Marcário
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2024
23/08 - Por risco de confusão e associação indevida, Terceira Turma anula registro de marca de móveis
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) declarou, por unanimidade, a nulidade do registro e a proibição do uso de marca cujo nome é semelhante ao já adotado por outra empresa do ramo moveleiro. De acordo com o colegiado, a grande semelhança gráfica e fonética entre os nomes poderia induzir os consumidores a erro ou a associação indevida das marcas. Na origem, a empresa gaúcha do ramo moveleiro denominada D’Linea entrou com ação de nulidade de registro de marca e de abstenção de uso contra outra empresa, Groupe Adeo, que comercializa na rede Leroy Merlin móveis da “marca exclusiva Delinea”. Acionado judicialmente, o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) manifestou-se pela nulidade, porque a semelhança entre os nomes poderia confundir consumidores e levá-los a erro ou a associação indevida entre as marcas de móveis. O juízo de primeiro grau entendeu haver risco de confusão e de associação indevida e declarou a nulidade do registro da marca Delinea, determinando que a empresa deixasse de usá-la sob pena de pagamento de multa diária de R$ 1 mil. Em segunda instância, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) reformou a sentença sob o fundamento de que os nomes das marcas teriam “íntima relação com produtos do ramo moveleiro” e possuiriam caráter genérico, enquadrando-se na situação descrita no artigo 124, inciso VI, da Lei de Propriedade Industrial, sendo vedado o seu registro. O acórdão do TRF2 também levou em conta a Teoria da Distância, segundo a qual em um mesmo segmento mercadológico, uma nova marca não precisa ser mais diferente do que as marcas já existentes são entre si. Simples possibilidade de confusão justifica a tutela da marca A relatora do caso no STJ, ministra Nancy Andrighi, explicou que a Lei de Propriedade Industrial contém previsão específica que impede o registro de marca quando houver “reprodução ou imitação, no todo ou em parte, ainda que com acréscimo, de marca alheia registrada, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, suscetível de causar confusão ou associação com marca alheia”. Para a ministra, a principal finalidade da proteção marcária é distinguir determinado produto ou serviço de outro idêntico. No caso, as duas marcas (D’Linea e Delinia) possuem alto grau de semelhança gráfica e fonética e, considerando que atuam no mesmo ramo de atividades, a coexistência de ambas pode gerar potencial confusão no público consumidor. Nesse sentido, a relatora relembrou precedente da Terceira Turma (REsp 954.272), ao defender que a simples possibilidade de confusão basta para que uma marca seja tutelada. Quanto à exceção enunciada pela teoria da distância, a ministra afastou sua incidência à hipótese, já que “o grau de semelhança entre as marcas é muito maior do que aquele que se percebe na comparação entre estas e as indicadas no acórdão impugnado”, como as marcas Mobilinea, Lineart, Arclinea e Prima Linea. De acordo com a relatora, o dispositivo alegado pelo acórdão do TRF2 para reformar a sentença não se aplica à situação, uma vez que o elemento central do nome das marcas não constituiu termo designativo para móveis ou acessórios domésticos. A relatora ressaltou que a preexistência de marcas deve ser considerada na apreciação de concessão ou declaração de nulidade de registro. “O uso da marca Delinia implica violação dos direitos da recorrente, a configurar hipótese de confusão, sobretudo porque presentes elementos […] que permitem inferir que o consumidor pode acreditar que os produtos designados pela marca do recorrido sejam fabricados pela sociedade empresária adversa (D’Linea)”, concluiu Nancy Andrighi, ao dar provimento ao recurso especial. Leia o acórdão no REsp 2120527.22/05 - REsp 2.078.517-RJ
