de sua propriedade e que o juízo deprecante não detinha competência para determinar a expropriação. O juízo de primeira instância negou o pedido de nulidade, ao passo que o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) entendeu que a competência para apreciar os vícios na penhora e alienação do bem imóvel em discussão seria do juízo deprecado (Distrito Federal), já que nele “foram praticados os atos que se busca a declaração de nulidade”. Quando houver indicação expressa do bem, a competência deve ser do juízo deprecante Em seu voto, o relator do recurso, ministro Marco Aurélio Bellizze, explicou que a jurisprudência do STJ, estabelecida pela interpretação do artigo 747 do Código de Processo Civil de 1973, fixou entendimento de que, na execução por carta rogatória, a competência para julgar embargos de terceiro, caso tratem sobre vícios ou defeitos na penhora, avaliação ou alienação de bens, deve ser do juízo deprecado, salvo se o bem apreendido houver sido indicado pelo juízo deprecante – hipótese em que atrairia sua competência para o julgamento dos embargos. Com a entrada em vigor do novo CPC, a matéria passou a constar no artigo 914, cujo parágrafo 2º repetiu a redação do artigo 747 do CPC/1973. Dessa maneira, para o relator, a jurisprudência do STJ sobre o tema deve ser mantida para “afastar a competência do juízo deprecado para julgamento dos embargos que versarem unicamente sobre vícios ou defeitos da penhora, avaliação ou alienação dos bens, quando houver indicação expressa do bem a ser penhorado pelo juízo deprecante”. Ao dar provimento ao recurso para reformar o acórdão estadual, o ministro observou que a decisão do TJSP contraria entendimento do STJ. Segundo Marco Aurélio Bellizze, embora o vício apontado recaia sobre a penhora e alienação do bem – que a Viplan afirma ser de sua propriedade, e não da Expresso Brasília –, constata-se que a indicação do imóvel foi feita pelo juízo deprecante (São Paulo) quando expediu a carta precatória. “Assim, não faria sentido atribuir a competência ao juízo deprecado (DF) para analisar a referida ilegalidade da penhora, ao fundamento de que a propriedade do bem não era da empresa executada, mas sim da ora recorrente, se quem determinou a penhora daquele bem específico foi o Juízo deprecante (SP)”, concluiu o relator. Leia o acórdão no REsp 2.095.460.

Elementos do Estado

Os elementos constitutivos do Estado são essenciais para a compreensão de sua estrutura e funcionamento no âmbito do Direito Público. O Estado é tradicionalmente definido como uma entidade dotada de três elementos fundamentais e indissociáveis: Povo, Território e Governo soberano. Cada um desses elementos desempenha um papel crucial na formação e na manutenção da organização estatal. Povo é o elemento humano do Estado, composto pelos indivíduos que, vinculados por um vínculo jurídico de nacionalidade, formam a comunidade política que constitui a base do Estado. É importante destacar que o conceito de povo, no contexto jurídico, vai além da mera soma de indivíduos, englobando também a noção de cidadania e de participação política dentro do Estado. Território representa a base física sobre a qual o Estado exerce sua soberania. Trata-se da delimitação geográfica que define o espaço de atuação do poder estatal, compreendendo não apenas a superfície terrestre, mas também o subsolo, o espaço aéreo e as águas jurisdicionais. O território é, portanto, indispensável para a existência do Estado, pois é nele que se concretiza o exercício do poder estatal e onde reside o povo. Governo soberano é o elemento condutor do Estado, responsável pela condução e administração dos interesses públicos em nome da coletividade. A soberania, nesse contexto, refere-se ao poder supremo e absoluto que o Estado exerce dentro de seu território e perante sua população. Esse poder é indivisível e incontrastável, conferindo ao Estado a capacidade de autodeterminação e auto-organização, isto é, de estabelecer suas próprias normas e políticas sem interferência externa. A soberania, como poder absoluto, é essencial para a independência do Estado, permitindo-lhe tomar decisões de acordo com a vontade livre de seu povo e assegurar o cumprimento dessas decisões, inclusive mediante o uso da força, quando necessário. Esse poder manifesta-se por meio dos chamados Poderes de Estado, que são as diferentes funções ou órgãos que, em conjunto, exercem a autoridade estatal: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Em síntese, os elementos do Estado – Povo, Território e Governo soberano – são interdependentes e formam a base da organização jurídica e política de qualquer Estado, garantindo sua capacidade de exercer o poder e cumprir suas funções em benefício de sua população.

Indeferimento de desconsideração da personalidade jurídica impede novo pedido no mesmo processo

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o trânsito em julgado da decisão que indefere o pedido de desconsideração da personalidade jurídica impede que outro pedido semelhante seja apresentado no curso da mesma execução. De acordo com os autos, foi ajuizada uma ação de execução de honorários advocatícios contra uma empresa. O credor requereu a desconsideração da personalidade jurídica da empresa, o que foi deferido pelo juízo de primeira instância. Entretanto, a decisão foi reformada pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), sob o fundamento de que estariam ausentes os requisitos previstos no artigo 50 do Código Civil (CC). Em autos apartados, o advogado formulou um novo pedido de desconsideração, alegando a existência de novos fatos e documentos, o qual foi indeferido sob a justificativa da existência de coisa julgada material. No recurso ao STJ, o advogado afirmou que o julgamento de um pedido não veda nova apreciação da desconsideração da personalidade jurídica, e, além disso, as decisões interlocutórias – como a que negou o primeiro pedido – não geram coisa julgada material. Em regra, preclusão impede nova apreciação do pedido A relatora, ministra Nancy Andrighi, disse que deve ser reconhecido o trânsito em julgado da decisão que analisou a desconsideração da personalidade jurídica do devedor, tornando preclusa a possibilidade de uma nova análise de pedido idêntico no mesmo processo, ainda que em autos apartados. A ministra ressaltou que, apesar de o acórdão recorrido citar que houve coisa julgada material, a Terceira Turma entende que o ato jurisdicional que aprecia a desconsideração da personalidade jurídica tem natureza interlocutória. Assim, a regra é que ocorra a preclusão, impossibilitando a parte de rediscutir o assunto no mesmo processo. A relatora observou que a confusão entre os institutos da coisa julgada e da preclusão não altera a conclusão do TJMT acerca da impossibilidade de se examinar novamente o pedido de desconsideração. Por fim, Nancy Andrighi aplicou a Súmula 7 em relação à análise do conteúdo dos supostos documentos e fatos novos indicados pelo recorrente. Leia o acórdão no REsp 2.123.732.

