1027854-54.2018.4.01.0000

Ação de improbidade administrativa. Indisponibilidade de bens. Bloqueio de numerário em conta bancária conjunta. Inexistência de solidariedade. Cotitularidade. A medida de indisponibilidade de bens não pode recair sobre valores depositados em conta bancária conjunta, pois presume-se que cada titular detém metade do valor depositado, razão pela qual a constrição deve subsistir tão somente sobre 50% do saldo existente, pertencente ao réu da ação. Nesse sentido, já pacificou o Superior Tribunal de Justiça que não há solidariedade entre cotitulares de conta corrente conjunta em relação a terceiros, mas apenas em relação ao banco, não podendo a constrição judicial recair sobre a totalidade do montante depositado, para garantia de execução ajuizada contra um deles. Unânime. (AI 1027854-54.2018.4.01.0000 – PJe, rel. des. federal Marcus Bastos, em 15/07/2024.)

0000598-59.2014.4.01.3504

Crime de peculato. Art. 312, caput, CP. Materialidade, autoria e dolo comprovados. Dependência química. Inimputabilidade não comprovada à época dos fatos. Demissão aplicada na esfera administrativa. Reintegração. Impossibilidade de análise na esfera criminal. Para que se verifique a inimputabilidade do agente, o que o isenta de pena, é necessário que haja um conjunto probatório vasto e suficiente o qual comprove que o agente era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (art. 26 do CP). Logo, a mera alegação de dependência química não implica isenção ou redução de pena, já que é exigido prova específica de inimputabilidade. Além disso, mesmo que o apelante estivesse sob efeito de drogas, incidiria no presente caso a teoria da actio libera in causa, prevista no art. 28 do Código Penal, segundo a qual, quem se coloca em estado de inconsciência, de forma dolosa ou culposa, responde pelo delito cometido nessa situação. Cabe ainda destacar que, constitui ônus da defesa a prova das causas que excluem a antijuridicidade, culpabilidade e punibilidade, bem como das circunstâncias que impliquem em diminuição de pena. Dessa forma, o ônus da prova da inimputabilidade cabia à defesa, que não se desincumbiu de demonstrá-la, como exige o art. 156 do CPP. Por outro lado, cabe ainda ressaltar, que a presente ação penal não é a via adequada para análise da demissão do apelante, já que esta se deu na esfera administrativa, por meio de processo administrativo disciplinar instaurado pelos Correios, razão pela qual não cabe ao juízo criminal qualquer análise quanto a (i)legalidade da demissão bem como readmissão do apelante, tendo em vista a independência das instâncias penal e administrativa. Unânime. (Ap 0000598-59.2014.4.01.3504 – PJe, rel. des. federal Solange Salgado da Silva, em 15/07/2024.)

0002512-24.2010.4.01.3400

Inserção de dados falsos em sistema de informações (CP, art. 313-A). Continuidade delitiva. Processos distintos. Competência do juízo das execuções penais para unificação das penas. Precedentes do STJ, conexão. Art. 80 c/c 82 do CPP. Não cabimento. Súmula 235 do STJ. O art. 82 do CPP veda expressamente a junção de processos após a sentença condenatória, situação na qual a unidade de processos somente ocorrerá ulteriormente, para efeito de soma ou de unificação das penas. É essa a orientação do STJ, sedimentada na Súmula 235, segundo a qual a conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado. Unânime. (Ap 0002512-24.2010.4.01.3400 – PJe, rel. des. federal Solange Salgado da Silva, em 15/07/2024.)

1017452-98.2024.4.01.0000

Crime contra a honra. Ofensa desvinculada do exercício das funções da ofendida. Ação penal de iniciativa privada. Ilegitimidade do MPF para deflagrar a ação penal. Trancamento. Possibilidade. O Código Penal, na parte reservada aos crimes contra a honra, dispõe que, em regra, a ação penal é de iniciativa privada (art. 145). Não obstante, em seu parágrafo único, o citado dispositivo excepciona a regra e assevera que se procede mediante representação do ofendido (ação penal pública condicionada à representação), no caso do inciso II do art. 141 do CP (delito cometido contra funcionário público, em razão de suas funções). Na hipótese, embora não se desconheça que a vítima é servidora pública federal da Universidade Federal do Sul da Bahia, sua condição, no momento do fato, era a de aluna do Programa de Doutoramento em Estado e Sociedade da mesma Universidade, eis que buscava a concessão de uma bolsa de fomento concedida pela Fabesp, que é destinada a estudantes em geral da pós-graduação, nos termos da Resolução PPGES 01/2018. Dessa forma, não se tratando de crime contra a honra praticado em razão do exercício das funções da ofendida, vez que no momento da conduta da paciente sua condição era a de candidata à bolsa, não há que se falar em aplicação da Súmula 714 do STF. E sendo a ação penal de iniciativa privada, caberia à ofendida o oferecimento de queixa-crime, no prazo de 6 meses, contado do dia em que soube da autoria das imputações, sob pena de decadência (art. 38 do CPP e art. 103 do CP). Unânime. (HC 1017452-98.2024.4.01.0000 – PJe, rel. des. federal Daniele Maranhão, em 15/07/2024.)

0713624-28.2022.8.07.0004

Compra e venda de imóvel por procuração – impossibilidade de transferência da propriedade – substituição do sujeito passivo responsável pelo IPTU. Realizada a compra e venda de imóvel por meio de procuração, a titularidade do sujeito passivo responsável pelo pagamento do IPTU passa a ser do adquirente em razão da posse – fato gerador do tributo –, ainda que o documento não represente instrumento hábil para a transferência da propriedade. Na origem, vendedor de uma casa ingressou com ação de obrigação de fazer combinada com indenização por danos morais contra o adquirente do imóvel, para compeli-lo a realizar a transferência da propriedade e determiná-lo como sujeito passivo responsável pelo imposto predial e territorial urbano – IPTU, o qual não vinha sendo pago desde 2016. Segundo alegações do autor, o negócio fora realizado há mais de vinte anos por meio de procuração e, em razão da inadimplência do imposto, teve seu nome inscrito na dívida ativa. O juízo singular, ao verificar a ausência de poderes para transferência do imóvel na procuração em causa própria outorgada ao comprador, julgou parcialmente procedentes os pedidos, condenando o requerido a pagar os débitos tributários lançados em nome do alienante e o valor de cinco mil reais, a título de danos extrapatrimoniais. Irresignado, o alienante interpôs apelação. Na análise do recurso, os desembargadores esclareceram que a procuração em causa própria (in rem suam) pode representar negócio jurídico apto à transferência de propriedade de imóvel desde que apresente não só a individualização do bem, mas também a forma de pagamento e de quitação do preço, além de cláusulas de irrevogabilidade, irretratabilidade e dispensa de prestação de contas – elementos essenciais não verificados no mencionado instrumento. Nesse sentido, os julgadores ponderaram que, ao não apresentar os requisitos e as formalidades necessários para a obtenção dos efeitos de compra e venda, não há como impor a transferência da titularidade do imóvel. Entretanto, os magistrados asseveraram que o imposto predial territorial urbano – cujo fato gerador pode ser a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis – ostenta natureza jurídica propter rem (em razão da coisa) e, por isso, deve ser sub-rogado na pessoa do adquirente, em consonância com o art. 130 do Código Tributário Nacional. Dessa forma, a turma reconheceu que, ao exercer a posse do imóvel, o comprador é considerado contribuinte do tributo, devendo figurar no polo passivo da obrigação tributária. Assim, diante da necessária sub-rogação verificada na aquisição da residência, o colegiado deu parcial provimento ao recurso, apenas para determinar a transferência da titularidade do sujeito passivo responsável pelo IPTU. Acórdão 1882270, 07136242820228070004, Relatora: Des.ª MARIA DE LOURDES ABREU, Terceira Turma Cível, data de julgamento: 20/6/2024, publicado no DJe: 5/7/2024.

0716291-02.2023.8.07.0020

Falha em serviço Buser – transtornos em viagem – dano moral a pessoa com autismo. A startup Buser, que conecta pessoas a empresas de transporte, é responsável, solidária e objetivamente, por falhas nos serviços prestados, pois exerce atividade lucrativa. Assim, é cabível reparação por danos morais quando comprovada série de contratempos enfrentados por pessoa com autismo e Transtorno Misto Ansioso e Depressivo. Consumidora ajuizou ação de reparação cível contra o aplicativo Buser, pelos transtornos suportados em viagem realizada de Brasília para Belo Horizonte, onde faria prova de concurso público. A autora, diagnosticada dentro do espectro autista, sustentou alteração no local de embarque, atraso nos horários, cancelamento do trecho de retorno, em contexto de extrema desorganização. Condenada ao pagamento de três mil reais por danos materiais e morais, a requerida interpôs apelação. Ao analisarem o recurso, os desembargadores afirmaram que a startup integra a cadeia de fornecimento, aufere lucro com as próprias viagens e com a atividade de intermediação entre passageiros e transportadoras, motivo pelo qual deve responder objetiva e solidariamente pela falha na prestação dos serviços. Assim, rejeitada a questão preliminar de ilegitimidade passiva, explicaram que a caracterização do dano moral requer prova de situação de extrema gravidade, suficiente para causar abalo psicológico considerável e na honra do ofendido. No particular, verificaram que a autora sofre de Transtorno Misto Ansioso e Depressivo e, não bastasse a condição pessoal, enfrentou alteração do local do embarque, atraso considerável na partida e, por fim, cancelamento do trecho de retorno da viagem. Desse modo, segundo os Julgadores, os fatos vivenciados superam o mero aborrecimento e são capazes de gerar o dano moral, notadamente pelo forte abalo emocional gerado à pessoa com autismo. Contudo, reduziram para dois mil reais o valor da indenização, por entenderem adequado, proporcional e condizente com o efeito pedagógico da compensação, sem caracterizar enriquecimento sem causa. Ao fim, demonstrado o efetivo cancelamento do itinerário de volta, a turma manteve a condenação por danos materiais, nos termos da sentença. Acórdão 1883051, 07162910220238070020, Relator: Des. Robson Teixeira de Freitas, Oitava Turma Cível, data de julgamento: 25/6/2024, publicado no DJe: 4/7/2024.