É possível a responsabilidade civil por ruptura abrupta de tratativas verificada na fase pré-contratual para a aquisição de invento, em decorrência da aplicação do princípio da boa-fé objetiva e diante da legítima expectativa criada. Informações do inteiro teor O caso em discussão trata de violação da patente de invento, consubstanciado em spray evanescente para marcação temporária da distância entre a barreira e o gol em partidas de futebol, sem deixar marcas no campo de jogo, bem como de violação da boa-fé objetiva na fase pré-contratual durante as tratativas mantidas entre as partes para a aquisição da invenção em foco. No Tribunal de origem, foi reconhecida ilicitude da conduta da Federação Internacional de Futebol Associado - FIFA durante a fase pré-contratual, considerando que a entidade detém o controle de todo o cenário futebolístico, ostentando caráter privilegiado na relação jurídica, e que a empresa necessitava estabelecer uma relação com a FIFA para firmar a tecnologia no esporte. Houve conclusão no sentido de que a FIFA atuou na fase pré-contratual no sentido de transferência de expertise e da tecnologia da invenção em comento, além de ter havido utilização de latas de spray de barreira para treinamento da arbitragem e para todos os jogos da copa do mundo realizada no Brasil, embasada em vantajosa posição negocial da FIFA que lhe permitiu maiores poderes de negociação sobre o equipamento da empresa brasileira. Constatou-se ainda a responsabilidade civil por má-fé nas tratativas pré-contratuais, em decorrência sobretudo de promessa de aquisição e negociação da patente, utilização do material ao longo de anos, transferência de expertise e ocultação da marca da autora no maior evento esportivo ocorrido no País, tendo a FIFA, após todas as narradas atitudes que geraram legítima expectativa na parte recorrida, posto fim às negociações. Sabe-se que, na experiência negocial, é possível a ocorrência de comportamentos oportunistas abusivos e de exploração indevida de vantagem situacional, e a aplicação do princípio da boa-fé objetiva em todas as fases da contratação, conforme leciona a doutrina e a jurisprudência, tem importante função social de estimular a conduta leal e cooperativa entre as partes negociantes, coibindo exercício abusivo de direitos pelas partes e protegendo as naturais expectativas criadas no desenvolvimento da relação contratual e confiança depositada no comportamento do outro. Conforme preceitua o art. 422, do Código Civil (CC/2022), há a necessidade de observância da boa-fé objetiva em todas as fases do contrato, inclusive na pré-contratual, nos seguintes termos: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”. No mesmo sentido, é o Enunciado n. 170 da III Jornada de Direito Civil, do Conselho da Justiça Federal, ao dispor que: “A boa-fé objetiva deve ser observada pelas partes na fase de negociações preliminares e após a execução do contrato, quando tal exigência decorrer da natureza do contrato”. Ademais, o mesmo entendimento, no sentido da necessidade de comportamento de acordo com um padrão ético de confiança e de lealdade para concretização das legítimas expectativas das partes negociantes, em todas as fases da contratação, tem sido manifestado pelo Superior Tribunal de Justiça, o qual ressalta que “segundo a boa-fé objetiva, prevista de forma expressa no art. 422 do CC/02, as partes devem comportar-se de acordo com um padrão ético de confiança e de lealdade, de modo a permitir a concretização das legítimas expectativas que justificaram a celebração do pacto” de modo que “os deveres anexos, decorrentes da função integrativa da boa-fé objetiva, resguardam as expectativas legítimas de ambas as partes na relação contratual, por intermédio do cumprimento de um dever genérico de lealdade, que se manifesta especificamente, entre outros, no dever de informação, que impõe que o contratante seja alertado sobre fatos que a sua diligência ordinária não alcançaria isoladamente (REsp n. 1.862.508/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, relatora para acórdão Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 24/11/2020, DJe 18/12/2020). Processo REsp 2.078.517-RJ, Rel. Ministro Humberto Martins, Terceira Turma, por maioria, julgado em 14/5/2024, DJe 22/5/2024. (Edição Extraordinária nº 20 - Direito Privado - 23 de julho de 2024)2021