Analista de TI em trabalho remoto pode entrar com ação no local onde mora

A Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) do Tribunal Superior do Trabalho decidiu que o juízo da 2ª Vara do Trabalho de Americana (SP) deve julgar a ação de um analista de segurança da informação que reside na cidade contra a Desbravador Software Ltda., com sede em Chapecó. Ele prestava serviços na modalidade de teletrabalho remoto e, para o colegiado, não há motivo para que se mude o local da ação escolhido pelo trabalhador, sobretudo por se tratar de trabalho remoto e porque a empresa atua em diversos estados do país. Trabalho foi remoto por todo o contrato Na ação, o analista pede a anulação do contrato firmado como pessoa jurídica, pelo qual prestou serviços de 2021 a 2023, e a declaração da competência do juízo de Americana para julgar a ação, alegando que prestou serviços à empresa na modalidade de teletrabalho. A empresa, no entanto, argumentou que, nos casos de teletrabalho, a competência para julgar a ação deve ser a da localidade em que está estabelecida, porque, “de onde vier, o trabalho virtual estará a ela relacionado”. Segundo a Desbravador, enquanto a lei não tiver normas claras e específicas sobre a competência territorial para o trabalho remoto, deve valer a regra geral da CLT. Empresa tem filiais em diversos estados A Vara de Americana determinou a remessa do caso para São Paulo, pois o analista se reportava a essa filial, mas o juízo da 73ª Vara do Trabalho de São Paulo requereu que o TST definisse a quem caberia examinar o processo. Entre outros pontos, ponderou a possibilidade de prejuízo ao trabalhador e a capacidade econômica da empresa, que tem filiais em diversas cidades do país. O relator, ministro Douglas Alencar, do TST, observou que o contrato de trabalho foi celebrado em Chapecó (SC), para prestação de serviços em teletrabalho. Também constato que, segundo informações fornecidas em seu site, a Desbravador atua em diversos estados da federação (DF, SC, SP, BA, CE e PR) e em outros países. De acordo com o ministro, os critérios previstos no artigo 651 da CLT, que estabelecem como foro o local da prestação de serviços, “se lidos e aplicados de forma estritamente dogmática”, podem inviabilizar o acesso à Justiça, garantido na Constituição Federal. Diante da necessidade de assegurar ao trabalhador esse acesso e, também, garantir ao empregador o amplo exercício do direito de defesa, o relator assinalou que, quando a empresa envolvida tem atuação nacional, o TST admite que a ação corra no local do domicílio do trabalhador. A decisão foi unânime. (Lourdes Tavares/CF) Processo: CCCiv 1000142-25.2024.5.00.0000

Negado direito de resposta a Município após reportagem sobre irregularidade de obra

A 11ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve decisão da 6ª Vara Cível de São Caetano do Sul, proferida pela juíza Daniela Anholeto Valbão Pinheiro Lima, que negou direito de resposta ao Município de São Caetano do Sul após veiculação de matéria jornalística abordando problemas na condução de obra pública. Em seu voto, o relator Márcio Kammer de Lima salientou que não se observou, no caso, a suposta crítica excessiva pelo veículo de comunicação ao mencionar a irregularidade na obra, uma vez que “as alegações do ente público, no sentido de que as demolições preliminares foram realizadas por empresa anteriormente contratada, não foram sequer comprovadas”. O magistrado também destacou que a matéria não inferiu mácula grave à imagem do município, capaz de ensejar o direito de resposta, devendo-se, neste caso, prevalecer o direito à liberdade de expressão. “A publicação apenas fez suscitar dúvidas acerca da regularidade da demolição das estruturas do complexo, à força da avistável ausência de contrato específico firmado pela gestão atual, além de pontuar a insatisfação dos moradores com as circunstâncias. A credibilidade do ente não foi agredida pela notícia, que tinha finalidade informativa e questionadora, própria, inclusive, da função democrática da imprensa e da liberdade de expressão”, registrou o relator. “Assim, se admitido o exercício do direito de resposta em qualquer situação, restaria inviabilizado o regular exercício da liberdade de informação jornalística e da liberdade de expressão”, acrescentou. Completaram o julgamento os desembargadores Oscild de Lima Júnior e Afonso Faro Jr., que votaram em conformidade com o relator. Apelação nº 1004661-56.2023.8.26.0565

Estado

O conceito de Estado é multifacetado, variando conforme a perspectiva adotada. No campo sociológico, o Estado é entendido como uma corporação territorial dotada de um poder de mando originário, conforme a visão de Jellinek. Sob a ótica política, Malberg define o Estado como uma comunidade de homens fixada em um território, com potestade superior de ação, mando e coerção. Já no aspecto constitucional, segundo Biscaretti di Ruffia, o Estado é uma pessoa jurídica territorial soberana. No Direito Civil brasileiro, o Estado é classificado como pessoa jurídica de Direito Público Interno, conforme disposto no art. 41, I, do Código Civil. Este ente personalizado tem a capacidade de atuar tanto no campo do Direito Público quanto no do Direito Privado, sempre mantendo sua única personalidade de Direito Público. A teoria da dupla personalidade do Estado, que outrora propunha a existência de uma distinção entre a atuação do Estado no campo privado e público, foi superada, prevalecendo a noção de uma única personalidade jurídica. Ademais, o conceito de Estado de Direito é fundamental na delimitação da atuação estatal. O Estado de Direito representa a organização jurídica do Estado, onde o poder é exercido em conformidade com a lei e limitado por ela. Nesse sentido, o Estado de Direito é a expressão da subordinação do poder estatal às normas jurídicas, garantindo que as ações estatais sejam conduzidas dentro dos limites estabelecidos pelo ordenamento jurídico. Isso reflete a ideia de que o poder do Estado não é absoluto, mas sim condicionado pelo respeito às leis, promovendo a segurança jurídica e a proteção dos direitos fundamentais.

Mantida decisão que extinguiu execuções fiscais em lote no Município de Santos

A 18ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve decisão da 3ª Vara da Fazenda Pública de Santos, proferida pela juíza Ariana Consani Brejão Degregório Gerônimo, para extinção, em lote, de execuções fiscais do município por falta de interesse de agir. A decisão de 1º Grau ocorreu em expediente administrativo, aberto para o encerramento de processos de execução fiscal enquadrados no Tema 1184 do Supremo Tribunal Federal (STF), na Resolução nº 547 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e na Portaria nº 2.738/24 do TJSP. O relator do recurso, desembargador Marcelo Theodósio, ressaltou em seu voto que o julgamento está em consonância com os dispositivos legais e constitucionais mencionados. “Diante desse cenário, poderão ser extintas as execuções fiscais de valores até R$ 10 mil, que estejam paralisadas por mais de um ano (sem movimentação útil): a) nos casos em que a citação não se efetivou; ou, b) em que não tenham sido localizados bens penhoráveis da parte executada, embora citada”, escreveu. “Não há se falar em decisão surpresa, uma vez que o Tema 1184 do Supremo Tribunal Federal tem aplicação cogente, desde sua edição, por força dos artigos 1.039 e 1.040 do Código de Processo Civil”, concluiu. Completaram o julgamento os desembargadores Wanderley José Federighi e Beatriz Braga. A decisão foi unânime. Apelação nº 0009489-87.2024.8.26.0562 Comunicação Social TJSP – AA (texto)