0702930-48.2023.8.07.0009

Suicídio em via pública – adoção dos protocolos para identificação – omissão estatal não configurada. A ausência de localização de familiares de pessoa que ceifou a própria vida em via pública do Distrito Federal não caracteriza omissão de agentes públicos, quando adotados todos os protocolos para identificação do corpo e sepultamento social. Mãe de homem que se suicidou em via pública ajuizou ação de indenização por danos morais contra o Distrito Federal, sob alegação de negligência dos policiais na identificação do filho. Narrou que a suposta falha teria ocasionado enterro como indigente, sem que a família tivesse sido comunicada do óbito. O pedido foi julgado parcialmente procedente para fixar a indenização por danos morais, no valor de R$ 20.000,00. Ao analisarem o recurso do DF, os desembargadores explicaram que a responsabilidade civil do Estado, em regra, é regida pela teoria do risco administrativo (art. 37, § 6º, da Constituição Federal), na modalidade objetiva, segundo a qual as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviço público respondem pelos danos que seus agentes causarem a terceiros, sem necessidade de avaliação do elemento subjetivo. Ressaltaram que, nos casos de negligência, todavia, a responsabilidade é apurada de forma subjetiva, mediante comprovação da lesão e do descuido dos agentes. Acrescentaram ser ônus da parte autora comprovar omissão relevante dos policiais (art. 373 do Código de Processo Civil), o que não ocorreu na hipótese. Nesse contexto, os julgadores destacaram que não houve falha na identificação do falecido, uma vez que os documentos pessoais foram localizados na carteira junto ao corpo e, com o auxílio desses dados, foram adotadas todas as diligências possíveis para localização dos parentes. Nessa perspectiva, o colegiado esclareceu que as mortes com causas acidentais ou violentas, incluindo o suicídio, são objeto de avaliação do Instituto de Medicina Legal, vinculado à Polícia Civil do DF, que elabora o exame cadavérico, cuja finalidade última é a correta identificação do indivíduo morto para a confecção da certidão de óbito. Dessa forma, observaram que o corpo foi direcionado para enterro social, com indicação precisa do local e do ocupante do jazigo, fato que afasta a alegação de que o finado teria sido sepultado como indigente. A turma afirmou, ainda, que o documento de identificação do falecido era de outra unidade da federação, elemento que dificultava a localização dos parentes. Além disso, consignou que os familiares só reclamaram o desaparecimento meses após a morte, circunstância que dificultou o encontro de pessoas próximas. O colegiado destacou que, embora não haja exigência legal de busca de parentes em caso de suicídio, os agentes policiais fizeram a procura informalmente, de modo a afastar a alegada negligência e, por outro lado, denotar atuação correta, com zelo e cuidado para a localização da família. Por fim, como todos os protocolos necessários para o caso foram adotados, os magistrados concluíram que não houve comprovação do dano ou do nexo causal apto a justificar a condenação, motivo pelo qual deram provimento ao recurso. Acórdão 1868417, 07029304820238070009, Relator: Des. TEÓFILO CAETANO, Primeira Turma Cível, data de julgamento: 22/5/2024, publicado no DJe: 4/7/2024.

0716661-07.2024.8.07.0000

Prisão domiciliar – tentativa de violação do sinal da tornozeleira eletrônica – revogação do benefício e regressão de regime. A tentativa de violação do sinal da tornozeleira eletrônica, por meio de envelopamento do dispositivo, caracteriza falta grave, apta a ensejar a revogação da prisão domiciliar e a regressão para regime fechado. Condenado à pena de mais de 21 anos de reclusão interpôs agravo em execução contra decisão que revogou a prisão domiciliar concedida e impôs a regressão ao regime fechado, em decorrência de falta grave praticada (art. 50, VI, e art. 39, V, todos da Lei de Execução Penal). Na análise do recurso, os magistrados explicaram que o agravante foi abordado pela polícia militar e conduzido à delegacia, por ter envelopado a tornozeleira eletrônica que usava, em flagrante tentativa de violação do sinal do dispositivo. Afastaram o pedido apresentado pela defesa – abono da falta devido à necessidade de o apenado ir ao hospital para tratamento de ombro deslocado –, pois entenderam não haver dúvidas quanto à tentativa de violação do sinal do equipamento, confessada pelo sentenciado em audiência. Tal fato, destacaram, inviabiliza o monitoramento do réu e evidencia descompromisso com a execução da pena, de modo a caracterizar falta grave, passível de equiparação à fuga. Nesse contexto, observaram tornar-se desnecessária a demonstração de práticas reiteradas para aplicação imediata das sanções legais. Além disso, o colegiado ressaltou que a prisão domiciliar com monitoramento eletrônico constitui medida excepcional e, por isso, caberia ao beneficiado maior cuidado para não transgredir as regras de utilização do dispositivo. Nesse sentido, a turma, com amparo na legislação (art. 118, I, e art. 146-C, parágrafo único, I e VI, da Lei de Execução Penal) e no entendimento jurisprudencial predominante, concluiu pela legalidade e proporcionalidade da decisão recorrida, motivo pelo qual negou provimento ao agravo. Acórdão 1881763, 07166610720248070000, Relator: Des. DEMETRIUS GOMES CAVALCANTI, Terceira Turma Criminal, data de julgamento: 20/6/2024, publicado no DJe: 2/7/2024.

0750130-78.2023.8.07.0000

Cumprimento de sentença – prestação alimentícia decorrente de ato ilícito – penhora de auxílio-doença. A penhora do benefício auxílio-doença é permitida, excepcionalmente, para a satisfação de débitos relacionados à prestação de alimentos oriundos de ato ilícito, desde que não haja comprometimento da subsistência e do mínimo existencial do devedor. Em cumprimento de sentença, exequente interpôs agravo de instrumento contra decisão que indeferiu pedido de penhora no valor de um salário-mínimo mensal do auxílio-doença de pessoa condenada ao pagamento de pensão e danos morais, em razão de acidente automobilístico. Sustentou que, em consequência do ocorrido, foi dispensado do trabalho, por incapacidade laborativa, teve de utilizar prótese na perna esquerda e realizar tratamento de fisioterapia, sem qualquer suporte do executado. Em exame de mérito da temática recursal, os desembargadores esclareceram que os alimentos podem ser classificados em legais, convencionais, e indenizatórios – estes devidos em decorrência da prática de ato ilícito. Explicaram que a penhora pode, excepcionalmente, recair sobre parte do benefício previdenciário, quando o crédito exequendo for considerado “prestação alimentícia”, independentemente da origem, nos termos do art. 833, § 2º, do Código de Processo Civil. Segundo os julgadores, ao menos na parte referente à indenização por ato ilícito, a indenização se enquadra no conceito de “prestação alimentícia”, circunstância que permite o deferimento da medida, desde que não comprometa a subsistência, nem viole o mínimo existencial do devedor. Nessa linha, acrescentaram que cabe ao executado o ônus de demonstrar que a penhora afetará essa parcela indispensável à sobrevivência, conforme aplicação analógica do art. 854, § 3º, I, do CPC. Assim, entenderam razoável a penhora de auxílio-doença no valor equivalente a 50% do salário-mínimo vigente, até a satisfação do débito referente à pensão. Com isso, a turma deu provimento parcial ao recurso. Acórdão 1880677, 07501307820238070000, Relator: Des. RENATO SCUSSEL, Segunda Turma Cível, data de julgamento: 19/6/2024, publicado no PJe: 2/7/2024.

0008035-64.2016.8.07.0018

Alegada posse de imóvel público – ocupação por mera tolerância da Administração Pública – natureza difusa do direito à preservação do meio ambiente. A ocupação de terras públicas constitui detenção de natureza precária, decorrente de mera tolerância da Administração Pública, situação insuficiente para caracterizar posse. Dada a ausência de legitimidade do detentor, não se reconhece eventual obrigação do poder público de reparar danos causados por construção de via de acesso no meio de lote, mesmo diante de alegada defesa do meio ambiente – interesse jurídico de natureza difusa, o qual exige manejo de instrumento próprio para a tutela de direitos coletivos. Suposto possuidor de área em colônia agrícola ingressou com ação cominatória de obrigação de fazer contra o Distrito Federal e a Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil – Novacap, para a remoção de obra de passagem construída no meio do seu lote, bem como para promover a reparação da degradação ambiental. Sustentou que os réus teriam construído passagem improvisada com pavimentação asfáltica sem meio-fio, licença ambiental nem galerias de captação de águas pluviais, fato que impactou negativamente as minas de água da região, prejudicando o abastecimento da comunidade local. A Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico do Distrito Federal – Adasa passou a integrar o feito. O juízo singular, ao verificar que o autor ocupa ilegalmente imóvel público, de propriedade da Terracap, julgou improcedentes os pedidos. Inconformado, o requerente interpôs apelação. Ao examinar o recurso, os desembargadores consignaram que o requerente não é proprietário da área onde busca a remoção da passagem nem pode ser considerado legítimo ocupante do imóvel, malgrado o fato de apresentar cartão de produtor rural, com declaração de atividade de registro emitido pela Adasa. Na verdade, observaram que a natureza pública da área enseja circunstância de ocupação de bem público por mera tolerância da Administração Pública, a qual não induz à alegada posse. Segundo os magistrados, como a destinação das coisas públicas é servir ao interesse coletivo, a função social da propriedade não protege a ocupação caracterizada pela mera detenção. Além disso, esclareceram que a via já existia antes da pavimentação, ligando chácaras rurais. Em relação aos danos ambientais, destacaram que a suposta diminuição de recarga dos aquíferos pode ser atribuída a causas multifatoriais e complexas, constatação apta a afastar elementos de irregularidade na mencionada obra. Por conseguinte, a turma enfatizou que, embora a preservação da natureza deva ser de responsabilidade de todos, a pretendida recuperação do meio ambiente revela-se, na verdade, como interesse jurídico de natureza difusa, conceituação que demanda o manejo de instrumento adequado para tutelar direito amplamente coletivo, por meio de pessoa legitimada para tanto. Assim, por não constatar irregularidade na obra questionada, o colegiado negou provimento ao recurso. Acórdão 1881032, 00080356420168070018, Relator: Des. MAURICIO SILVA MIRANDA, Sétima Turma Cível, data de julgamento: 19/6/2024, publicado no DJe: 2/7/2024.

