Oposição da parte ao julgamento virtual não gera nulidade nem cerceamento de defesa

​A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou a jurisprudência segundo a qual o fato de um julgamento ser realizado de forma virtual, mesmo com a oposição expressa e tempestiva da parte, não é, por si só, causa de nulidade ou cerceamento de defesa. Segundo o colegiado, não há, no ordenamento jurídico vigente, o direito de exigir que o julgamento ocorra em sessão presencial. Com esse entendimento, os ministros mantiveram a decisão do relator, ministro Ribeiro Dantas, e negaram o pedido de um réu para retirar o seu recurso da pauta de julgamento virtual e encaminhá-lo para o presencial. O recurso, no caso, era um agravo regimental contra a decisão monocrática do relator que não conheceu do habeas corpus. A defesa argumentou que a matéria em debate, de natureza técnica, deveria ser objeto de julgamento presencial para possibilitar uma discussão mais profunda. Além disso, haveria a possibilidade de uma eventual intervenção da defesa, se necessário. O réu foi acusado de comandar uma organização criminosa dedicada ao tráfico de drogas em Porto Seguro (BA). Para a defesa, as interceptações telefônicas que geraram as provas da acusação foram autorizadas por uma decisão judicial sem fundamentação e sem a intervenção do Ministério Público. Necessidade do julgamento presencial tem de ser demonstrada O relator disse que o Regimento Interno do STJ permite à parte se manifestar contra o julgamento virtual, mas “é evidente que o acolhimento do pleito depende da comprovação da necessidade do julgamento presencial ou de pedido para realização de sustentação oral”. Segundo Ribeiro Dantas, embora a sustentação oral no julgamento de agravo regimental tenha sido possibilitada pela Lei 14.365/2022, a parte não a requereu ao interpor o recurso, mas apenas ao peticionar para requerer a retirada do processo de pauta. Segundo o magistrado, mesmo nas hipóteses em que cabe sustentação oral, se o seu exercício for viabilizado na modalidade de julgamento virtual, “não haverá qualquer prejuízo ou nulidade, ainda que a parte se oponha a essa forma de julgamento, porquanto o direito de sustentar oralmente as suas razões não significa o de, necessariamente, o fazer de forma presencial”. O ministro explicou ainda que, para evitar o julgamento virtual, seria preciso demonstrar que essa modalidade traz prejuízo à parte. No entanto, ele ponderou que a defesa não comprovou a necessidade de exclusão do processo da pauta virtual, “não sendo suficiente para tanto a mera alegação de que deve ser dada a oportunidade de acompanhamento do julgamento do recurso interposto e a indicação abstrata de relevância da matéria”. Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): HC 83267

Terceira Seção fixa teses sobre admissão de confissões feitas à polícia no momento da prisão