Sistema administrativo brasileiro

O sistema administrativo brasileiro, como delineado na doutrina, revela uma estrutura que se distingue pela aplicação de uma jurisdição única, na qual a justiça administrativa não se separa da justiça comum, em contraste com modelos de jurisdição administrativa que podem coexistir com a justiça ordinária, como visto em outras jurisdições. Contexto histórico e evolução Desde a promulgação da primeira Constituição Republicana de 1891, o Brasil estabeleceu um sistema jurídico que rejeita a coexistência de um contencioso administrativo com o Poder Judiciário comum. Este modelo se baseia na ideia de uma jurisdição única, onde todos os litígios, tanto de natureza pública quanto privada, são resolvidos por um único sistema judiciário. A tese de Ruy Barbosa, frequentemente citada, sustenta que a Constituição de 1891 não acolhe espaço para um contencioso administrativo autônomo. Essa abordagem foi mantida nas Constituições subsequentes de 1934, 1937, 1946 e 1969, todas as quais reafirmaram a integração da justiça administrativa com a justiça comum, em contraste com tentativas anteriores e discussões sobre a criação de contenciosos administrativos específicos. A Emenda Constitucional nº 7/77 foi uma exceção, pois estabeleceu a possibilidade de criação de contenciosos administrativos, mas tais contenciosos não foram efetivamente implementados, e a Constituição de 1988 consolidou o afastamento dessa possibilidade. Influência do Direito Público Norte-Americano O sistema jurídico brasileiro foi fortemente influenciado pelo modelo anglo-americano, especialmente no que tange à separação dos poderes e ao princípio do “rule of law” (império da lei). Este modelo anglo-americano, ao contrário do sistema francês, não preconiza a coexistência de uma justiça administrativa separada da justiça comum. Em vez disso, adota a premissa de que todos os atos administrativos estão sujeitos ao controle judicial, refletindo a tradição do judicial review (controle judicial). Separação entre Administração e Justiça A separação entre o Poder Executivo e o Poder Judiciário no Brasil implica que a Administração Pública não pode exercer funções judiciais ou judiciais por natureza, o que significa que não pode decidir de forma final e conclusiva sobre litígios que envolvam questões jurídicas. Em outras palavras, a Administração tem a competência para decidir e realizar atividades administrativas, mas suas decisões estão sempre sujeitas à revisão pelo Poder Judiciário, garantindo que não haja sobreposição de funções judiciais e administrativas. Sistema de Jurisdição Única No Brasil, a jurisdição única é caracterizada pela concentração de todos os litígios, incluindo aqueles que envolvem questões de Direito Público e Direito Privado, em um único sistema judiciário. Assim, a Administração Pública e os particulares utilizam os mesmos meios processuais e recorrem ao Poder Judiciário para resolver disputas. O artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal de 1988, assegura que todos têm acesso ao Judiciário para a proteção de seus direitos, enfatizando a universalidade e a integralidade da jurisdição. Funções administrativas e jurisprudência Embora a Administração Pública possa criar e aplicar normas e decidir sobre questões administrativas, estas decisões não possuem a força de coisa julgada (res judicata) típica dos julgamentos judiciais. As decisões administrativas, portanto, são passíveis de revisão judicial, assegurando que o controle jurisdicional prevaleça sobre qualquer decisão administrativa. Isso garante a separação e a especialização dos papéis dos órgãos administrativos e do Poder Judiciário, conforme exigido pela doutrina e pela prática jurídica brasileira. Conclusão O sistema administrativo brasileiro, fundamentado na jurisdição única, é uma expressão da integração entre a justiça administrativa e a justiça comum, seguindo a tradição do direito anglo-americano e evitando a coexistência de um contencioso administrativo separado. Esse modelo assegura a uniformidade e a universalidade do acesso ao Judiciário, mantendo a separação de funções e a revisão judicial das decisões administrativas.

Apelação para revogar gratuidade de justiça autoriza interposição de recurso adesivo

​A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que, por afetar os honorários do advogado da parte vencedora, a concessão de gratuidade de justiça na mesma sentença que julga a ação improcedente configura sucumbência recíproca, apta a autorizar a interposição de recurso adesivo. Na origem, foi ajuizada uma ação de usucapião. O juízo de primeiro grau, ao julgar o pedido improcedente, concedeu gratuidade de justiça aos autores. Duas empresas vencedoras da demanda entraram com apelação no Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), pedindo a revogação da gratuidade. Por seu turno, os autores protocolaram apelação na forma de recurso adesivo, insistindo no reconhecimento da usucapião. Inicialmente, o tribunal afastou a gratuidade, mas reformou a sentença também em relação à usucapião, entendendo que foi comprovada a posse do imóvel por período superior ao previsto em lei, sem interrupção ou oposição. No entanto, ao julgar embargos de declaração, a corte estadual concluiu que não houve sucumbência recíproca – como exigido pelo artigo 997, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil (CPC) –, e com base nisso decidiu que o recurso adesivo não deveria ter sido conhecido. Gratuidade pode levar à extinção dos honorários Ao dar provimento ao recurso especial dos autores da ação original, a relatora no STJ, ministra Nancy Andrighi, reconheceu que a concessão da gratuidade de justiça gera interesse recursal na parte que tem o seu direito de recebimento de honorários suspenso. “A concessão de gratuidade de justiça em sentença equivale, na prática, à redução de honorários em desfavor da parte que, embora consagrada vencedora no julgamento de mérito em primeiro grau, fica privada da percepção dos honorários em razão da suspensão de sua exigibilidade, condição que se extingue após cinco anos, ocasionando verdadeira alteração no mundo dos fatos”, declarou. Segundo a ministra explicou, a gratuidade de justiça apenas suspende a exigibilidade dos honorários num primeiro momento, mas, após cinco anos, se não houver modificação na situação econômica da parte beneficiada, a obrigação de pagar será extinta, o que “equivale a reduzir a zero a verba honorária arbitrada para a parte vencedora”. Subordinação do recurso adesivo é apenas formal Nancy Andrighi observou que o STJ já reconheceu que a interposição de apelação para discutir o valor dos honorários possibilita que a outra parte entre com recurso adesivo sobre tópicos distintos. E, sendo assim, não haveria por que não admiti-lo na hipótese de apelação que pretende revogar a gratuidade de justiça. A relatora destacou que a única subordinação entre a apelação principal e a adesiva é de caráter formal. “Admitido o principal, havendo sucumbência de ambas as partes mesmo que em matérias e proporções distintas, autoriza-se a interposição de apelação na forma adesiva”, completou. Para a ministra, o tribunal de origem violou o artigo 997, parágrafo primeiro, do CPC ao interpretá-lo restritivamente. Com esse entendimento, acompanhando a relatora, o colegiado determinou que a apelação adesiva seja conhecida e tenha seu mérito julgado novamente pelo TJMT. Leia o acórdão no REsp 2.111.554.