0715536-04.2024.8.07.0000

Reconhecimento de grupo empresarial – unidade de gestão e objetivo comum – solidariedade passiva. A comunhão de esforços para a consecução de objetivos comuns, o gerenciamento único, a utilização de idêntico endereço para sociedades diferentes e a assinatura de contratos sugestiva de coincidência de patrimônios são indicadores da existência de grupo econômico. Constatadas as convergências, as empresas integrantes do conjunto devem responder solidariamente pela satisfação do crédito em execução. Duas empresas interpuseram agravo de instrumento contra decisão que, em cumprimento de sentença, indeferiu pretensão para reconhecimento da existência de grupo empresarial. Na apreciação do recurso, os desembargadores aduziram a definição de grupo econômico, colhida do art. 265 da Lei 6.404/1976, segundo a qual sociedades controladora e controlada ajustam entre si recursos ou esforços para um objetivo comum e lucrativo. Esclareceram, assim, que o ajuntamento só se verifica nos casos em que há comunhão societária, convergência de sócios, atuação coordenada ou unidade diretiva. Na comparação das semelhanças entre as empresas indicadas pelos agravantes, observaram que um dos sócios mantinha união estável com integrante do quadro de três outras pessoas jurídicas indicadas nos autos. Além disso, consignaram que os avisos de recebimento de atos judiciais dirigidos a destinatários, em tese, distintos, foram recebidos pelo mesmo funcionário, em um único endereço. Constataram, ainda, que, embora os contratos fossem habitualmente firmados por uma determinada sociedade, quem emitia os pertinentes boletos de cobrança era outra, em “clarividente confusão patrimonial”, a qual tornava infrutífera a busca por valores para satisfazer a execução. Nessa perspectiva, os magistrados afirmaram que a responsabilidade existente entre os componentes de grupo empresarial é solidária e se perfaz por meio da teoria da aparência, a despeito da existência de personalidades jurídicas diferentes ou do desenvolvimento de atividades em locais diversos. Com esses fundamentos, o Colegiado considerou evidenciada a formação do grupo, porquanto demonstrada a convergência de esforços e a unidade de gestão entre as sociedades. Por fim, deu provimento ao recurso para a inclusão das empresas no polo passivo da demanda de execução originária. Acórdão 1880211, 07155360420248070000, relatora: Des.ª CARMEN BITTENCOURT, Oitava Turma Cível, data de julgamento: 18/6/2024, publicado no DJe: 1º/7/2024.

0703855-63.2022.8.07.0014

Relação de subordinação entre pais e filhos – excesso no poder disciplinar – crime de maus-tratos. Considerada a relação de subordinação entre pais e filhos, o excesso no poder disciplinar exercido pelo pai configura abuso dos meios de educação e ensino, fato caracterizador do crime de maus-tratos, sobretudo quando resulta em ofensa à integridade física da criança, ainda que se tenha como legítimo o direito de corrigir o menor. Na origem, um pai foi denunciado pelo Ministério Público pela prática do crime de maus-tratos contra seus filhos, em contexto de violência doméstica contra criança (art. 136, § 3º, do Código Penal, na forma do art. 2º, I e II, da Lei 14.344/2022 (Lei Henri Borel) c/c o art. 4º, I, da Lei 13.431/2017). Segundo o órgão ministerial, o acusado teria desferido alguns chutes no filho e dado um pisão na filha, em razão de terem-se recusado a acompanhá-lo no dia reservado à visita. O juízo singular condenou o réu à pena de dois meses e vinte dias de detenção, no regime aberto, concedendo a suspensão condicional da pena. Irresignado, o pai interpôs apelação. Ao apreciarem o recurso, os desembargadores esclareceram que não apenas a mãe da criança relatou a reação desproporcional do réu, o qual revidou fortemente a uma brincadeira do filho de cinco anos, mas também a filha menor confirmou o fato, por meio de depoimento especial. Com efeito, os julgadores destacaram que o chute no menor fora comprovado por laudo de exame de corpo de delito, o qual indicou lesões contusas na perna da criança. Nesse sentido, os julgadores ponderaram que o pai abusara dos meios de correção e disciplina inerentes ao poder patriarcal, valendo-se de meios imoderados para repreender a criança. Nessa perspectiva, a turma reconheceu as elementares do crime de maus-tratos, haja vista a relação de subordinação havida entre o pai e as crianças, em razão do exercício de autoridade, guarda e vigilância, situação desvirtuada pelo abuso nos meios de correção com o alegado intuito de correção e ensino. Dessa forma, ainda que considere legítimo o direito de correção dos filhos, em razão do excesso no poder disciplinar, o qual resultou na ofensa à integridade física do menor, o Colegiado negou provimento ao recurso, para manter a condenação. Acórdão 1881907, 07038556320228070014, Relatora: Des.ª GISLENE PINHEIRO, Primeira Turma Criminal, data de julgamento: 20/6/2024, publicado no DJe: 1º/7/2024.

0711783-30.2024.8.07.0003

Alienação fiduciária em garantia – comprovação da mora do devedor – Tema 1132 do STJ. O credor fiduciário é obrigado a comprovar a comunicação da mora ao devedor na ação de busca e apreensão. O envio de carta registrada com aviso de recebimento para o endereço informado no contrato atende ao dever legal, dispensando-se a prova do recebimento pelo próprio destinatário ou por terceiros, conforme julgamento repetitivo do STJ (Tema 1132). Na origem, instituição financeira ajuizou ação de busca e apreensão de veículo alienado fiduciariamente, com o objetivo de consolidar o domínio e a posse do bem em seu favor. O juízo singular indeferiu a petição inicial e extinguiu a demanda, sem resolução do mérito, por entender não ter sido adequadamente cumprida a emenda determinada, nos termos do arts. 321, parágrafo único; 330, IV; e 485, I, todos do Código de Processo Civil. Na análise da apelação interposta pelo banco, os desembargadores asseveraram que, comprovada a mora, o credor fiduciário poderá requerer contra o devedor ou terceiro a busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente, a qual será concedida liminarmente, nos termos do art. 3º do Decreto-Lei 911/1969. Ressaltaram que o Superior Tribunal de Justiça – STJ, no julgamento do Tema Repetitivo 1132, firmou o entendimento de que é suficiente o envio de notificação extrajudicial ao devedor no endereço indicado no instrumento contratual para a comprovação da mora nos contratos garantidos por alienação fiduciária, dispensando-se a prova do recebimento pelo próprio destinatário ou terceiros. Na espécie, verificaram que o credor se desincumbiu do seu ônus de demonstrar o encaminhamento da notificação extrajudicial ao endereço informado pelo devedor no contrato, ainda que os Correios tenham devolvido o aviso de recebimento com o motivo “não procurado”. Nesse contexto, os julgadores concluíram que a mora do devedor foi devidamente comprovada pelo credor, não verificando qualquer irregularidade apta a obstar o prosseguimento da ação. Assim, a turma deu provimento ao recurso para cassar a sentença e determinar o retorno dos autos à origem para o regular processamento. Acórdão 1876800, 07117833020248070003, Relatora: Des.ª SANDRA REVES, Sétima Turma Cível, data de julgamento: 12/6/2024, publicado no DJe: 1º/7/2024.

0741815-13.2023.8.07.0016

Acertos financeiros para servidor público – requerimento extemporâneo – prescrição reconhecida – Tema 1109 do STJ. A prescrição constitui matéria de ordem pública, razão pela qual o reconhecimento administrativo do débito não pode ser relevado sem autorização legal específica. O débito assumido pela Administração não equivale à renúncia tácita da prescrição. Na origem, professora ajuizou ação de cobrança contra o Distrito Federal, com intuito de receber débitos no valor de R$ 19.114,60, reconhecidos administrativamente pela Secretaria de Educação do DF. Em contestação, o ente distrital suscitou a prejudicial de prescrição da pretensão quanto aos valores relativos aos cinco anos anteriores ao ajuizamento do feito. O juízo singular extinguiu a demanda, com resolução do mérito, ante o reconhecimento da prescrição, nos termos do art. 487, II, do Código de Processo Civil. Na análise do recurso inominado interposto pela autora, os magistrados asseveraram que as pretensões contra a Fazenda Pública prescrevem em cinco anos, contados da data do ato ou do fato que originou o direito, conforme preceitua o art. 1º do Decreto 20.910/1932. Ressaltaram que o art. 4º desse diploma legal prevê, como hipótese de suspensão da prescrição, o tempo em que o requerimento administrativo ficar aguardando reconhecimento ou pagamento do débito pelo órgão distrital. Na espécie, constataram que o processo administrativo foi iniciado no ano de 2023 e os créditos reconhecidos referem-se aos anos de 2013, 2016 e 2017. Assim, à vista da inobservância do prazo quinquenal, verificaram que o processo administrativo não suspendeu a prescrição da pretensão da autora. Além disso, o colegiado destacou que o Superior Tribunal de Justiça – STJ, no julgamento do Tema Repetitivo 1109, firmou o entendimento de que, no caso concreto, quando a Administração Pública, concorda com o direito pleiteado pelo interessado, mas inexiste lei que autorize a mencionada retroação, não ocorre renúncia tácita à prescrição, a ensejar o pagamento retroativo de parcelas anteriores à mudança de orientação jurídica (art. 191 do Código Civil). Nesse contexto, os julgadores reconheceram a prescrição da pretensão deduzida na inicial, uma vez que a recorrente ingressou com o processo administrativo quando já expirado o prazo legal. Com isso, a turma negou provimento ao recurso. Acórdão 1880393, 07418151320238070016, Relatora: Juíza MARGARETH CRISTINA BECKER, Terceira Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 17/6/2024, publicado no DJe: 1º/7/2024.

ADPF 462-SC

É inconstitucional — por violar a competência privativa da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional (CF/1988, art. 22, XXIV), bem como os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade (CF/1988, arts. 1º, III, e 5º, caput) — norma municipal que veda expressões relativas a identidade, ideologia ou orientação de gênero nos currículos escolares da rede pública local. A referida competência privativa da União impede que leis estaduais, distritais ou municipais estabeleçam regras gerais sobre ensino e educação e tratem de currículos, conteúdos programáticos, metodologias de ensino ou modos de exercício da atividade docente (1). Na espécie, o dispositivo impugnado, ao proibir a inclusão das expressões “ideologia de gênero”, “identidade de gênero” e “orientação de gênero” em qualquer documento complementar ao Plano Municipal de Educação, bem como nas diretrizes curriculares, dispôs sobre matéria objeto da competência privativa da União. Ademais, o direito à igualdade sem discriminações compreende a identidade ou expressão de gênero. A identidade de gênero configura manifestação da própria personalidade da pessoa humana, de modo que não cabe ao Estado constituí-la, mas apenas reconhecê-la. A obrigação estatal é de capacitar todos para participarem de uma sociedade livre, justa e solidária (CF/1988, art. 3º, I). Nesse contexto, proibir que o Estado fale, aborde, debata e, principalmente, pluralize as múltiplas formas de expressão do gênero e da sexualidade, representa medida atentatória aos princípios constitucionais garantidores da liberdade de ensinar, aprender, pesquisar e divulgar o pensamento (2). Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por unanimidade, converteu o referendo da medida cautelar em julgamento definitivo de mérito, confirmando-a, e julgou procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade do § 5º do art. 10 da Lei Complementar nº 994/2015 do Município de Blumenau/SC (3). (1) Precedentes citados: ADPF 457, ADPF 526, ADPF 467, ADPF 460, ADPF 465, ADPF 600 e ADPF 461. (2) Precedente citado: ADI 4.275. (3) Lei Complementar nº 994/2015 do Município de Blumenau/SC: “Art. 10. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, nos termos do art. 7º da Lei n. 13.005/2014, atuarão em regime de colaboração, visando ao alcance das metas e à implementação das estratégias objeto deste Plano, na forma da Lei. (…) § 5º É vedada a inclusão ou manutenção das expressões ‘identidade de gênero’, ‘ideologia de gênero’ e ‘orientação de gênero’ em qualquer documento complementar ao Plano Municipal de Educação, bem como nas diretrizes curriculares.” ADPF 462/SC, relator Ministro Edson Fachin, julgamento virtual finalizado em 28.06.2024 (sexta-feira), às 23:59 INFORMATIVO STF. Brasília: Supremo Tribunal Federal, Secretaria de Altos Estudos, Pesquisas e Gestão da Informação, n. 1143/2024. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/textos/verTexto.asp?servico=informativoSTF. Data de divulgação: 02 de agosto de 2024.