​A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, fixou três teses sobre a valoração e a admissibilidade de confissões feitas à polícia no momento da prisão. O colegiado definiu que a confissão extrajudicial somente será admitida no processo judicial se feita formalmente e de maneira documentada, dentro de um estabelecimento público e oficial. Tais garantias não podem ser renunciadas pelo interrogado, e, se alguma delas não for cumprida, a prova será inadmissível. A inadmissibilidade permanece mesmo que a acusação tente introduzir a confissão extrajudicial no processo por outros meios de prova – por exemplo, pelo testemunho do policial que a colheu. A segunda tese estabelece que a confissão extrajudicial admissível pode servir apenas como meio de obtenção de provas, indicando à polícia ou ao Ministério Público possíveis fontes de provas na investigação, mas não pode embasar a sentença condenatória. Por último, ficou definido que a confissão judicial, em princípio, é lícita, mas, para a condenação, apenas será considerada a confissão que encontre algum sustento nas demais provas, à luz do artigo 197 do Código de Processo Penal (CPP). As teses foram estabelecidas em um processo no qual o Ministério Público de Minas Gerais denunciou um homem pelo furto de uma bicicleta enquanto a vítima fazia compras em um supermercado. Após o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) condenar o réu a um ano e quatro meses de reclusão, a defesa recorreu ao STJ, sustentando que a condenação foi fundamentada em uma confissão extrajudicial – segundo o acusado – obtida sob tortura. Admissão de confissão extrajudicial depende da adoção de cautelas institucionais O relator do recurso, ministro Ribeiro Dantas, comentou que, quando o preso é devidamente registrado no sistema de custódia e recebe a orientação jurídica adequada antes de ser ouvido na delegacia, fica mais complicado para um policial mal-intencionado torturá-lo para obter informações, pois nesse momento já há um nível de formalidade maior, que é mais difícil contornar. Assim, de acordo com o relator, para que a confissão extrajudicial seja admitida no processo, é necessária a adoção de cautelas institucionais que neutralizem os riscos, de modo a tornar a prova mais confiável. “Sem salvaguardas e enquanto o Brasil for tão profundamente marcado pela violência policial, sempre permanecerá uma indefinição sobre a voluntariedade da confissão extrajudicial”, disse. Confissão deve ser avaliada em conjunto com outras provas O ministro ressaltou que é incorreto atribuir um valor probatório supremo à confissão, pois ela está frequentemente no centro de condenações injustas. Assim, segundo o magistrado, é necessário detalhar as regras de valoração racional para esclarecer o peso real da confissão e reduzir o risco de condenações de inocentes que tenham confessado falsamente. Ribeiro Dantas afirmou que o CPP estabelece regras para a valoração da confissão nos artigos 197 e 200, os quais determinam que a confissão deve ser avaliada em conjunto com outras provas, cabendo ao juiz analisar se há compatibilidade entre elas. No entanto, o ministro apontou que esses artigos não especificam o nível de compatibilidade e harmonia necessário entre a confissão e as outras provas, deixando ao juiz a tarefa de utilizar critérios racionais para justificar suas conclusões sobre a prova. O relator considerou importante haver um conjunto probatório robusto em julgamentos criminais, já que a inclusão de novas evidências pode enfraquecer ou até refutar a tese original da acusação. “A jurisdição criminal justa precisa, pois, de uma investigação criminal eficiente, competente e profissional para que possa ser exercida, sob pena de se elevar o risco de condenações de pessoas inocentes – que, com as atuais práticas da polícia e do Ministério Público brasileiros, certamente é altíssimo. Isso é o que requer o próprio artigo 6º do CPP, quando institui para o delegado, entre outras, as obrigações funcionais de resguardar o corpo de delito (inciso II) e arrecadar ’todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato (inciso III)”, concluiu. A Terceira Seção estabeleceu que as teses adotadas só deverão ser aplicadas aos fatos posteriores. Leia o acórdão no AREsp 2.123.334.

Sexta Turma aplica precedente do STF e afasta condenação por posse de 23 gramas de maconha

Com base na decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no Tema 506 da repercussão geral – que entendeu pela descriminalização do porte de droga para consumo pessoal (artigo 28 da Lei 11.343/2006) –, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a atipicidade da conduta e absolveu um réu com o qual foram apreendidos 23 gramas de maconha. Em julgamento finalizado em junho deste ano, o STF considerou que não comete infração penal quem guarda ou transporta maconha para uso pessoal, que fica sujeito à apreensão da droga e à aplicação de sanções de caráter não penal, como advertência e comparecimento a programa educativo. Ainda segundo o STF, será presumido usuário quem tiver consigo até 40 gramas de Cannabis sativa ou seis plantas-fêmeas, até que o Congresso Nacional defina legislação sobre o tema. No caso analisado pelo STJ, em razão da apreensão de maconha em sua casa, o réu foi condenado em primeiro grau a seis anos e nove meses de reclusão por tráfico (artigo 33 da Lei de Drogas). A defesa apelou e pediu a desclassificação do delito para posse para uso próprio, mas a sentença foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR). Conduta foi desclassificada pelo STJ para porte para consumo pessoal Em decisão monocrática, o relator do recurso no STJ, ministro Sebastião Reis Junior, já havia desclassificado a conduta do réu para a de uso de entorpecente para consumo pessoal, em razão do contexto dos autos e da pequena quantidade apreendida. Contudo, em nova análise do caso, o ministro entendeu que o precedente firmado pelo STF exigia a modificação da situação do recorrente, tendo em vista a compatibilidade entre a hipótese dos autos e as teses estabelecidas em repercussão geral. Ao extinguir a punibilidade pela atipicidade da conduta, o ministro determinou a remessa dos autos ao juizado especial criminal competente, para eventual aplicação de sanção administrativa. Leia o acórdão no REsp 2.121.548.