Sistema judiciário

O Sistema Judiciário, ou sistema de jurisdição única, refere-se a um modelo em que todos os litígios, sejam de natureza administrativa ou de interesses exclusivamente privados, são resolvidos pela Justiça Comum. Este sistema, que tem suas raízes na Inglaterra e foi posteriormente adotado em diversos países como os Estados Unidos, Brasil e México, é caracterizado pela centralização da função jurisdicional na Justiça Comum, exercida por juízes e tribunais do Poder Judiciário. Origem e evolução do Sistema Judiciário Historicamente, na Inglaterra, o poder judicial estava concentrado na figura da Coroa. Inicialmente, o Rei detinha o poder de legislar, administrar e julgar, o que criava um cenário de insegurança para os súditos, pois suas reclamações eram decididas conforme a vontade real. A insatisfação popular levou à criação do Tribunal do Rei (King’s Bench), que começou a desempenhar um papel crucial na administração da justiça, delegando ordens e mandados para corrigir abusos administrativos. Os writs, como o writ of certiorari, writ of injunction, writ of mandamus e writ of habeas corpus, eram instrumentos utilizados para assegurar o controle judicial sobre atos administrativos ilegais ou arbitrários. A independência do poder judiciário inglês foi formalizada com o Act of Settlement de 1701, que garantiu estabilidade no cargo dos juízes e separou o Poder Judicial dos poderes Legislativo e Executivo. Esse ato consolidou o sistema de jurisdição única, que garante ao Poder Judiciário a competência para decidir sobre todas as questões de direito, incluindo as administrativas, sem interferência do Poder Executivo ou Legislativo. Adoção e adaptação em outros países O modelo inglês de jurisdição única foi adotado nas colônias norte-americanas e se estabeleceu com grande profundidade após a independência dos Estados Unidos em 1775 e a fundação da Federação em 1787. A Constituição dos EUA consagrou esse sistema ao estabelecer a supremacia da lei e a jurisdição do Poder Judiciário como a única autoridade para julgar litígios, tanto privados quanto administrativos. Nos Estados Unidos, embora o sistema de jurisdição única seja o padrão, foram criados Tribunais Administrativos e Comissões para tratar de certas questões regulatórias e administrativas. Entretanto, essas entidades não têm o poder de decisão final e conclusiva sobre litígios; seu papel é auxiliar na regulamentação e supervisão de atividades públicas, com as decisões finais sendo submetidas ao controle da Justiça Comum. Essa estrutura visa minimizar abusos de poder burocrático e assegurar que a Administração Pública atue dentro dos limites legais. Comparação com outros sistemas Ao contrário do sistema francês, que prevê um contencioso administrativo separado do judicial, o sistema de jurisdição única não distingue entre disputas entre particulares e a Administração Pública. No sistema anglo-saxônico, todas as controvérsias são resolvidas pelo Poder Judiciário, que tem a autoridade final e conclusiva, conhecida como “final enforcing power” ou coisa julgada judicial.

Espólio tem legitimidade para contestar validade de interceptação telefônica

​A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o espólio tem legitimidade para contestar a validade de uma interceptação telefônica realizada durante investigação criminal, mesmo tendo havido a extinção da punibilidade pela morte do acusado, e especialmente quando o patrimônio dos herdeiros possa ser afetado em ações civis (no caso dos autos, ações de improbidade administrativa) baseadas em provas emprestadas da ação penal. O caso chegou ao STJ após o tribunal de origem não reconhecer a legitimidade do espólio, sob o fundamento de que a extinção da punibilidade extingue a própria pretensão punitiva. No STJ, a defesa sustentou que as provas decorrentes da interceptação telefônica supostamente nula continuam a ser utilizadas em processos relacionados a improbidade administrativa, mesmo após a extinção da punibilidade na esfera penal. Reparação do dano até o limite da herança O relator, ministro Ribeiro Dantas, destacou que, conforme o artigo 1.997 do Código Civil, o espólio e os herdeiros podem responder pelas consequências civis dos atos praticados pelo falecido, até o limite da herança. Segundo ressaltou, “embora a extinção da punibilidade pelo falecimento do agente encerre sua responsabilidade penal, não se elimina a necessidade de resolver pendências civis e indenizatórias”. O ministro lembrou que a Lei de Improbidade Administrativa prevê a responsabilização dos agentes públicos por enriquecimento ilícito ou prejuízo ao erário, sendo indispensável a reparação integral do dano. Conforme apontou, o STJ já decidiu que a extinção da punibilidade do agente, apesar de encerrar o processo penal, não impacta as obrigações indenizatórias nem outros efeitos civis derivados dos atos ilícitos supostamente praticados. Direito ao contraditório e à ampla defesa Ribeiro Dantas enfatizou que a utilização de prova emprestada, questionada no âmbito do processo penal, e a inadmissão dos embargos de declaração opostos pelo espólio em razão do não reconhecimento da sua legitimidade comprometem o exercício do contraditório e da ampla defesa. O relator salientou que a Lei 9.296/1996, que trata das interceptações telefônicas, estabelece critérios rigorosos para sua realização, e o seu descumprimento pode ser contestado pelos herdeiros quando estiver em jogo o patrimônio transmitido. “Se as provas são anuladas em um processo penal por irregularidades, como violações a direitos fundamentais, elas se tornam inutilizáveis em processos de improbidade administrativa”, completou. Leia o acórdão no AREsp 2.384.044.

Tema 1190 do STF

Tema 1190 - Possibilidade de investidura em cargo público, após aprovação em concurso, de pessoa com os direitos políticos suspensos e em débito com a Justiça Eleitoral, em razão de condenação criminal transitada em julgado. Há Repercussão? Sim Relator(a): MIN. ALEXANDRE DE MORAES Leading Case: RE 1282553 Descrição: Recurso extraordinário em que se discute, à luz dos artigos 5º, caput (princípio da isonomia), 15, III, e 37, I, da Constituição Federal, se, em nome dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da dignidade da pessoa humana e do caráter ressocializador da pena, a pessoa com os direitos políticos suspensos e em débito com a Justiça Eleitoral, em razão de condenação criminal transitada em julgado, pode ser investida em cargo público, após aprovação em concurso, considerada a ponderação entre as legítimas condições legais e editalícias para o exercício de cargo público e a necessidade de se estimular e promover a reinserção social da pessoa condenada criminalmente. Tese: A suspensão dos direitos políticos prevista no artigo 15, III, da Constituição Federal (“condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos”) não impede a nomeação e posse de candidato aprovado em concurso público, desde que não incompatível com a infração penal praticada, em respeito aos princípios da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho (CF, art. 1º, III e IV) e do dever do Estado em proporcionar as condições necessárias para a harmônica integração social do condenado, objetivo principal da execução penal, nos termos do artigo 1º da LEP (Lei nº 7.210/84). O início do efetivo exercício do cargo ficará condicionado ao regime da pena ou à decisão judicial do juízo de execuções, que analisará a compatibilidade de horários.