Processo em segredo de justiça

É possível a excepcional relativização da coisa julgada de anterior ação de investigação de paternidade, na qual não foi realizado o exame DNA, ainda que por culpa (recusa) do pretenso pai, quando existente resultado negativo obtido em teste já realizado por determinação do próprio Judiciário. Informações do inteiro teor A controvérsia no caso está em definir se, diante do resultado negativo obtido em teste de DNA já realizado por determinação do próprio Judiciário, deve ainda prevalecer a coisa julgada material formada em ação de investigação de paternidade anterior, na qual não realizado o exame, ainda que por culpa (recusa) do pretenso pai. A excepcional relativização da coisa julgada nas ações de investigação de paternidade anteriores à universalização do exame de DNA é admitida pelo eg. Supremo Tribunal Federal (RE 363.889/MG Rel. Ministro Dias Toffoli) e também pelo Superior Tribunal de Justiça (AgRg nos EREsp 1.202.791/SP, Segunda Seção, Rel. Ministro Ricardo Villas Boas Cueva). O entendimento das Turmas que compõem a Segunda Seção deste Tribunal permite a superação da coisa julgada, nos termos do Tema 392/STF, quando, na primeira ação, o exame de DNA não foi realizado por impossibilidade alheia à vontade das partes, e não em caso de recusa. A hipótese sub judice, contudo, apresenta peculiaridades que o distinguem daqueles ordinariamente examinados no âmbito da Corte, merecendo distinção, quais sejam: Embora reconhecida a paternidade, diante da recusa do requerido de submeter-se a exame genético, em anterior ação movida pela suposta filha, já maior de idade, contra o suposto pai, nesta posterior ação negatória de paternidade, entre as mesmas partes, determinou-se a realização de exame de DNA, o qual afastou a existência de vínculo biológico entre os investigados. Aqui, diversamente do que se observa nos casos antes examinados por esta Corte, não se trata de relativizar a coisa julgada formal negativa da paternidade para autorizar a realização de exame genético visando obter a verdade real eventualmente afirmativa do vínculo, mas, ao contrário, ter-se-á de desconsiderar a verdade real negativa da paternidade, já obtida em juízo mediante prova pericial produzida sob o crivo do contraditório, para privilegiar a verdade formal, afirmativa da paternidade presumida, representada pela coisa julgada anterior, constituída por presunção sem que realizado nenhum exame. Nesse sentido, não se pode desconsiderar a verdade real obtida mediante prova científica, em perícia produzida em juízo, sob o crivo do contraditório, privilegiando-se a verdade formal representada pela coisa julgada anterior, constituída sem que realizado nenhum exame. O direito à verdade biológica, relativo à dignidade da pessoa humana, não diz respeito apenas ao filho e ao seu direito ao reconhecimento da paternidade, mas também ao pai, não se mostrando consentânea com este a imposição da paternidade quando, ausente invocação de vínculo afetivo, se sabe inexistente o vínculo genético, outrora reconhecido por presunção e atualmente afastado pela certeza obtida por resultado de exame de DNA. Conforme já reconhecido por esta Corte, “Os direitos à filiação, à identidade genética e à busca pela ancestralidade integram uma parcela significativa dos direitos da personalidade e são elementos indissociáveis do conceito de dignidade da pessoa humana, impondo ao Estado o dever de tutelá-los e de salvaguardá-los de forma integral e especial, a fim de que todos, indistintamente, possuam o direito de ter esclarecida a sua verdade biológica” (REsp 1.632.750/SP, Relatora para acórdão Ministra Nancy, Andrighi, Terceira Turma, julgado em 24/10/2017, DJe de 13/11/2017). Nesse contexto, não deve prevalecer o óbice da coisa julgada formal constituída, por presunção, em outra demanda, em detrimento do direito fundamental ao conhecimento da identidade genética e da ancestralidade, relativo à personalidade e decorrente do princípio da dignidade da pessoa humana consagrado na Constituição Federal (art. 1º, III), sob pena de se gerar situações de perplexidade. Na esteira da jurisprudência hoje consolidada nos Tribunais superiores, tratando-se de ação de estado, na qual o dogma da coisa julgada deve ser aplicado com prudência, sob pena de se subverter a realidade, não se pode justificar a adoção da res iudicata, a pretexto de se garantir a segurança jurídica, quando isso possa criar uma situação aberrante entre o mundo fático-científico e o mundo jurídico. Assim, dadas as circunstâncias dos autos, mostra-se viável a rediscussão da relação de parentesco mediante ação de cunho revisional, conforme previsto no art. 505, I, do CPC/2015. Processo Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 4/6/2024, DJe 28/6/2024. (Edição Extraordinária nº 20 - Direito Privado - 23 de julho de 2024)

ADPF 1.011-PE

Os estados possuem legitimidade ativa para executar multas meramente sancionatórias aplicadas por seus Tribunais de Contas em face de agentes públicos municipais que, por seus atos, infrinjam as normas de Direito Financeiro ou violem os deveres de colaboração com o órgão de controle, impostos pela legislação. A Constituição Federal de 1988 confere aos Tribunais de Contas em todo o País a competência para aplicar as sanções previstas em lei aos responsáveis por ilegalidades de despesas ou irregularidades nas contas (1). Consoante o julgamento que originou a fixação da tese do Tema 642 da repercussão geral, o que determina o ente competente para executar a multa aplicada pelas Cortes de Contas estaduais é a natureza jurídica dessa sanção. A multa simples imposta ao agente público municipal — que diz respeito à modalidade sancionatória de responsabilidade financeira — em razão da grave inobservância de normas financeiras, contábeis e orçamentárias, ou como consequência direta da violação de deveres de colaboração que os agentes fiscalizados devem guardar com o órgão de controle (obrigações acessórias), configura ferramenta de desincentivo à prática de futuras transgressões dessas normas e, em certos casos, de reafirmação da autoridade das decisões ou diligências determinadas pelos Tribunais de Contas. Por outro lado, as penalidades de imputação de débito e de multa proporcional ao dano abrangem a modalidade reintegratória de responsabilidade financeira, eis que visam recompor o erário em virtude de desvio, pagamento indevido ou falta de cobrança ou liquidação, nos termos da lei. Nesse contexto, quando as sanções aplicadas pelo Tribunal de Contas estadual a agente público municipal referirem-se ao ressarcimento ao erário, a legitimidade para executá-las é do município cujo patrimônio público foi atingido (2), ao passo que é o próprio estado o legitimado ativo para executar as multas que decorrem do poder sancionador da Corte de Contas (sanção pecuniária e que não possui qualquer relação com a existência de dano ao erário) (3). Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por unanimidade, julgou procedente a ação, bem como (i) assentou que a presente decisão não afeta automaticamente a coisa julgada formada em momento anterior à publicação da ata deste julgamento; e (ii) determinou o acréscimo de uma nova proposição (item 2) à tese do Tema 642 da repercussão geral, a fim de abranger o novo entendimento do Tribunal. (1) CF/1988: “Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete: (…) VIII - aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário; (…) § 3º As decisões do Tribunal de que resulte imputação de débito ou multa terão eficácia de título executivo; (…) Art. 75. As normas estabelecidas nesta seção aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios.” (2) Precedentes citados: RE 1.003.433 (Tema 642 RG) e ARE 1.336.804 AgR-segundo. (3) Precedente citado: ARE 1.380.782 ED-AgR. ADPF 1.011/PE, relator Ministro Gilmar Mendes, julgamento virtual finalizado em 28.06.2024 (sexta-feira), às 23:59 INFORMATIVO STF. Brasília: Supremo Tribunal Federal, Secretaria de Altos Estudos, Pesquisas e Gestão da Informação, n. 1143/2024. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/textos/verTexto.asp?servico=informativoSTF. Data de divulgação: 02 de agosto de 2024.

ADI 7.194-DF

É constitucional — na medida em que não viola os princípios da publicidade, da primazia do interesse público, da segurança jurídica e do direito à informação — norma que dispensa a publicação dos atos societários das sociedades anônimas no Diário Oficial, mas mantém a obrigatoriedade de divulgação em jornais de ampla circulação, tanto no formato físico, de forma resumida, quanto no formato eletrônico, na íntegra. As sociedades anônimas submetem-se a um regime de ampla publicidade desde sua constituição, durante seu funcionamento, até sua extinção. Além da necessária transparência fiscal, a publicação dos atos societários confere aos acionistas, credores, concorrentes, empregados, Poder Público e sociedade em geral a faculdade de fiscalizar o trabalho dos administradores, permitindo-lhes a tomada de decisões de maneira informada e a observância do devido cumprimento da função social da empresa. Na espécie, não se verifica obstáculo evidente ao acesso dos dados pertinentes nesse âmbito pelos atores do mercado e da sociedade nem prejuízo à integridade da informação, visto que a lei impugnada exige a certificação digital da autenticidade dos documentos por meio da infraestrutura de chaves públicas brasileiras (ICP-Brasil). Nesse contexto, além da modernização na escolha do veículo publicitário, da diminuição do custo e do maior alcance do público em geral, a alteração normativa preservou a segurança jurídica das atividades impactadas, na medida em que o período para a entrada em vigor (vacatio legis) da nova redação do art. 289 da Lei nº 6.404/1976 foi bastante estendido. Com base nesses entendimentos, o Plenário, por unanimidade, julgou improcedente a ação para assentar a constitucionalidade do art. 1º da Lei nº 13.818/2019 (1). (1) Lei nº 13.818/2019: “Art. 1º O caput do art. 289 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976 (Lei das Sociedades Anônimas), passa a vigorar com a seguinte redação: ´Art. 289 As publicações ordenadas por esta Lei obedecerão às seguintes condições: I – deverão ser efetuadas em jornal de grande circulação editado na localidade em que esteja situada a sede da companhia, de forma resumida e com divulgação simultânea da íntegra dos documentos na página do mesmo jornal na internet, que deverá providenciar certificação digital da autenticidade dos documentos mantidos na página própria emitida por autoridade certificadora credenciada no âmbito da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileiras (ICP-Brasil); II – no caso de demonstrações financeiras, a publicação de forma resumida deverá conter, no mínimo, em comparação com os dados do exercício social anterior, informações ou valores globais relativos a cada grupo e a respectiva classificação de contas ou registros, assim como extratos das informações relevantes contempladas nas notas explicativas e nos pareceres dos auditores independentes e do conselho fiscal, se houver.’ (…) Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, à exceção do art. 1º, que entra em vigor em 1º de janeiro de 2022.” ADI 7.194/DF, relator Ministro Dias Toffoli, julgamento virtual finalizado em 28.06.2024 (sexta-feira), às 23:59 INFORMATIVO STF. Brasília: Supremo Tribunal Federal, Secretaria de Altos Estudos, Pesquisas e Gestão da Informação, n. 1143/2024. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/textos/verTexto.asp?servico=informativoSTF. Data de divulgação: 02 de agosto de 2024.