Multa de advogado por atraso em alegações finais é anulada com base em nova lei que extingue penalidade

A 10ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) deu provimento à apelação criminal contra a sentença que aplicou ao advogado de um homem penalidade de multa por supostamente o advogado ter abandonado o processo, infração prevista no antigo art. 265 do Código de Processo Penal (CPP). O advogado argumentou que embora tenha apresentado as alegações finais com atraso, o fato não causou prejuízo ao processo. Ele pediu a anulação da multa e solicitou que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) fosse notificada para apurar a questão. Consta nos autos que a multa foi aplicada porque o defensor não apresentou as alegações finais dentro do prazo, o que foi visto como abandono de causa. Segundo a relatora da apelação, desembargadora federal Solange Salgado da Silva, de acordo com nova legislação, Lei 14.752/2023, que alterou o art. 265 do CPP, a multa por abandono de processo foi extinta, e as infrações éticas passaram a ser de responsabilidade exclusiva da OAB. Ressaltou a magistrada que, “(…) desde a modificação legislativa trazida pela nova lei, foi excluída do CPP a previsão de responsabilização por multa do patrono que agir com desídia nos interesses do patrocinado, passando a apuração de infrações éticas no exercício da advocacia a ser de exclusiva responsabilidade da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)”. O voto foi acompanhado pelo Colegiado. Processo: 0000391-78.2014.4.01.3304

Sexta Turma enfatiza importância das câmeras corporais ao absolver réus por contradições na versão policial

Ao declarar a ilegalidade de provas obtidas por policiais que não utilizavam câmeras corporais no momento da abordagem, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reforçou a necessidade do uso desses equipamentos como forma de resolver eventuais divergências entre as alegações dos agentes e as dos suspeitos. Como consequência das contradições verificadas nos depoimentos, e diante da impossibilidade de confrontar os relatos com gravações audiovisuais, o colegiado aplicou o princípio in dubio pro reo e concedeu habeas corpus para absolver três pessoas acusadas de tráfico de drogas. “Infelizmente, ainda não chegamos ao desejado cenário em que todos os policiais de todas as polícias do Brasil estejam equipados com bodycams em tempo integral, o que não apenas ajudaria a evitar desvios de conduta, mas também protegeria os bons policiais de acusações injustas de abuso, com qualificação da prova produzida em todos os casos”, afirmou o ministro Rogerio Schietti Cruz, relator. O ministro lembrou que em 2022, no julgamento do RHC 158.580, a Sexta Turma, interpretando o artigo 244 do Código de Processo Penal, definiu que a realização de busca pessoal ou em veículo sem mandado judicial exige a demonstração de uma suspeita prévia, baseada em fatos concretos e descrita com a maior precisão possível, não bastando descrições genéricas ou informações de fonte não identificada, como denúncias anônimas. O mesmo entendimento vem sendo aplicado às buscas residenciais sem ordem judicial. Mais recentemente, destacou, o STJ tem analisado não apenas se os elementos que a polícia tinha antes da diligência justificavam a medida, mas também se as afirmações dos agentes são suficientes, especialmente quando se trata de versões aparentemente inverossímeis, incoerentes ou contraditadas por alguma prova dos autos. Segundo o ministro, fenômenos estudados nos EUA também acontecem no Brasil Citando estudos realizados nos Estados Unidos, Schietti comentou a identificação de fenômenos como o dropsy testimony, em que os policiais alegam em juízo que o suspeito, ao ser avistado, teria largado as drogas e fugido. Esse fenômeno – apontou o ministro – passou a ser visto como parte de um movimento mais amplo, conhecido como testilying – mistura dos verbos testify (testemunhar) e lying (mentindo), ou seja, a distorção dos fatos em juízo para tentar legitimar uma ação policial ilegal. “O fenômeno do testilying não é estranho ao cenário brasileiro. Entre nós, é mais conhecido por ‘arredondar a ocorrência’, expressão consolidada no jargão policial e que consta até mesmo em dicionários de linguagem castrense, com o significado de ’tornar transparente uma situação embaraçosa’”, afirmou. Nesse contexto é que, segundo o ministro, cresce a importância de corroboração do depoimento policial por outros elementos independentes, cujo “principal e mais confiável exemplo” é a filmagem por meio das câmeras corporais. Segundo Schietti, enquanto não for atingido o cenário ideal em que todas as diligências sejam filmadas, para evitar distorções dos fatos, é necessário, no mínimo, um “especial escrutínio” sobre o depoimento policial, na forma proposta pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no RE 603.616. “Trata-se, portanto, de abandonar a cômoda e antiga prática de atribuir caráter quase inquestionável a depoimentos prestados por testemunhas policiais, como se fossem absolutamente imunes à possibilidade de desviar-se da verdade; do contrário, deve-se submetê-los a cuidadosa análise de coerência – interna e externa –, verossimilhança e consonância com as demais provas dos autos”, disse. Policiais descreveram a apreensão de drogas em três versões diferentes Em um dos casos analisados no julgamento (HC 831.416), Schietti comentou que os policiais descreveram a diligência que levou à apreensão de drogas de três maneiras bastante distintas e opostas à versão do suspeito, o que gerou dúvidas sobre a verdadeira dinâmica dos fatos. O relator salientou que, como a ação policial não foi gravada, não foi possível dirimir as “relevantes dúvidas” existentes nos depoimentos quanto à dinâmica dos fatos – “as quais, uma vez que persistem, devem favorecer o acusado, em conformidade com antigo brocardo jurídico (in dubio pro reo)”. Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): HC 768440 HC 831413 HC 831416