Sistema do contencioso administrativo

O sistema do contencioso administrativo é um modelo de controle jurisdicional que se originou na França e foi disseminado para outros países, caracterizando-se pela separação entre a jurisdição administrativa e a jurisdição comum. Este sistema emergiu a partir das tensões históricas entre o Parlamento e os Intendentes durante o final da Monarquia Francesa, quando as funções jurisdicionais e administrativas estavam profundamente interligadas. Origem e Evolução A Revolução Francesa de 1789, influenciada pelas ideias de Montesquieu sobre a separação dos Poderes, promoveu uma significativa transformação na estrutura do controle judicial da Administração Pública. A Lei de 24 de agosto de 1790 estabeleceu a separação rígida entre funções judiciárias e administrativas, proibindo os juízes de intervir nas atividades dos corpos administrativos sob pena de prevaricação. A Constituição de 3 de agosto de 1791 reforçou essa separação, impedindo os tribunais de interferirem nas funções administrativas ou de convocar administradores por atos funcionais. Características do Sistema O sistema do contencioso administrativo francês fundamenta-se na existência do Conselho de Estado, que atua como a principal instância jurisdicional para a revisão dos atos administrativos. O Conselho de Estado possui um papel multifacetado, atuando como: Juízo de Apelação: Revisa as decisões dos Tribunais Administrativos e dos Conselhos de Contencioso Administrativo das Colônias. Juízo de Cassação: Controla a legalidade das decisões do Tribunal de Contas, do Conselho Superior da Educação Nacional e da Corte de Disciplina Orçamentária. Juízo Originário e Único: Julga determinados litígios administrativos de forma exclusiva e primordial. Funções e Procedimentos O Conselho de Estado tem atribuições tanto administrativas quanto contenciosas. Suas funções incluem a expedição de avisos consultivos ao governo e o julgamento de litígios administrativos. A estrutura do Conselho de Estado é complexa, composta por cerca de duzentos membros, entre funcionários de carreira, auditores, juristas e conselheiros. Ele é dividido em seções administrativa e contenciosa, com esta última subdividida em várias subseções. No que diz respeito ao tipo de controle jurisdicional, o Conselho de Estado lida com quatro principais formas de contencioso: Contencioso de Plena Jurisdição: Relacionado ao restabelecimento de direitos do litigante, reparando danos causados pela Administração. Contencioso de Anulação: Envolve a invalidação de atos administrativos considerados ilegais, seja por violação da lei, da moralidade ou por desvio de poder. Contencioso de Interpretação: Foca na interpretação dos atos administrativos e seus efeitos sobre o litigante. Contencioso de Repressão: Trata da imposição de penas administrativas por infrações específicas, como infrações de trânsito ou atentados ao domínio público. Críticas e Considerações Embora o sistema francês de contencioso administrativo seja altamente especializado e estruturado, não está isento de críticas. Uma das principais objeções é a existência de dois critérios distintos de justiça: o da jurisdição administrativa e o da jurisdição comum. Críticos como Ranelletti apontam que um Estado moderno de Direito deve assegurar uma justiça única e integrada, garantindo que tanto a Administração quanto os indivíduos tenham seus direitos fundamentais protegidos por um sistema judicial equânime e independente. O modelo francês, com seu Conselho de Estado predominantemente constituído por membros da própria Administração, pode não oferecer as garantias de independência necessárias para a imparcialidade judicial. Além disso, a complexidade e a peculiaridade do sistema francês podem levar a dificuldades de aplicação e interpretação em outros contextos internacionais. Embora o sistema tenha sido adaptado em países como Suíça, Finlândia, Grécia, Turquia, Polônia e nas antigas Iugoslávia e Tchecoslováquia, a sua estrutura pode não oferecer vantagens claras sobre o sistema judiciário de jurisdição única, que busca integrar o controle jurisdicional em uma única esfera judicial, garantindo uniformidade e coerência na aplicação da justiça.

Sistemas administrativos

O conceito de “sistemas administrativos” refere-se aos mecanismos institucionais adotados pelo Estado para supervisionar e corrigir atos administrativos que sejam considerados ilegais ou ilegítimos. Este conceito se relaciona com o controle jurisdicional da Administração Pública e está fundamentado na necessidade de assegurar a legalidade e a justiça nas ações do Poder Público. Atualmente, existem dois sistemas principais de controle jurisdicional da Administração, que se distinguem pela forma como abordam a revisão dos atos administrativos: Sistema Contencioso Administrativo (Sistema Francês): Este modelo é caracterizado pela criação de tribunais administrativos especializados para lidar com litígios envolvendo a Administração Pública. No sistema francês, existem órgãos administrativos que possuem competência para julgar questões contenciosas e revisar atos administrativos. Os tribunais administrativos são independentes e especializados, e seu papel é fornecer uma análise detalhada das ações da Administração, garantindo que estas estejam em conformidade com a lei. A vantagem deste sistema é a sua especialização, pois os juízes administrativos possuem conhecimentos específicos sobre questões administrativas. Sistema Judiciário ou de Jurisdição Única (Sistema Inglês): No modelo inglês, o controle jurisdicional da Administração Pública é realizado pelos tribunais comuns. Ou seja, os juízos especializados em questões administrativas não existem; em vez disso, são os tribunais gerais que têm competência para julgar casos envolvendo a Administração Pública. Este sistema é caracterizado pela integração da função jurisdicional com o sistema judicial geral, o que implica que os atos administrativos são revisados pelo mesmo conjunto de tribunais que lida com outras questões legais. A principal vantagem deste modelo é a uniformidade e a centralização do controle jurídico, que evita a criação de órgãos judiciais especializados. A crítica ao chamado “sistema misto” é significativa no debate jurídico. O conceito de sistema misto sugere a coexistência de tribunais administrativos e tribunais judiciais para a revisão de atos administrativos, o que, segundo alguns especialistas como Seabra Fagundes, não reflete a realidade dos sistemas modernos. Em termos práticos, nenhum país adota um sistema que combine integralmente o controle jurisdicional por tribunais administrativos e tribunais judiciais, evidenciando que o sistema predominante se caracteriza pela predominância de uma forma de jurisdição (seja a comum ou a especial) para a resolução dos conflitos administrativos, em vez de uma exclusividade total de qualquer uma delas. Portanto, a distinção entre os sistemas de controle jurisdicional administrativo reside na predominância do tipo de jurisdição utilizado, e não na exclusividade ou na coexistência de múltiplos sistemas judiciais para a supervisão dos atos administrativos. A escolha entre um sistema contencioso administrativo e um sistema judiciário único reflete diferentes abordagens para garantir a legalidade e a justiça na Administração Pública, adaptadas às necessidades e tradições jurídicas de cada país.