ADI 7.497-MT

São inconstitucionais — por violarem o princípio da separação dos Poderes (CF/1988, art. 2º) — normas estaduais que restringem a competência do governador para decidir e deliberar sobre a contratação ou convênio de serviços privados relacionados à saúde. Conforme a jurisprudência desta Corte, as restrições impostas às competências constitucionais próprias do Poder Executivo por meio de lei, emendas às Constituições estaduais ou normas originárias das Constituições estaduais desrespeitam o princípio da separação e da independência entre os Poderes (1). Na espécie, as normas estaduais impugnadas impedem, por completo, que o chefe do Poder Executivo exerça a direção superior da Administração Pública com relação a temas atinentes à área da saúde (CF/1988, art. 84, II), dificultam a concretização das políticas públicas dessa mesma área, as quais foram implementadas em conformidade com o programa de governo eleito, bem como frustram o exercício de prerrogativas que são próprias do Poder Executivo. Com base nesses entendimentos, o Plenário, por unanimidade, julgou procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade do art. 221, § 2º, da Constituição do Estado de Mato Grosso (2), e do art. 17, IV, da Lei Complementar nº 22/1992 do Estado de Mato Grosso (3). (1) Precedentes citados: ADI 4.102, ADI 3.046, ADI 462, ADI 342, ADI 165, ADI 6.275 e ADI 3.777. (2) Constituição do Estado de Mato Grosso: “Art. 221. No nível estadual, o Sistema único de Saúde é integrado por: (…) § 2º A decisão sobre a contratação ou convênio de serviços privados cabe aos Conselhos Municipais de Saúde, quando o serviço for de abrangência municipal, e ao Conselho Estadual de Saúde, quando for de abrangência estadual.” (3) Lei Complementar nº 22/1992 de Estado do Mato Grosso: “Art. 17 Ao Conselho Estadual de Saúde compete: (…) IV - deliberar sobre a contratação ou convênio com o serviço privado;” ADI 7.497/MT, relator Ministro Gilmar Mendes, julgamento virtual finalizado em 28.06.2024 (sexta-feira), às 23:59 INFORMATIVO STF. Brasília: Supremo Tribunal Federal, Secretaria de Altos Estudos, Pesquisas e Gestão da Informação, n. 1143/2024. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/textos/verTexto.asp?servico=informativoSTF. Data de divulgação: 02 de agosto de 2024.

ADI 5.562-RS

São inconstitucionais — por vício de iniciativa (CF/1988, art. 37, X, c/c o art. 61, § 1º, II, “a”) — leis estaduais deflagradas pelos Poderes e órgãos respectivos que preveem recomposição linear nos vencimentos e nas funções gratificadas de seus servidores públicos, extensiva a aposentados e pensionistas, com o intuito de recuperar a perda do poder aquisitivo da moeda. A definição da iniciativa para a deflagração do processo legislativo de aumento remuneratório concedido a servidores estaduais depende de a natureza jurídica ser de revisão ou de reajuste. Se o propósito da ampliação for o de recompor a perda do poder aquisitivo da moeda, trata-se do instituto da “revisão geral” e a iniciativa será privativa do chefe do Poder Executivo (1) (2). Se a finalidade for a de conferir um ganho real, ou seja, um valor além da perda do poder aquisitivo, trata-se de reajuste e a competência será de cada um dos Poderes e dos órgãos com autonomia administrativa, financeira e orçamentária. Na espécie, as leis estaduais impugnadas possuem o nítido intuito de estabelecer uma verdadeira “revisão geral anual” (3). Além de buscarem a recomposição da perda inflacionária registrada entre 1º de junho de 2014 e 30 de junho de 2015 (circunstância que consta, inclusive, nas justificativas dos respectivos projetos de lei), elas estendem a recomposição salarial de forma linear, concedendo o mesmo percentual de acréscimo (8,13%) a todos os servidores no âmbito do Poder ou órgão contemplado (Poder Judiciário, Defensoria Pública, Ministério Público, Tribunal de Contas e Assembleia Legislativa locais), independentemente da carreira. Ademais, as normas atribuem o acréscimo de forma ampla sobre os vencimentos e as funções gratificadas, inclusive a aposentados e pensionistas. Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por unanimidade, julgou procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade das Leis nº 14.910/2016, nº 14.911/2016, nº 14.912/2016, nº 14.913/2016 e nº 14.914/2016, todas do Estado do Rio Grande do Sul. O Tribunal ainda atribuiu efeitos ex nunc à decisão, a fim de garantir a manutenção dos pagamentos dos valores correspondentes à recomposição concedida até que sejam absorvidos por aumentos futuros, sejam em virtude de reajustes, recomposições ou revisões gerais. (1) CF/1988: “Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição. § 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que: (…) II - disponham sobre: a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;” (2) Precedentes citados: ADI 3.539, ADI 3.538, ADI 3.543, ADI 3.599, ADI 6.000 e ADO 43 AgR. (3) CF/1988: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (…) X - a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices;” ADI 5.562/RS, relator Ministro Dias Toffoli, julgamento virtual finalizado em 28.06.2024 (sexta-feira), às 23:59 INFORMATIVO STF. Brasília: Supremo Tribunal Federal, Secretaria de Altos Estudos, Pesquisas e Gestão da Informação, n. 1143/2024. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/textos/verTexto.asp?servico=informativoSTF. Data de divulgação: 02 de agosto de 2024.

ADI 5.793-DF

São inconstitucionais — por extrapolar os limites de seu poder regulamentar (CF/1988, art. 130-A, § 2º, I) — as normas processuais de caráter geral e abstrato do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) que disciplinam matéria de competência da União, tal como direito penal (CF/1988, art. 22, I). O texto constitucional outorgou ao Ministério Público o poder de requisitar diligências investigatórias e de instaurar inquérito policial (CF/1988, art. 129, VIII), contudo, tratando-se do órgão titular da ação penal pública, não lhe contemplou a possibilidade de realizar e presidir inquérito policial (1). Da competência para requisitar diligências investigatórias, portanto, não decorre a de permitir que o órgão ministerial assuma, por atos normativos internos, atribuições que o sistema jurídico não legitimou. Desse modo, a condução do inquérito deve ser sempre desempenhada pela autoridade policial. O exercício da atividade investigativa por meio de Procedimento Investigatório Criminal (PIC) legitima o poder investigatório do Parquet, mas não significa imunidade a restrições ou controles, razão pela qual ele se submete aos mesmos limites legais aplicados ao inquérito policial. Nesse contexto, a Constituição não autoriza a instauração de procedimentos de natureza abreviada, flexível ou excepcional, como as expressões “sumário” e “desburocratizado” podem sugerir. Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por unanimidade, conheceu parcialmente da ação e, nessa extensão, a julgou parcialmente procedente para (i) declarar a inconstitucionalidade das expressões “sumário” e “desburocratizado”, constantes do art. 1º, caput, da Resolução CNMP nº 181/2017 (2); e (ii) declarar a constitucionalidade do art. 2º, V, do mesmo ato normativo (3), desde que interpretado conforme a Constituição, isto é, vedando-se que o Ministério Público assuma a presidência do inquérito, na medida em que essa atribuição é privativa da autoridade policial. Em seguida, o Tribunal reafirmou as teses de julgamento fixadas no julgamento conjunto das ADIs 2.943/DF, 3.309/DF e 3.318/MG, finalizado em 02.05.2024 (vide Informativo 1135). Ademais, a fim de preservar os atos porventura já praticados, os efeitos da presente decisão foram modulados para (i) dispensar o registro para as ações penais já iniciadas e para aquelas que se encontrem encerradas; e (ii) nas investigações em curso que ainda não tenham sido objeto de denúncia, estabelecer que o registro deverá ser realizado no prazo de 60 (sessenta) dias, contados da publicação da ata de julgamento, e, uma vez efetuado, que sejam observados os prazos para a conclusão dos procedimentos investigatórios e a exigência de autorização judicial para os pedidos de prorrogação. (1) Precedentes citados: RHC 81.326, RMS 36.362, HC 96.638 e HC 90.099. (2) Resolução CNMP nº 181/2017: “Art. 1º O procedimento investigatório criminal é instrumento sumário e desburocratizado de natureza administrativa e investigatória, instaurado e presidido pelo membro do Ministério Público com atribuição criminal, e terá como finalidade apurar a ocorrência de infrações penais de iniciativa pública, servindo como preparação e embasamento para o juízo de propositura, ou não, da respectiva ação penal.” (3) Resolução CNMP nº 181/2017: “Art. 2º Em poder de quaisquer peças de informação, o membro do Ministério Público poderá: (…) V – requisitar a instauração de inquérito policial, indicando, sempre que possível, as diligências necessárias à elucidação dos fatos, sem prejuízo daquelas que vierem a ser realizadas por iniciativa da autoridade policial competente.” ADI 5.793/DF, relator Ministro Cristiano Zanin, julgamento virtual finalizado em 28.06.2024 (sexta-feira), às 23:59 INFORMATIVO STF. Brasília: Supremo Tribunal Federal, Secretaria de Altos Estudos, Pesquisas e Gestão da Informação, n. 1143/2024. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/textos/verTexto.asp?servico=informativoSTF. Data de divulgação: 02 de agosto de 2024.