Nulidade por desrespeito à ordem do interrogatório do réu pode ser apontada até as alegações finais

A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao discutir a aplicação do Tema Repetitivo 1.114, esclareceu que a nulidade decorrente da inobservância do interrogatório do réu como último ato da fase de instrução pode ser suscitada até o momento das alegações finais, nos termos do artigo 571, incisos I e II, do Código de Processo Penal (CPP). O colegiado afastou, assim, a interpretação de que, ao fixar a tese repetitiva, a seção de direito criminal teria definido que a nulidade deveria ser arguida no momento do interrogatório ou, no máximo, até a primeira oportunidade após a defesa ter ciência da inversão da ordem das oitivas. No voto que prevaleceu na Terceira Seção, o ministro Sebastião Reis Junior comentou que a publicação do inteiro teor do julgamento do Tema 1.114 pode ter dado margem à conclusão de que teria ficado vencida a posição segundo a qual a nulidade relativa à ordem do interrogatório deve ser apontada até as alegações finais. CPP prevê que nulidades da fase de instrução sejam apontadas até as alegações finais Na verdade – afirmou o ministro –, o entendimento unânime foi no sentido de que, se o CPP define que as nulidades da fase de instrução podem ser arguidas até as alegações finais, a mesma compreensão deve ser aplicada no caso de apontamento da defesa sobre a inversão indevida da ordem dos interrogatórios. “Não obstante o equívoco verificado, é certo que o fato de o voto condutor ou mesmo a ementa sugerir algo distinto do que foi efetivamente decidido não altera o resultado do julgamento efetivamente proclamado, nem firma a necessidade de retificação do resultado, inclusive porque a tese estabelecida é bastante clara no sentido de que a nulidade pode ser suscitada até as alegações finais, na medida em que refere à disposição contida no artigo 571, I e II, do CPP”, concluiu. Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): EAREsp 2400913

Mantido júri que condenou homem a 31 anos de reclusão por homicídio do amigo

A 10ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve júri popular realizado na Comarca de Caraguatatuba que condenou homem por homicídio. A pena foi fixada em 31 anos, 6 meses e 20 dias de reclusão, em regime inicial fechado. De acordo com os autos, o réu convidou a vítima para ir até sua casa para beberem. Após uma discussão, o acusado pegou uma faca e deu 50 golpes no amigo. O réu gravou as agressões e enviou para a ex-companheira. Após o crime, tentou ocultar o corpo da vítima no porta-malas de um carro. Para a relatora do recurso, desembargadora Rachid Vaz de Almeida, a junção dos elementos e informações produzidas durante a persecução penal, referendaram, com absoluta suficiência, o juízo de convencimento condenatório. “Não houve a presença de nenhum indicativo, mais preciso e concreto, sobre a presença de terceira pessoa que seria responsável pelo crime, tese essa, aliás, devidamente afastada pelo Conselho de Sentença”, salientou a magistrada. Os desembargadores Nuevo Campos e Nelson Fonseca Júnior completaram a turma de julgamento. A decisão foi unânime. Apelação nº 1504502-20.2020.8.26.0126