Desapropriação dispensa dono anterior do imóvel de pagar pelo dano ao patrimônio histórico-cultural

​A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que o proprietário de imóvel desapropriado não responde mais pelo dano histórico-cultural causado no bem. Para o colegiado, o valor desembolsado pelo Estado na aquisição do imóvel já leva em consideração o passivo ambiental cultural. Com esse entendimento, os ministros negaram o pedido do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) para manter a responsabilidade de uma empresa pelo dano histórico-cultural causado em imóvel desapropriado pelo município do Rio de Janeiro. Tanto a empresa quanto o ente federativo foram alvos de ação civil pública devido aos danos causados pela falta de conservação do imóvel de importância histórico-cultural. O MPRJ pediu que ambos fossem condenados a executar um projeto de recuperação do bem e a pagar indenização a título de danos morais coletivos. No curso da ação, o município desapropriou o imóvel para implementar um programa de habitação de interesse social. O juízo de primeiro grau determinou à empresa e, de forma subsidiária, ao município que restaurassem o imóvel em até 12 meses, conforme projeto elaborado pelo órgão de defesa do patrimônio cultural. No julgamento da apelação, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) concluiu pela ilegitimidade passiva do expropriado, direcionando a condenação apenas ao município, e afastou o dano moral coletivo, por ausência de abalo à coletividade. Ônus de reparação de bem expropriado já é considerado na indenização O relator do recurso do MPRJ, ministro Gurgel de Faria, explicou que o artigo 31 do Decreto-Lei 3.365/1941 estabelece a sub-rogação no preço de quaisquer ônus ou direitos que recaiam sobre o bem expropriado. “Isso implica dizer que o ônus (de reparação) que recaía sobre o bem expropriado já foi considerado no preço (justa indenização) desembolsado pelo município para a aquisição do imóvel. Ou seja, a fazenda municipal já descontou o passivo ambiental do valor pago”, disse. Para o ministro, a condenação da parte expropriada no dever de pagar pela reparação do imóvel viola o postulado non bis in idem, uma vez que a empresa teria duplo prejuízo pelo mesmo fato: receberia indenização já descontada em razão do passivo ambiental e ainda teria de pagar esse passivo novamente na ação. Natureza propter rem da obrigação ambiental Apesar do teor da Súmula 623 do STJ e da tese firmada no Tema 1.204 sobre a natureza propter rem da obrigação ambiental, o relator entendeu que o caso em análise se distingue dos processos que originaram a orientação do tribunal quanto à possibilidade de cobrar a reparação do dano tanto do proprietário atual quanto do anterior. O ministro destacou que os recursos julgados no Tema 1.204 tratavam de transferência voluntária da propriedade; no caso em julgamento, houve desapropriação, que se distingue especialmente na fixação do preço. “Embora a obrigação de reparação ambiental permaneça de natureza propter rem, competirá ao ente expropriante atendê-la (a obrigação), pois o valor relativo ao passivo ambiental já deve ter sido excluído da indenização”, ressaltou. No entanto, Gurgel de Faria ponderou que permanece a legitimidade passiva da empresa em relação ao dever (em tese) de reparar o (suposto) dano moral coletivo – obrigação que não está relacionada ao próprio bem, inexistindo sub-rogação no preço. De acordo com o relator, o dano moral, nessa modalidade, “é experimentado pela coletividade em caráter difuso, de modo que o dever de indenizar é completamente independente do destino do imóvel expropriado”. Leia o acórdão no AREsp 1.886.951.

Renúncia ao prazo recursal deve ser afastada se decorreu de erro no manuseio do sistema do tribunal

​A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que um recurso interposto após a parte ter renunciado ao prazo deve ser aceito para julgamento, pois foi reconhecido que a renúncia decorreu de erro no manuseio do sistema eletrônico. De acordo com o colegiado, esse entendimento privilegia os princípios de razoabilidade, da confiança e da boa-fé processuais. Em ação de execução de título extrajudicial, uma das pessoas envolvidas no processo renunciou ao prazo para recorrer no sistema eletrônico do tribunal de segundo grau, sem, contudo, peticionar nesse sentido, tendo apenas selecionado o campo correspondente no sistema. Logo em seguida, a mesma parte interpôs agravo contra uma decisão da corte. A parte contrária apresentou contrarrazões ao agravo, alegando que o recurso não poderia ser conhecido em virtude da expressa renúncia ao prazo. O tribunal estadual considerou que os pressupostos de admissibilidade estavam presentes e que, diante da interposição do recurso dentro do prazo, a renúncia informada no sistema era irrelevante. A corte concluiu que houve apenas um erro material e conheceu do agravo. Afastar a renúncia ao prazo privilegia princípio da boa-fé A relatora do caso na Terceira Turma, ministra Nancy Andrighi, explicou que, nos termos do artigo 225 do Código de Processo Civil, a parte poderá renunciar ao prazo estabelecido exclusivamente em seu favor, desde que o faça de maneira expressa. A ministra também observou que, conforme preceitua a doutrina, a renúncia ao prazo se caracteriza como negócio jurídico, devendo ser interpretada de acordo com as normas respectivas previstas no Código Civil. Apesar da previsão normativa, a relatora apontou que vícios de vontade podem contaminar negócios processuais. A partir da interpretação do artigo 138 do Código Civil, Nancy Andrighi afirmou que o negócio jurídico pode ser anulado devido a erro que, além de essencial, seja desculpável, resultante do manuseio equivocado do sistema eletrônico. Para a ministra, se houve renúncia ao prazo e, ainda assim, foi interposto recurso que cumpre os requisitos de admissibilidade, tendo a parte peticionado para informar que sua intenção era a de efetivamente recorrer e tendo o julgador concluído pela ocorrência de erro escusável no manuseio do sistema eletrônico, a renúncia deve ser anulada. O entendimento está apoiado em jurisprudência do STJ, que demonstra a necessidade de tolerância em situações semelhantes (EAREsp 1.759.860). “Com este entendimento, privilegiam-se os princípios de razoabilidade, confiança e boa-fé presentes no Código de Processo Civil, bem como interpreta-se o negócio jurídico processual conforme determina o Código Civil”, arrematou a ministra Nancy Andrighi. Leia acórdão no REsp 2.126.117.

1010699-29.2020.8.26.0003

EXTINÇÃO DO PROCESSO- Ação de consignaçãoem pagamento- Sentença de extinção sem resolução do mérito, nos ternosdo artigo 485, inciso VI, do Código de Processo Civil- Inconformismo da autora- Alegação de nulidade da sentença por ter duas sentenças proferidas- Não acolhimento- Primeira sentença que foi homologatória de acordo e envolveu somente a autora e as résSelector Fundode Investimentos em Direitos Creditórios Multisetorial e Cm Capital Markets Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários Ltda- Sentença de extinção sem resolução do mérito que reconheceu a ilegitimidade da ré Prudent Brazil Consultoria De Créditos Ltda- Ausência de coisa julgada ou duas decisões sobre os mesmos fatos- Honorários advocatícios- Inteligência da tese fixada no Tema 1.076 em julgamento repetitivo pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça- Fixação dos honorários por apreciação equitativa que não é permitida quando os valores da condenação, da causa ou proveito econômico da demanda forem elevados-Tema 1255 que estápendente de julgamento pelo STF e não houve determinação de suspensão dos processos-Sentença mantida, com a majoração da verba honorária de sucumbência- Artigo 85, § 11, do Código de Processo Civil- Recurso não provido. (Apelação Cível n. 1010699-29.2020.8.26.0003- São Paulo- 22ª Câmara de Direito Privado- Relator: Hélio Nogueira- 20/06/2024- 31649 Unânime)