ADI 6.551-SP e ADI 7.233-SP

Não viola o princípio da igualdade norma de lei orgânica do Ministério Público estadual que restringe a escolha do chefe da instituição aos procuradores de justiça, pois há razoabilidade na exigência de maior experiência dos candidatos. A escolha do procurador-geral de justiça dos Ministérios Públicos estaduais, conforme disposto na Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei nº 8.625/1993 – LONMP),**** será realizada mediante a elaboração de lista tríplice, entre integrantes da carreira. Ademais, os estados possuem competência para editar leis complementares que estabeleçam a organização, as atribuições e o estatuto do Parquet local (1). Na espécie, a lei complementar estadual impugnada restringiu a elegibilidade passiva, (aqueles que podem receber votos) aos procuradores de justiça, impedindo promotores de integrarem a lista. Estes, contudo, podem atuar de forma ativa, através da prolação de seus votos para a composição da mencionada lista, em observância às disposições da LONMP (2). Conforme jurisprudência desta Corte (3), a experiência na atuação do cargo e o histórico profissional constituem justificativa razoável e racional para essa distinção, de modo que não há violação ao princípio da igualdade. O legislador local observou o texto constitucional e, no legítimo exercício da autonomia política do ente federativo, estipulou requisito não conflitante com a norma geral, não havendo que se falar em aplicação do princípio da simetria. Ademais, não se verifica discriminação de gênero indireta, passível de modificação pelo Poder Judiciário, tendo em vista o princípio da separação dos Poderes, bem como a autonomia política do ente federativo. Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por maioria, em apreciação conjunta, julgou improcedentes as ações para afastar a inconstitucionalidade do art. 10, caput, § 1º e § 2º, IV e VII, da Lei Complementar nº 734/1993 do Estado de São Paulo (4). (1) CF/1988: “Art. 128. O Ministério Público abrange: (…) § 3º Os Ministérios Públicos dos Estados e o do Distrito Federal e Territórios formarão lista tríplice dentre integrantes da carreira, na forma da lei respectiva, para escolha de seu Procurador-Geral, que será nomeado pelo Chefe do Poder Executivo, para mandato de dois anos, permitida uma recondução. (…) § 5º Leis complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aos respectivos Procuradores-Gerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público, observadas, relativamente a seus membros (…)” (2) Lei nº 8.625/1993: “Art. 9º Os Ministérios Públicos dos Estados formarão lista tríplice, dentre integrantes da carreira, na forma da lei respectiva, para escolha de seu Procurador-Geral, que será nomeado pelo Chefe do Poder Executivo, para mandato de dois anos, permitida uma recondução, observado o mesmo procedimento. § 1º A eleição da lista tríplice far-se-á mediante voto plurinominal de todos os integrantes da carreira.” (3) Precedentes citados: ADI 5.704 e ADI 5.171. (4) Lei Complementar nº 734/1993 do Estado de São Paulo: “Artigo 10. O Procurador-Geral de Justiça será nomeado pelo Chefe do Poder Executivo, dentre os Procuradores de Justiça integrantes de lista tríplice elaborada na forma desta lei complementar, para mandato de dois anos, permitida uma recondução, observado o mesmo procedimento. § 1º Os integrantes da lista tríplice a que se refere este artigo serão os Procuradores de Justiça mais votados em eleição realizada para essa finalidade, mediante voto obrigatório, secreto e plurinominal de todos os membros do Ministério Público do quadro ativo da carreira. § 2°Com antecedência de pelo menos 50 (cinquenta) dias, contados da data de expiração do mandato do Procurador-Geral de Justiça, o Conselho Superior do Ministério Público baixará normas de regulamentação do processo eleitoral, observadas as seguintes regras: I - a votação realizar-se-á na sede da Procuradoria Geral de Justiça e nas sedes de áreas regionais administrativas do Ministério Público no sábado que anteceder a data prevista para o término do mandato do Procurador-Geral de Justiça; I-A - coincidindo a data prevista no inciso I deste parágrafo com feriado ou dia de ponto facultativo declarado antes de estabelecido o calendário eleitoral, a votação será realizada na quinta-feira imediatamente anterior que não tenha esses impedimentos; II - o voto é pessoal, direto e secreto, sendo proibido exercê-lo por procurador, portador ou via postal; III - encerrada a votação, proceder-se-á, em seguida, à apuração, a ser realizada na sede da Procuradoria- Geral de Justiça tão logo sejam recebidas todas as urnas provenientes do interior, providenciando-se, preliminarmente, a reunião da totalidade das cédulas em uma única urna, de modo a impossibilitar a identificação da origem do voto; III-A - para atender ao disposto no inciso III deste parágrafo, poderá ser estabelecido período diferenciado de votação, nunca inferior a 5 (cinco) horas, de acordo com as peculiaridades de cada área regional administrativa, considerando-se, especialmente, o número de eleitores e a distância da Capital**; III-B-** desde que observados os princípios estabelecidos neste parágrafo, a votação poderá ser realizada por sistema eletrônico, através da utilização de urnas eletrônicas**; III-C -** proclamado o resultado, a lista tríplice será remetida ao Governador do Estado no mesmo dia ou, se o adiantado da hora não o permitir, até o final do expediente do primeiro dia útil que se seguir ao da apuração; V - é obrigatória a desincompatibilização, mediante afastamento, pelo menos 30 (trinta) dias antes da data de votação, para os Procuradores de Justiça que, estando na carreira**: a)** ocuparem cargo na Administração Superior do Ministério Público; b) ocuparem cargo eletivo nos Órgãos de Administração do Ministério Público; c) estejam afastados das funções de execução normais de seus cargos; d) ocuparem cargo ou função de confiança; V - são inelegíveis os membros do Ministério Público afastados da carreira, salvo se reassumirem suas funções no Ministério Público até 180 (cento e oitenta) dias da data prevista para o término do mandato do Procurador-Geral de Justiça; VI - na hipótese do afastamento previsto no artigo 217, inciso IV, desta lei complementar, o prazo a que se refere o inciso anterior será de 30 (trinta) dias; VII - somente poderão concorrer à eleição os Procuradores de Justiça que se inscreverem como candidatos ao cargo, mediante requerimento dirigido ao Presidente do Conselho Superior do Ministério Público no prazo de 3 (três) dias úteis imediatamente posteriores ao término do prazo previsto para as desincompatibilizações. (…)” ADI 6.551/SP, relator Ministro Dias Toffoli, julgamento virtual finalizado em 28.06.2024 (sexta-feira), às 23:59 ADI 7.233/SP, relator Ministro Dias Toffoli, julgamento virtual finalizado em 28.06.2024 (sexta-feira), às 23:59 INFORMATIVO STF. Brasília: Supremo Tribunal Federal, Secretaria de Altos Estudos, Pesquisas e Gestão da Informação, n. 1143/2024. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/textos/verTexto.asp?servico=informativoSTF. Data de divulgação: 02 de agosto de 2024.

ADI 5.668-DF

As escolas públicas e particulares têm a obrigação de coibir o bulimento e as discriminações por gênero, identidade de gênero e orientação sexual, bem como as de cunho machista (contra meninas cisgêneras e transgêneras) e homotransfóbicas (contra homossexuais, bissexuais, travestis e transexuais), em geral. O Estado tem o dever constitucional de agir positivamente para concretizar políticas públicas, em especial as de natureza social e educativa, voltadas à promoção de igualdade de gênero e de orientação sexual, na medida em que o Estado Democrático de Direito é definido por um sentido expandido de igualdade, o qual também se materializa com o combate às desigualdades baseadas na construção social do gênero (CF/1988, art. 3º). Conforme a jurisprudência desta Corte (1), apesar de a orientação sexual e a identidade de gênero estarem incluídas nos motivos de não discriminação consagrados na Convenção Americana de Direitos Humanos e abrangidas pela proteção dos princípios constitucionais da igualdade (CF/1988, art. 5º, caput) e da dignidade da pessoa humana (CF/1988, art. 1º, III), o Brasil vive uma situação de catástrofe concernente às violências de gênero, homofóbica e transfóbica. Nesse contexto de circunstâncias extremamente graves, é necessária uma explicitação interpretativa do Plano Nacional de Educação (Lei nº 13.005/2014) com a finalidade de elucidar que a lei está orientada para o combate das discriminações de gênero e de orientação sexual, já que a ausência de clareza quanto a esses objetivos torna a norma tecnicamente inadequada e a conduz a uma proteção insuficiente. Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por maioria, julgou parcialmente procedente a ação para dar interpretação conforme a Constituição ao art. 2º, III, da Lei nº 13.005/2014 (2) e reconhecer a obrigação, por parte das escolas públicas e particulares, de coibir as discriminações por gênero, identidade de gênero e orientação sexual, bem como proibir o bulimento e as discriminações em geral de cunho machista e homotransfóbicas. (1) Precedentes citados: ADI 4.277, ADI 4.275, ADO 26, MI 4.733, ADPF 457 e ADPF 526. (2) Lei nº 13.005/2014: “Art. 2º São diretrizes do PNE: (…) III - superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação;” ADI 5.668/DF, relator Ministro Edson Fachin, julgamento virtual finalizado em 28.06.2024 (sexta-feira), às 23:59 INFORMATIVO STF. Brasília: Supremo Tribunal Federal, Secretaria de Altos Estudos, Pesquisas e Gestão da Informação, n. 1143/2024. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/textos/verTexto.asp?servico=informativoSTF. Data de divulgação: 02 de agosto de 2024.

ADI 2.316-DF

É constitucional — por não tratar de matéria sujeita à reserva de lei complementar — norma de medida provisória que admite a possibilidade de capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional (SFN). O Poder Judiciário se limita a emitir juízo sobre a presença dos pressupostos de relevância e urgência na edição de medida provisória (CF/1988, art. 62, caput) às hipóteses em que há evidente desvio de finalidade ou abuso do poder político do chefe do Poder Executivo. A norma impugnada, contida no art. 5º da MP nº 2.170-36/2001, teve a sua constitucionalidade reconhecida no julgamento em que fixada a tese do Tema 33 da sistemática da repercussão geral (1). Nesse contexto, vale ressaltar que a eficácia erga omnes e os efeitos vinculantes da declaração de constitucionalidade de uma norma, inclusive em face dos órgãos da Administração Pública, depende da ocorrência do respectivo pronunciamento em sede de controle abstrato. Ademais, a reserva de lei complementar referida no art. 192 da CF/1988 (2) não diz respeito a toda e qualquer matéria relativa ao SFN, mas somente a que se relaciona à regulamentação de sua estrutura (3). Desse modo, visto que a norma impugnada trata da periodicidade da capitalização dos juros nos contratos de mútuo celebrados pelas instituições integrantes do SFN com seus clientes, os respectivos negócios jurídicos submetem-se às regras do Código de Defesa do Consumidor e do Código Civil, que são leis ordinárias. Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por maioria, julgou improcedente a ação para declarar a constitucionalidade do art. 5º da Medida Provisória nº 2.170-36/2001 (4). (1) Precedente citado: RE 592.377 (Tema 33 RG). (2) CF/1988 : “Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram.” (3) Precedente citado: ADI 2.591. (4) MP nº 2.170-36/2001: “Art. 5º Nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano.” ADI 2.316/DF, relator Ministro Nunes Marques, julgamento virtual finalizado em 28.06.2024 (sexta-feira), às 23:59 INFORMATIVO STF. Brasília: Supremo Tribunal Federal, Secretaria de Altos Estudos, Pesquisas e Gestão da Informação, n. 1143/2024. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/textos/verTexto.asp?servico=informativoSTF. Data de divulgação: 02 de agosto de 2024.