25/08 - REsp 1.543.826-RJ
Em se tratando de pedido de patente de fármacos, compete à Anvisa analisar - previamente à análise do INPI - quaisquer aspectos dos produtos ou processos farmacêuticos - ainda que extraídos dos requisitos de patenteabilidade (novidade, atividade inventiva e aplicação industrial) - que lhe permitam inferir se a outorga de direito de exclusividade (de produção, uso, comercialização, importação ou licenciamento) poderá ensejar situação atentatória à saúde pública. Informações do Inteiro Teor A controvérsia diz respeito aos “limites da análise” a ser efetuada pela agência reguladora para fins da anuência prévia imposta pelo artigo 229-C da Lei de Propriedade Industrial, ou seja: deve ficar adstrita a certificar se os produtos ou os processos farmacêuticos - objetos do pedido de patente - apresentam ou não potencial risco à saúde ou lhe é permitido adentrar os requisitos de patenteabilidade - novidade, atividade inventiva e aplicação industrial -, cuja análise técnica, em linha de princípio, compete ao INPI. Nos termos do artigo 6º da Lei da Anvisa, sua finalidade institucional consiste em promover a proteção da saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, inclusive dos ambientes, dos processos, dos insumos e das tecnologias a eles relacionados, bem como o controle de portos, aeroportos e de fronteiras. Entre outras competências previstas no artigo 7º da lei, destaca-se a voltada à correção de falhas de mercado do setor de fármacos, mediante o monitoramento da evolução dos preços de medicamentos, podendo a agência reguladora, para tanto, requisitar informações, proceder ao exame de estoques ou convocar os responsáveis para explicarem conduta indicativa de infração à ordem econômica, tais como a imposição de preços excessivos ou aumentos injustificados (inciso XXV). O relevante papel desempenhado pela Anvisa na esfera da regulação econômico-social do setor extrai-se, ainda, do fato de exercer a Secretaria-Executiva da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), órgão interministerial criado pela Lei n. 10.742/2003 - integrado pelos Ministros da Saúde, da Casa Civil, da Fazenda, da Justiça e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior - e que tem por objetivos a adoção, a implementação e a coordenação de atividades destinadas a promover a assistência farmacêutica à população, por meio de mecanismos que estimulem a oferta dos produtos e a competitividade entre os fornecedores. Assim, conquanto não se possa descurar das atribuições legais do INPI - principalmente a execução, no âmbito nacional, de normas que regulam a propriedade industrial, tendo em vista a sua função social, econômica, jurídica e técnica -, em relação às patentes de fármacos, não há falar em invasão institucional por parte da Anvisa, quando a recusa da anuência prévia estiver fundamentada em qualquer critério demonstrativo do impacto prejudicial da concessão do privilégio às políticas de saúde pública, que abrangem a garantia de acesso universal à assistência farmacêutica integral. Isso porque a diferença das perspectivas de análise das referidas autarquias federais sobre o pedido de outorga de patente farmacêutica afasta qualquer conflito de atribuições. Com efeito, é certo que o INPI, vinculado atualmente ao Ministério da Economia, tem por objetivo garantir a proteção eficiente da propriedade industrial e, nesse mister, parte de critérios fundamentalmente técnicos, amparados em toda a sua expertise na área, para avaliar os pedidos de patente, cujo ato de concessão consubstancia ato administrativo de discricionariedade vinculada aos parâmetros abstratos e tecnológicos constantes da lei de regência e de seus normativos internos. Por outro lado, a Anvisa, detentora de conhecimento especializado no setor de saúde, no exercício do “ato de anuência prévia”, deve adentrar quaisquer aspectos dos produtos ou processos farmacêuticos - ainda que extraídos dos requisitos de patenteabilidade (novidade, atividade inventiva e aplicação industrial) - que lhe permitam inferir se a outorga do direito