REsp 1.608.161-RS

A Ação Popular, embora empreendida a título individual, tem por objetivo a tutela de direitos transindividuais, não se prestando, por conseguinte, à mera tutela patrimonial dos cofres estatais, à contraposição pura e simples da atividade administrativa, tampouco à defesa de interesses do cidadão figurante no polo ativo. Informações do Inteiro Teor Nos moldes do art. 5º, LXXIII, da Constituição da República e, no plano infraconstitucional, dos arts. 1º e 2º da Lei n. 4.717/1965, a ação popular é direito fundamental, atribuído ao cidadão, de acionar o Poder Judiciário com o objetivo de invalidar atos lesivos ao patrimônio material e imaterial do Estado, ampliando, assim, as formas pelas quais os titulares da soberania exercem prerrogativas fiscalizatórias dos afazeres públicos. Ainda, constitui instrumento de efetivação da democracia participativa plasmada no art. 1º, parágrafo único, da Constituição, empoderando e estimulando a atuação da sociedade civil no controle de decisões estatais, especialmente por meio de medidas judiciais tendentes a corrigir ofensas a direitos ou interesses difusos e coletivos. Trata-se, portanto, de instrumento ulterior, repressivo e jurisdicional da correção de rumos da Administração Pública, passível de ser acionado por qualquer cidadão com amparo no direito fundamental à soberania popular. Não obstante tradicionalmente vinculado o exercício do direito ao ajuizamento da ação popular à demonstração do binômio ilegalidade-lesividade - notadamente sob a perspectiva de desfalque patrimonial ao Erário -, o Supremo Tribunal Federal, em julgamento submetido ao regime de repercussão geral, fixou compreensão segundo a qual o núcleo essencial da actio popularis não está exclusivamente ligado à proteção material do Estado, mas, preponderantemente, ao afastamento de ilegalidades, inclusive sob a perspectiva moral do ato lesivo, não bastando, por isso, a simples constatação de perda econômica para autorizar a tutela de direitos coletivos pelos cidadãos (cf. Tema n. 836, ARE n. 824.781/MT, Relator Ministro Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em 28.8.2015, DJe 9.10.2015). Na ocasião, restou fixada a seguinte tese: “Não é condição para o cabimento da ação popular a demonstração de prejuízo material aos cofres públicos, dado que o art. 5º, LXXIII, da Constituição Federal estabelece que qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular e impugnar, ainda que separadamente, ato lesivo ao patrimônio material, moral, cultural ou histórico do Estado ou de entidade de que ele participe”. Dessa forma, a actio popularis não se presta à proteção de meros interesses particulares do respectivo autor, sob pena de subverterem-se os fins para os quais instituída. Vale dizer, o ajuizamento de ação popular, fundamentado no exercício da soberania do povo, deve ter por escopo imediato a defesa de interesses coletivos cuja preservação, apenas mediatamente, beneficia o autor enquanto membro do grupo, não se volvendo, contudo, à tutela de interesse preponderantemente individual daquele que em nome de todos atua, tampouco à mera contestação do legítimo exercício da atividade administrativa. Por essas razões, a tutela de interesses imediatamente particulares e mediatamente coletivos por intermédio de ação popular é rechaçada pela jurisprudência das Turmas integrantes da 1ª Seção, conforme denotam os julgados: REsp 1.870.473-RS, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 24.5.2022, DJe 2.6.2022, REsp. 801.080-RJ, Relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 16.10.2007, DJ 29.10.2007 e REsp 36.534-DF, Relator Ministro Hélio Mossiman, Segunda Turma, julgado em 14.12.1994, DJ 13.2.1995. No caso, foi proposta Ação Popular por Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil, buscando a anulação de acórdão proferido no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais - CARF, o qual negou provimento a recurso administrativo aviado pela Fazenda Nacional, mantendo, consequentemente, decisão exarada pela Delegacia da Receita Federal de Julgamento - DRJ, que reconhecera a decadência dos créditos tributários constituídos em desfavor de contribuinte por meio de Notificação Fiscal de Lançamento de Débito - NFLD. Em consulta ao sítio eletrônico do STJ, foram identificados ao menos 200 (duzentos) Recursos Especiais e Agravos interpostos nos autos de Ações Populares, denotando a utilização da via eleita para, reiteradamente, se contrapor à posição do tribunal administrativo responsável pela apreciação definitiva acerca da regularidade das exigências fiscais - caso do CARF -, bem como para afastar intelecção do CNAS quanto ao preenchimento de requisitos para o gozo de imunidade relativa a contribuições sociais (e.g. REsp n. 1.889.451/RS, Relator Ministro Sérgio Kukina; REsp n. 1.704.495/RS, Relatora Ministra Assusete Magalhães; e AREsp n. 891.597/RS, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho). O elevado grau de litigiosidade expressa nítida insubordinação ao entendimento jurídico exarado por órgãos superiores, conduta passível, ao menos em tese, de caracterizar infração aos deveres funcionais de lealdade às instituições e de cumprimento das legítimas deliberações das autoridades às quais vinculado (cf. art. 116, II e IV, da Lei n. 8.112/1990). Assegurar a servidor público integrante dos quadros do Fisco, via ação popular, a contestação judicial de deliberações de órgãos administrativos superiores e aos quais seus atos estão sujeitos a reexame, como no caso, pode, a um só tempo, importar em subversão da estrutura hierárquica da Administração Pública e viabilizar a utilização da actio popularis como instrumento de suposta vingança por não ter sido chancelada a sua interpretação pelo órgão julgador. Desde o ajuizamento da Ação Popular, verifica-se que não houve apontamento de manifesta ilegalidade do entendimento abraçado pelo CARF, desvio ou abuso de poder praticado pelos julgadores, tampouco indicativo de adoção de tese contrária a sedimentados precedentes jurisdicionais; ao revés, a argumentação trazida na petição inicial evidencia mera discordância quanto ao juízo hermenêutico sufragado em âmbito administrativo, em sentido oposto àquele defendido na demanda originária. Eventual invalidade de ato administrativo somente poder ser aferida à vista da exegese conferida à lei que o ampara, a simples discordância interpretativa, por si só, não se qualifica como ilegalidade passível de ser sanada por meio de Ação Popular, mormente quando em análise decisões de colegiados paritários sobre disposições legislativas de conteúdo polissêmico e objeto de interpretações díspares. Conquanto se alegue a existência de prejuízo ao erário no reconhecimento da decadência tributária - elemento tido pelo acórdão recorrido como central para viabilizar o ajuizamento da demanda -, o âmago do direito fundamental protegido pelos arts. 5º, LXXIII, da Constituição da República, e 1º e 2º da Lei n. 4.717/1965, consiste na prerrogativa atribuída ao cidadão para afastar ilegalidades na condução dos afazeres estatais, independentemente de eventual desfalque financeiro. Legislação Constituição Federal, art. 1º, parágrafo único e art. 5º, LXXIII Lei n. 4.717/1965, art. 1º e art. 2º