AgInt nos EDcl no REsp 1.811.724-GO

É cabível o pagamento de aluguel pelo tempo de permanência no imóvel quando houver a resilição unilateral de contrato de compra e venda, independentemente do causador da quebra contratual. Informações do inteiro teor Esta Corte Superior entende ser cabível o pagamento de aluguel pelo tempo de permanência no imóvel nas hipóteses em que houver a resilição unilateral de contrato de compra e venda, independentemente do causador da quebra contratual, sob pena de se gerar enriquecimento sem causa. Ademais, ressalta-se que o pagamento pela utilização do imóvel por parte do promissário comprador e a restituição de parcelas pagas pelo promissário vendedor decorrem de consectários lógicos da quebra de contrato de compra e venda de imóvel, situação que leva ao retorno das partes contratantes ao estado anterior à avença, não havendo se falar em necessidade de pedido explícito pela parte interessada. Dessa forma, o pedido pode ser feito na peça de defesa, por meio de “reconvenção ou em ação própria para essa finalidade, à luz do princípio restitutio in integrum” (REsp n. 1.731.753/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 9/5/2023, DJe de 12/5/2023). Processo AgInt nos EDcl no REsp 1.811.724-GO, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 24/6/2024, DJe 27/6/2024. (Edição Extraordinária nº 20 - Direito Privado - 23 de julho de 2024)

1000059-12.2020.5.02.0382

Instauração de incidente de superação do entendimento firmando no Incidente de Assunção de Competência nº TST-IAC-5639-31.2013.5.12.0051 (Tema nº 2). Gestante. Trabalho Temporário. Lei nº 6.019/1974. Garantia Provisória de Emprego. Súmula nº 244, III, do TST. A SBDI-I, diante do pronunciamento do Supremo Tribunal Federal no julgamento do Tema 542 de Repercussão Geral, no qual se fixou tese no sentido de que “A trabalhadora gestante tem direito ao gozo de licença-maternidade e à estabilidade provisória, independentemente do regime jurídico aplicável, se contratual ou administrativo, ainda que ocupe cargo em comissão ou seja contratada por tempo determinado”, decidiu, por unanimidade, aprovar a instauração de incidente de superação do entendimento firmado no julgamento do Incidente de Assunção de Competência nº TST-IAC-5639-31.2013.5.12.0051 (Tema nº 2 da Tabela de Incidentes de Assunção de Competência) e determinar o encaminhamento dos presentes autos ao Tribunal Pleno, onde será distribuído por sorteio. TST-RRAg-1000059 12.2020.5.02.0382, SBDI-I, em 27/6/2024.

0156700-36.2004.5.15.0029

Enquadramento sindical. Empresa agroindustrial. Necessidade de exame das particularidades do caso. O enquadramento sindical do trabalhador que presta serviços em empresa agroindustrial não é definido com base na atividade preponderante do empregador, mas deve ser examinado em razão das particularidades do caso concreto, analisando se as funções desempenhadas pelo obreiro. Na hipótese, o empregado exercia atribuições de tratorista em lavouras de cana de açúcar, atuando em atividades relacionadas à colheita e produção da matéria prima, enquadrando-se como trabalhador rural. Com esse entendimento, a SBDI-I, por unanimidade, conheceu e deu provimento ao recurso de embargos. TST-E-ED-RR-156700-36.2004.5.15.0029, SBDI-I, rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, julgado em 27/6/2024.

REsp 2.084.986-SP

Com o advento da Lei n. 14.112/2020, somente após a juntada da certidão negativa ou comprovação de adesão ao parcelamento das dívidas fiscais, com a certidão positiva com efeitos de negativa, é que o juiz irá ou não homologar o plano de recuperação judicial aprovado em assembleia. Informações do inteiro teor Cuida a hipótese de situação em que a sociedade empresária teve o seu plano de recuperação - que é um ato negocial entre credores do qual não participa a Fazenda Pública - aprovado à revelia da apresentação de certidão fiscal negativa, certidão federal, porque o plano foi aprovado pela assembleia-geral de credores em 20/01/2021, em data anterior ao advento da Lei n. 14.112/2020, que entrou em vigor em 23/01/2021. Atualmente, o art. 10-A da Lei n. 10.522/2002, com redação dada pelo art. 3º da Lei n. 14.112/2020, oferta para as sociedades empresariais em crise que pleitearem ou tiverem deferido o processamento da recuperação judicial a possibilidade de parcelamento de débitos tributários federais. Essas sociedades devem aderir ao parcelamento, sob pena de ficarem inviabilizadas na própria recuperação, porque a recuperação judicial é para sociedade empresária que apresente condições de pagar suas obrigações dentro, naturalmente, daquilo que a lei estabelece como um favor para a sociedade em recuperação, as quais não ficam dispensadas do cumprimento de suas obrigações, em bora de forma diferenciada. Desse modo, há duas realidades paralelas que não se confundem, mas devem ser compatibilizadas. Uma é o plano de recuperação, ato negocial dos credores privados com a sociedade em recuperação; a outra é a relação jurídico-tributária entre a sociedade em recuperação e a Fazenda Pública. Essas realidades devem ser compatibilizadas. Com o advento da Lei 14.112/2020, já não se pode seguir ignorando, como antes vinha ocorrendo, a situação da relação jurídico-tributária entre a sociedade em recuperação e os Fiscos federal, estadual e municipal. Esses problemas têm de ser objeto de composição. E a composição é estabelecida na Lei 10.522/2002, em sua nova redação, ao trazer previsão específica quanto à possibilidade de liquidação de débitos mediante parcelamento, com obtenção de certidão positiva com efeitos de negativa, quando regulamentou o art. 68 da Lei 11.101/2005. Assim, somente após a juntada da certidão negativa ou com a comprovação do parcelamento das dívidas fiscais e juntada da certidão positiva com efeitos de negativa, é que o juiz irá ou não homologar o plano de recuperação judicial aprovado em assembléia. Processo REsp 2.084.986-SP, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Rel. para acórdão Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, por maioria, julgado em 12/3/2024, DJe 26/6/2024. (Edição Extraordinária nº 20 - Direito Privado - 23 de julho de 2024)

RE 635.659-SP

Não configura infração penal a prática das condutas de adquirir, guardar, ter em depósito, transportar ou trazer consigo — para consumo pessoal — a substância cannabis sativa (maconha). A criminalização das aludidas condutas, relacionadas ao porte de maconha para o uso próprio (Lei nº 11.343/2006, art. 28), afronta o postulado da proporcionalidade, pois (i) versa sobre lesividade que se restringe à esfera pessoal dos usuários; e (ii) produz crescente estigmatização, ofuscando os principais objetivos do Sistema Nacional de Políticas de Drogas, quais sejam, a política de redução de danos e a prevenção do uso abusivo de drogas. Nesse contexto, o foco da política de drogas deve ser o campo da saúde pública, até porque considerar essas condutas infração penal resulta em clara incongruência no sistema. A ausência da natureza penal não impede, entretanto, o reconhecimento da ilicitude extrapenal das condutas especificadas, razão pela qual é cabível a apreensão da maconha e a aplicação das sanções administrativas de advertência sobre os efeitos da droga e de medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo (Lei nº 11.343/2006, art. 28, I e III). Ademais, a incidência de quaisquer das sanções anteriormente referidas deve ocorrer sem a atribuição de efeitos criminais como, por exemplo, a reincidência. Até que sobrevenha legislação a respeito, presume-se usuário, como regra geral, quem adquire, guarda, tem em depósito, transporta ou traz consigo até 40 gramas de cannabis sativa ou seis plantas fêmeas. O STF considerou necessária a definição de uma quantidade como parâmetro orientador para diferenciar o usuário do traficante de maconha, com o objetivo de afastar interpretações desiguais, discriminação irrazoável de grupos sociais vulneráveis, discricionariedades de policiais, membros do Ministério Público e do Poder Judiciário, caracterizadoras de injustiças, bem assim de proteger os direitos fundamentais de pessoas que são encarceradas, sobretudo, pela má distinção entre tráfico e uso. O parâmetro estipulado é provisório, até a superveniência da regulamentação própria, e não é absoluto. Para o afastamento da presunção relativa de que se cuida de conduta relacionada ao consumo da pessoa ou voltada à traficância, é preciso cumprir o estabelecido na tese fixada neste julgamento. Enquanto não houver regulamentação quanto à competência para julgar as condutas em debate, o respectivo procedimento, segundo a sistemática atual, tramitará nos juizados especiais criminais, vedada a atribuição de efeitos criminais ou de qualquer natureza penal, e devidamente atendidos os demais critérios estipulados por esta Corte. Ressalta-se que a decisão colegiada se restringe à cannabis sativa, substância objeto de análise no caso concreto, e não abarca as demais drogas, haja vista as particularidades de cada espécie de substância entorpecente. Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por maioria, ao apreciar o Tema 506 da repercussão geral (vide Informativos 795 e 798), deu provimento ao recurso extraordinário para (i) declarar a inconstitucionalidade, sem redução de texto, do art. 28 da Lei nº 11.343/2006 (1), de modo a afastar todo e qualquer efeito de natureza penal, ficando mantidas as medidas ali previstas, no que couber, até o advento de legislação específica; e (ii) absolver o acusado por atipicidade da conduta. Igualmente em votação majoritária, foram fixadas as teses anteriormente citadas. O Tribunal deliberou, ainda, as seguintes providências: (i) determinar ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em articulação direta com o Ministério da Saúde, Anvisa, Ministério da Justiça e Segurança Pública, Tribunais e Conselho Nacional do Ministério Público, a adoção de medidas para permitir (a) o cumprimento da presente decisão pelos juízes, com aplicação das sanções previstas nos incisos I e III do art. 28 da Lei nº 11.343/2006, em procedimento de natureza não penal; (b) a criação de protocolo próprio para realização de audiências envolvendo usuários dependentes, com encaminhamento do indivíduo vulnerável aos órgãos da rede pública de saúde capacitados a avaliar a gravidade da situação e oferecer tratamento especializado, como os Centros de Atenção Psicossocial de Álcool e Drogas (CAPS AD); (ii) fazer um apelo aos Poderes Legislativo e Executivo para que adotem medidas administrativas e legislativas para aprimorar as políticas públicas de tratamento ao dependente, deslocando o enfoque da atuação estatal do regime puramente repressivo para um modelo multidisciplinar que reconheça a interdependência das atividades de (a) prevenção ao uso de drogas; (b) atenção especializada e reinserção social de dependentes; e (c) repressão da produção não autorizada e do tráfico de drogas; (iii) conclamar os Poderes a avançarem no tema, estabelecendo uma política focada não na estigmatização, mas (a) no engajamento dos usuários, especialmente os dependentes, em um processo de autocuidado contínuo que lhes possibilite compreender os graves danos causados pelo uso de drogas; (b) na agenda de prevenção educativa, implementando programas de dissuasão ao consumo de drogas; e (c) na criação de órgãos técnicos na estrutura do Executivo, compostos por especialistas em saúde pública, com atribuição de aplicar aos usuários e dependentes as medidas previstas em lei; e (iv) para viabilizar a concretização dessa política pública — especialmente a implementação de programas de dissuasão contra o consumo de drogas e a criação de órgãos especializados no atendimento de usuários — caberá aos Poderes Executivo e Legislativo assegurar dotações orçamentárias suficientes para essa finalidade. Para isso, a União deverá liberar o saldo acumulado do Fundo Nacional Antidrogas (Funad), instituído pela Lei nº 7.560/1986 e gerido pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, e se abster de contingenciar os futuros aportes no fundo, recursos que deverão ser utilizados, inclusive, para programas de esclarecimento sobre os malefícios do uso de drogas. Por fim, a Corte determinou que o CNJ, com a participação das defensorias públicas, realize mutirões carcerários para apurar e corrigir prisões decretadas em desacordo com os parâmetros fixados neste julgamento. (1) Lei nº 11.343/2006: “Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I – advertência sobre os efeitos das drogas; II – prestação de serviços à comunidade; III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. § 1º Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica. § 2º Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente. § 3º As penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 5 (cinco) meses. § 4º Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses. § 5º A prestação de serviços à comunidade será cumprida em programas comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas. § 6º Para garantia do cumprimento das medidas educativas a que se refere o caput, nos incisos I, II e III, a que injustificadamente se recuse o agente, poderá o juiz submetê-lo, sucessivamente a: I – admoestação verbal; II – multa. § 7º O juiz determinará ao Poder Público que coloque à disposição do infrator, gratuitamente, estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado.” RE 635.659/SP, relator Ministro Gilmar Mendes, julgamento finalizado em 26.06.2024 INFORMATIVO STF. Brasília: Supremo Tribunal Federal, Secretaria de Altos Estudos, Pesquisas e Gestão da Informação, n. 1143/2024. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/textos/verTexto.asp?servico=informativoSTF. Data de divulgação: 02 de agosto de 2024.