Morte de réu por crime contra a vida tira da competência do júri corréu acusado de crime conexo

​Para a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a morte do réu denunciado por crime doloso contra a vida, antes da instauração do tribunal do júri, afasta a competência deste para julgar um corréu denunciado por crime conexo. Na avaliação do colegiado, essa é uma hipótese de exceção à regra da perpetuação da jurisdição. Com esse entendimento, os ministros negaram provimento ao recurso de uma mulher que alegava incompetência do juízo que a condenou pelo crime de denunciação caluniosa. Segundo a defesa, a competência do tribunal do júri deveria ter sido mantida mesmo após a morte do companheiro da recorrente, o qual vinha sendo processado sob a acusação de tentar matar a própria filha. De acordo com o Ministério Público do Rio de Janeiro, a mulher acusou um terceiro pela tentativa de homicídio, quando sabia que o seu então companheiro é que tinha sido o responsável por agredir a vítima, sua enteada. Posteriormente, ela admitiu ter feito uma acusação falsa. Segundo a defesa, quando se decidiu que o processo deveria ser julgado pelo juízo singular, após a morte do companheiro denunciado pela tentativa de homicídio, não havia nenhuma das causas de modificação de competência previstas no artigo 81, parágrafo único, do Código de Processo Penal (CPP). Exceção ao princípio da perpetuação de jurisdição O relator do recurso no STJ, ministro Sebastião Reis Junior, explicou que as hipóteses do parágrafo único do artigo 81 do CPP – impronúncia, absolvição sumária e desclassificação – são circunstâncias que afastam a competência do tribunal do júri antes de sua instauração, na medida em que são estabelecidas ainda na primeira fase do julgamento (juízo de acusação). Citando doutrina sobre o assunto, o ministro observou que essa regra cria uma exceção ao princípio de perpetuação da jurisdição, de modo que, verificada qualquer daquelas circunstâncias ainda na primeira fase, é afastada a competência do júri popular para o julgamento do crime conexo ao crime contra a vida. Para o ministro, o rol do artigo 81, parágrafo único, do CPP não pode ser tido como taxativo – ao contrário do que sustentou a defesa da recorrente. “Se o corréu, a quem foi imputada a prática de crime contra a vida, falece ainda na primeira fase do procedimento, tal como ocorreu no caso dos autos, não há justificativa razoável para submeter o crime conexo (comum) a julgamento perante o tribunal popular, sendo certo que essa hipótese se assemelha àquelas previstas no dispositivo em comento, na medida em que afasta a competência do tribunal do júri ainda na fase do juízo de acusação”, ponderou. Leia o acórdão no REsp 2.131.258.

Segredo de justiça nas ações penais: o STJ entre o direito à intimidade e o interesse público na informação