de exclusividade representará potencial prejuízo às políticas públicas do SUS voltadas a garantir a assistência farmacêutica à população. A atuação da agência reguladora, no caso, traduz, marcadamente, uma função redistributiva, na qual se procura conciliar o interesse privado - direito de exclusividade da exploração lucrativa da invenção - com as metas e os objetivos de interesses públicos encartados nas políticas de saúde. A tese ora proposta, portanto, decorre da interpretação sistemática das normas contidas no inciso I do artigo 18 da Lei de Propriedade industrial - proibição de outorga de patentes a invenções contrárias à saúde pública - e nas Leis n. 9.782/1999 e 10.742/2003, que delineiam as funções institucionais e as competências expressamente atribuídas à Anvisa no sentido de resguardar a viabilidade das políticas de saúde consideradas “de relevância pública” pela Constituição de 1988. Nessa perspectiva, a estipulação da “anuência prévia” da autarquia especial, como condição para a concessão da patente farmacêutica, tem por base o seu papel de regulação econômico-social - ou socioeconômica - do setor de medicamentos, que se justifica pelos mandamentos extraídos da Carta Magna, no sentido da necessária harmonização do direito à propriedade industrial com os princípios da função social, da livre concorrência e da defesa do consumidor, assim como o interesse social encartado no dever do Estado de, observada a cláusula de reserva do possível, conferir concretude ao direito social fundamental à saúde (artigos 5º, incisos XXIII, XXIX, 6º, 170, incisos III, IV e V, e 196). Em acréscimo, ressalta-se que, à luz da norma legal analisada (artigo 229-C da Lei n. 9.279/1996), a exigência de anuência prévia da Anvisa constitui pressuposto de validade da concessão de patente de produto ou processo farmacêutico - o que, por óbvio, decorre da extrema relevância dos medicamentos para a garantia do acesso universal à assistência integral à saúde -, não podendo, assim, o parecer negativo, em casos nos quais demonstrada a contrariedade às políticas de saúde pública, ser adotado apenas como subsídio à tomada de decisão do INPI. O caráter vinculativo da recusa de anuência é, portanto, indubitável. Nada obstante, eventual divergência entre as autarquias sobre os fundamentos exarados no parecer desfavorável à pretensão patentária, deve ser dirimida sob uma ótica dialética e cooperativa - recomendável no âmbito da Administração Pública -, em que busquem equacionar “o propósito de estímulo da atividade inventiva conducente ao desenvolvimento tecnológico e econômico do País” e “o interesse social de concretização do direito fundamental à saúde objeto das políticas públicas do SUS”. Informações Adicionais Doutrina (1) O aspecto patrimonial do direito de propriedade industrial, ressoa inequívoco que o seu exercício encontra-se subordinado ao atendimento da função social e à diretriz de compatibilização do objetivo de estímulo ao desenvolvimento tecnológico e econômico nacional com o interesse social, que, no dizer de Rodolfo de Camargo Mancuso, “reflete o que a sociedade entende por ‘bem comum’; o anseio de proteção à res publica; a tutela daqueles valores e bens mais elevados, os quais essa sociedade, espontaneamente, escolheu como sendo os mais relevantes” (MANCUSO, Rodolfo Camargo. Interesses difusos [livro eletrônico]: conceito e legitimação para agir. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, Item 1.4). Legislação Constituição Federal, art. 3º, art. 5º, XXIII e XXIX, art. 6º; Constituição Federal, art. 170, III, IV e V , art. 196, art. 197, art. 198, art. 200, II; Lei n. 9.279/1996, art. 7º, IX; Lei n. 9.279/1996, art. 8º; Lei n. 9.279/1996, art. 18; Lei n. 9.279/1996, art. 229-C; Lei n. 9.279/1996, art. 230, § 3º; Lei n. 5.772/1971, art. 9º; Lei n. 6.360/1976, artigos 16 a 24-B; Lei n. 8.080/1990, art. 6º; Lei n. 8.080/1990, art. 7º; Lei n. 8.080/1990, art. 19-M; Lei n. 13.848/2019, art. 25; Lei n. 13.848/2019, art. 31; Lei n. 12.529/2011; Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro - LINDB -, art. 20; Acordo TRIPS, art. 27.2.