REsp 2.103.427-GO

O consumidor não pode requerer a restituição da quantia paga por um produto que foi utilizado por um longo período depois de ter sido devidamente reparado, mesmo que o conserto tenha ocorrido após o esgotamento do prazo de 30 dias concedidos ao fornecedor pelo §1º, do art. 18, do CDC. Informações do inteiro teor O propósito recursal consiste em dizer se o conserto do produto após o esgotamento do prazo de 30 dias concedidos ao fornecedor pelo §1º, do art. 18, do CDC é apto, por si só, para afastar o direito do consumidor de exigir, alternativamente, a substituição do produto, a restituição imediata da quantia paga ou o abatimento proporcional do preço. A Política Nacional das Relações de Consumo traçada pelo CDC (art. 4º) busca proteger o consumidor, porque é a parte vulnerável na relação de consumo. Para possibilitar uma harmonia entre os participantes dessa relação, os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da CF/1988) devem ser observados sempre com base na boa-fé e equilíbrio nos vínculos entre consumidores e fornecedores (inciso III). Nesse sentido, o código consumerista responsabiliza os fornecedores pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem os produtos impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou que lhes diminuam o valor (art. 18). No caso, os vícios (ou defeitos) apresentados pelo carro foram devidamente reparados, voltando a estar em condições próprias e adequadas para o uso, tanto que o consumidor continuou utilizando o referido bem. Dessa forma, não faz sentido a pretensão de resolução do contrato, com restituição do valor do bem, mais ainda se considerado que ele foi usado por anos - o reparo ocorreu há cerca de 4 anos. A alternativa de resolução com restituição da quantia paga só deve ser cabível se “imediata”, isto é, logo em seguida a verificação de que o produto se mostrou, ou continua, impróprio para os fins a que se destina. Não pode haver uma deliberação de efeito retardado, ou seja, depois de passado anos da correção dos vícios ou defeitos. Não é razoável que o consumidor que enfrenta apenas alguns problemas possa simplesmente desistir do contrato e exigir seu dinheiro de volta. A rescisão deve ser medida extrema, quando se mostre inviável uma assistência técnica de forma eficaz, efetiva e eficiente. A pretensão deduzida resulta nítido abuso de direito, uma vez que, apesar de ter aceitado os consertos e continuado a usar veículo, o consumidor pretende a tudo ignorar e requerer seu dinheiro de volta. Tal conduta não se assenta na boa-fé. Processo REsp 2.103.427-GO, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Rel. para Acórdão Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, por maioria, julgado em 18/6/2024, DJe 25/6/2024. (Edição Extraordinária nº 20 - Direito Privado - 23 de julho de 2024)

AgInt no AREsp 2.150.150-SP

O mero inadimplemento contratual, resultante de atraso ou cancelamento de voo, não gera dano moral ao consumidor, o qual deve ser aferido a partir das peculiaridades inerentes à atividade de navegação aérea. Informações do inteiro teor Esta Corte Superior tem entendimento assente de que, na hipótese de atraso ou cancelamento de voos, o dano moral não é presumido em decorrência da mera demora, devendo ser comprovada, pelo passageiro, a efetiva ocorrência da lesão extrapatrimonial sofrida. Ademais, a análise da pretensão de indenização nessas hipóteses deve levar em conta as peculiaridades inerentes à atividade de navegação aérea, a qual, ninguém deve ignorar, está permanentemente sujeita a inúmeras contingências, de ordem técnica, operacional, climática e humana, observadas no mundo todo. Nesse sentido, no aspecto técnico, tem-se a priorização da segurança do voo, a exigir que qualquer pequena falha na aeronave seja devidamente identificada, tratada e sanada antes de se iniciar uma nova viagem, sem maiores riscos para as vidas transportadas. Na vertente climática e operacional, por sua vez, tem-se que qualquer mudança de tempo, ocorrida noutra região do País, paralisando os voos ali, tem potencial para afetar toda a malha aeroviária, num efeito dominó de atrasos de inúmeros voos subsequentes. No aspecto humano, por fim, qualquer repentino problema de saúde, atingindo tripulante ou passageiro, ou qualquer inesperado excesso de horário de trabalho da tripulação, tem potencial para causar atraso de partida da aeronave. Desse modo, não sendo comprovada, perante a Corte local, a efetiva ocorrência da lesão extrapatrimonial sofrida, afasta-se a pretensão de indenização. O atraso ou cancelamento de voo, embora constituam fortuito interno, são muitas vezes causados por motivo de força maior (CC/2002, arts. 734 e 737). Processo AgInt no AREsp 2.150.150-SP, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Rel. para o Acórdão Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, por maioria, julgado em 21/5/2024, DJe 24/6/2024. (Edição Extraordinária nº 20 - Direito Privado - 23 de julho de 2024)

REsp 2.084.837-MG

Pelo princípio da instrumentalidade das formas, a anulação de ações conexas ao processo falimentar, por ausência de intervenção do Ministério Público, somente se justifica quando ficar caracterizado efetivo prejuízo à parte. Informações do inteiro teor A controvérsia versa sobre o suposto vício de nulidade em decorrência da falta de intervenção do Ministério Público aos processos de falência ajuizados sob a égide do Decreto-Lei nº 7.661/1945. No presente caso, necessário esclarecer que a demanda revisional do valor de crédito habilitado na falência foi ajuizada quando há muito já estava em vigor a Lei n. 11.101/2005, que, a despeito de autorizar o representante do Ministério Público, até o encerramento da falência, a pedir a “exclusão, outra classificação ou a retificação de qualquer crédito, nos casos de descoberta de falsidade, dolo, simulação, fraude, erro essencial ou, ainda, documentos ignorados na época do julgamento do crédito ou da inclusão no quadro-geral de credores” (art. 19), não contém previsão semelhante àquela disposta no art. 210 do Decreto-Lei n. 7.661/1945, que impunha a intervenção do parquet em toda ação proposta visando assegurar os interesses da massa falida. Assim, ainda que a conexa ação falimentar tenha tramitado sob a égide do Decreto-Lei n. 7.661/1945, descabe invocar a aplicação da norma contida do art. 192 da Lei n. 11.101/2005, que desautoriza a aplicação da lei nova aos processos de falência ajuizados anteriormente ao início de sua vigência, com o objetivo de ver reconhecida a nulidade, por falta de intervenção do Ministério Público, após o transcurso de mais de 15 anos da habilitação do crédito na falência. Ademais, “(…) na vigência da atual legislação falimentar, a intervenção do Ministério Público só é obrigatória quando expressamente prevista na lei, não sendo plausível o argumento de que toda falência envolve interesse público a exigir a atuação ministerial em todas as suas fases e em qualquer de seus incidentes” (AgInt no AREsp n. 1.630.049/SP, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, DJe de 29/10/2020). Por fim, conforme entendimento desta Corte Superior, tendo em vista o princípio da instrumentalidade das formas, “a anulação do processo falimentar ou de ações conexas por ausência de intervenção ou pela atuação indevida do Ministério Público somente se justifica quando for caracterizado efetivo prejuízo à parte.” (REsp n. 1.230.431/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe de 18/11/2011). Processo REsp 2.084.837-MG, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 18/6/2024, DJe 24/6/2024. (Edição Extraordinária nº 20 - Direito Privado - 23 de julho de 2024)

1000907-30.2023.5.00.0000

Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas. Admissão. Processo de negociação coletiva. Participação. Recusa arbitrária do sindicato empresarial ou membro da categoria econômica. Configuração ou não de comum acordo tácito para instauração dissídio coletivo de natureza econômica. O Tribunal Pleno, por maioria, admitiu Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas para apreciar a seguinte questão de direito: “A recusa arbitrária do sindicato empresarial ou membro da categoria econômica para participar do processo de negociação coletiva trabalhista viola a boa-fé objetiva e tem por consequência a configuração do comum acordo tácito para a instauração de Dissídio Coletivo de Natureza Econômica?”. Vencidas as Ministras Morgana de Almeida Richa, Maria Cristina Irigoyen Peduzzi e os Ministros Douglas Alencar Rodrigues, Breno Medeiros, Alexandre Luiz Ramos, Luiz José Dezena da Silva, Evandro Pereira Valadão Lopes, Amaury Rodrigues Pinto Junior, Sergio Pinto Martins, Ives Gandra da Silva Martins Filho e Guilherme Augusto Caputo Bastos. (TST-IRDR-1000907-30.2023.5.00.0000, Tribunal Pleno, rel. Min. Maurício Godinho Delgado, em 24/6/2024).