REsp 1.608.161-RS

A invalidação, pelo Poder Judiciário, de ato do CARF lesivo ao patrimônio público, seja ele favorável ou contrário ao Fisco, somente é possível quando eivado de manifesta ilegalidade, contrário a sedimentados precedentes jurisdicionais ou incorrido em desvio ou abuso de poder. Informações do Inteiro Teor Cinge-se a controvérsia acerca do manejo da Ação Popular para fins de controle de atos da Administração Pública. Na hipótese, a referida Ação foi proposta por Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil, buscando a anulação de acórdão proferido no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais - CARF, o qual negou provimento a recurso administrativo aviado pela Fazenda Nacional, mantendo, consequentemente, decisão exarada pela Delegacia da Receita Federal de Julgamento - DRJ. A ação popular tem por fundamento axiológico a participação da sociedade civil nos afazeres estatais, direito cuja consagração ganhou contornos mais expansivos com a promulgação da atual Constituição da República. Notadamente, em seu art. 1º, parágrafo único, há a outorga aos membros do corpo social a prerrogativa de atuarem diretamente na tomada de decisões públicas, emprestando, assim, maior legitimidade às ações do Estado. Nessa conjuntura, a ordem constitucional alberga uma plêiade de instrumentos implementadores da atuação direta do cidadão na proteção de interesses coletivos. Além dessas hipóteses, em densificação ao primado da soberania popular, faculta-se ao legislador a criação de órgãos públicos compostos por membros da sociedade civil para deliberação sobre as mais distintas políticas públicas, orientação já acolhida pelo Supremo Tribunal Federal em precedente vinculante (cf. ADPF n. 623/DF, Relatora Ministra Rosa Weber, Tribunal Pleno, julgado em 22.5.2023, DJe 18.7.2023). Dentre os conselhos deliberativos legalmente instituídos como corolários da democracia participativa, o Conselho Administrativo dos Recursos Fiscais - CARF destaca-se pela sua composição deliberativa paritária e imanente função de decidir acerca dos litígios tributários de alçada federal, cujas decisões foram dotadas de caráter definitivo, sejam elas favoráveis ou contrárias aos interesses do Fisco, como se verifica dos regramentos previstos nos arts. 42, II e III, 43 e 45 do Decreto n. 70.235/1972 Consoante a dicção dos arts. 142 e 145, I, do Código Tributário Nacional, uma vez constituído o crédito tributário pelo lançamento - ato administrativo vinculado mediante o qual se procede à identificação dos sujeitos da relação tributária, bem como à apuração do valor a ser pago a título de tributo, de modo a conferir exigibilidade ao correspondente crédito -, faculta-se ao contribuinte ou ao responsável a apresentação de impugnação tendente a modificar, a alterar ou a extinguir a exigência fiscal. No âmbito federal, a insurgência apresentada em face do lançamento inaugura a fase litigiosa do contencioso tributário, cabendo a órgãos integrantes da Administração Pública, compostos por representantes dos contribuintes, deliberação definitiva acerca da matéria. Tal processo administrativo fiscal federal é regulado pelos arts. 14 e 25 do Decreto n. 70.235/197, de modo que o julgamento dos recursos apresentados pelos sujeitos passivos incumbe, em primeira instância, às Delegacias da Receita Federal de Julgamento - DRJ, e, em segunda instância, ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais - CARF, órgão colegiado e paritário integrante da estrutura do Ministério da Fazenda. A despeito de sua composição paritária, o CARF constitui órgão componente da estrutura administrativa da União - estando, por isso, jungido ao princípio da legalidade -, razão pela qual suas decisões são imputadas diretamente à pessoa jurídica da qual é parte integrante. À falta de previsão normativa em sentido diverso, porquanto seus julgados não são passíveis de revisão por nenhum outro órgão administrativo, atribuindo-se, por isso, primazia às deliberações tomadas em ambiente dialógico entre membros do corpo social e servidores públicos efetivos. A par disso, a instituição, no âmbito da Administração Pública Federal, de estrutura hierárquica para a solução dos conflitos fiscais e na qual o CARF figura como instância máxima, privilegia a resolução extrajudicial de litígios, viabilizando, em consequência, (i) o célere encerramento de contendas tributárias em ambiente consensual e (ii) o incremento da cultura de estímulo à desjudicialiazação, diretrizes fundantes da Política Judiciária de Tratamento à Alta Litigiosidade do Contencioso Tributário aprovada pela Resolução CNJ n. 471/2022 (art. 2º, VI e VII). Assim, conquanto não se olvide sua natureza administrativa - legitimando, por tal razão, o manejo de ação popular por qualquer cidadão visando à invalidação de ato do CARF lesivo ao patrimônio público, seja ele favorável ou contrário ao Fisco -, eventual controle judicial de suas conclusões deve considerar o papel reservado ao indicado colegiado na estrutura da Administração Pública Federal, especialmente quando do escrutínio das teses jurídicas levadas em conta para a consolidação do juízo hermenêutico acerca da interpretação da legislação tributária, de modo a somente afastar as conclusões alcançadas se eivadas de manifesta ilegalidade, contrárias a sedimentados precedentes jurisdicionais ou incorridas em desvio ou abuso de poder. Exegese diversa teria o condão de tornar irrelevante a participação da sociedade civil na tomada de decisões pelo Poder Público e supérfluo o principal mecanismo extrajudicial de solução de controvérsias tributárias federais, uma vez que acórdãos exonerativos do dever de pagar tributos sempre estariam sujeitos à revisão por instância distinta, independentemente de quaisquer outras indagações substantivas. Legislação Constituição Federal, art. 1º, parágrafo único Código Tributário Nacional, art. 142 e art. 145, I Decreto n. 70.235/1972, art. 14, art. 25, art. 42, II e III, art. 43 e art. 45 Resolução CNJ n. 471/2022, art. 2º, VI e VII

0020404-38.2024.8.26.0000

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. ARROLAMENTO, INVENTÁRIO E PARTILHA DOS BENS. Distribuição perante a 1ª. Vara de Várzea Paulista. Redistribuída por dependência à Vara onde tramita pedido de alvará. Impossibilidade. Ação de alvará autônoma, para soerguimento de valores a título de PIS e FGTS deixados pelo de cujus. Pedido e causa de pedir distintos. Inexiste risco de decisões conflitantes. Inteligência do art. 55 do CPC. Observância do art. 666 do CPC e art. 903, parágrafo único das Normas de Serviço da Corregedoria Geral de Justiça do TJSP. Alvará que não tem pedido incidental ao inventário. Precedentes. CONFLITO PROCEDENTE. COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITADO. (TJSP; Conflito de competência cível 0020404-38.2024.8.26.0000; Relator (a): Sulaiman Miguel Neto; Órgão Julgador: Câmara Especial; Foro de Várzea Paulista - 2ª Vara; Data do Julgamento: 08/08/2024; Data de Registro: 09/08/2024)