A ação penal no Brasil, em regra, é pública ou sigilosa? A resposta mais simples é citar o princípio da publicidade dos atos processuais, previsto no artigo 5º, inciso LX, da Constituição Federal, segundo o qual a restrição ao caráter público dos processos só é justificável para proteção da intimidade ou em prol do interesse social. Entretanto, o dia a dia forense mostra que, na verdade, existem tantas ações criminais em tramitação sob segredo de justiça que a exceção, às vezes, pode soar como regra. Muitas explicações são possíveis para esse quadro, entre elas a amplitude de termos como “intimidade” ou “interesse social” – os requisitos constitucionais para que a ação seja tratada como sigilosa. É possível que o segredo processual tenha relação com o tipo de crime (em um processo sobre estupro, por exemplo, existe a preocupação de preservar a intimidade da vítima) ou com a necessidade de preservar informações protegidas constitucionalmente (resultantes, por exemplo, da quebra de sigilos bancário ou fiscal). Também há sigilo nas situações em que a publicidade pode colocar em risco a colheita de provas. Entre a publicidade como regra e o segredo como exceção, está a Justiça, à qual incumbe avaliar a pertinência – ou não – de impor o sigilo nos autos. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já se posicionou em diversas situações nas quais a restrição à publicidade em casos criminais era questionada – seja para mantê-la, seja para afastá-la. Sigilo dos dados processuais não é direito absoluto dos envolvidos Conforme explicou o ministro Francisco Falcão na APn 1.057, além do artigo 5º, inciso LX, também o artigo 93, inciso IX, da Constituição impõe que todos os julgamentos do Judiciário sejam públicos, podendo haver limitação da publicidade para a prática de determinados atos, quando for necessário preservar a intimidade dos interessados, mas desde que não seja prejudicado o interesse público à informação. “O sigilo, portanto, configura situação excepcional, razão pela qual o seu deferimento deve passar pelo crivo da ponderação dos princípios constitucionais, de acordo com as particularidades do caso concreto”, completou. No caso dos autos, segundo o ministro, os réus apresentaram argumento genérico de que a decretação do sigilo seria necessária para a proteção da sua segurança e para que não tivessem “suas vidas publicamente devassadas” e as investigações não se tornassem “verdadeiras penas antecipadas”. Contudo, para o relator, esses argumentos não eram suficientes para afastar a regra da publicidade processual. No mesmo sentido, em caso analisado pela Quinta Turma, o ministro Jorge Mussi (aposentado) apontou que, embora seja possível restringir a divulgação e o acesso a dados de processos em andamento, essa limitação é restrita às hipóteses nas quais a preservação da intimidade se sobreponha ao interesse público. “O sigilo dos dados de um processo judicial não é direito subjetivo absoluto dos envolvidos. Ao contrário, interpretando-se a norma inserta no artigo 792 do Código de Processo Penal, chega-se à conclusão de que a regra, para os processos regidos por esse diploma, é a da publicidade dos atos, que só será restringida nas hipóteses em que o acesso irrestrito puder resultar em escândalo, inconveniente grave ou perigo de perturbação da ordem”, afirmou. Sessão do júri sobre crime sexual pode ser feita sem a presença de público O artigo 234-B do Código Penal estabelece que as ações relativas a crimes contra a dignidade sexual devem correr em segredo de justiça. Na Sexta Turma, os ministros analisaram pedido do Ministério Público (MP) para que, em processo sobre homicídio, estupro de vulnerável e ocultação de cadáver, a sessão do tribunal do júri não fosse realizada sem a presença de público, conforme havia decidido o juízo de primeiro grau. Na visão do MP, o público deveria ser retirado do recinto apenas durante o depoimento de uma testemunha adolescente, também vítima de abusos, mantendo-se a publicidade do restante da sessão do júri. A relatora, ministra Laurita Vaz (aposentada), destacou que, segundo o tribunal de segunda instância, o fato de a vítima ter morrido não afastava a necessidade da preservação de sua imagem e dignidade. Além disso, seria preciso tomar o depoimento da testemunha adolescente da forma menos traumática possível. O segredo de justiça previsto no artigo 234-B do Código Penal deve se dar integralmente, estendendo-se ao processo como um todo, não prevendo distinção entre réu e vítima. Processo em segredo Ministra Laurita Vaz De acordo com a ministra, o tribunal de origem se posicionou em consonância com a jurisprudência do STJ, “segundo a qual, conquanto o princípio constitucional da publicidade dos atos processuais seja a regra, este é passível de sofrer restrições para, tal qual no caso concreto, preservar o interesse público ou a integridade e a intimidade das partes”. Identificação do nome do réu em ação penal não viola direito à intimidade Em processo sobre suposto crime de divulgação de pornografia infantil, a Quinta Turma analisou pedido do réu para que seu nome completo fosse retirado do sistema de informações da Justiça Federal (RMS 49.920). Para o ministro Reynaldo Soares da Fonseca, relator do recurso em mandado de segurança, ainda que a Resolução 121/2010 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) autorize a restrição do acesso às informações processuais em ações sigilosas, a regra não pode se sobrepor ao princípio constitucional da publicidade. A eventual decretação de uma exceção que justificaria a imposição de sigilo absoluto aos dados básicos de um processo judicial não constitui direito subjetivo da parte envolvida em processo que tramita sob segredo de justiça, demandando, ao contrário, uma avaliação particular que delimite o grau de sigilo aconselhável em cada caso concreto, avaliação essa devidamente fundamentada em decisão judicial. Processo em segredo Ministro Reynaldo Soares da Fonseca Segundo o ministro, não configura violação à intimidade a identificação, pelo nome completo, de réu maior de idade em ação penal. “Vê-se, assim, que o interesse público em acompanhar a resposta estatal na repressão de crimes é, também, perfeitamente legítimo e se sobrepõe, como regra, ao direito do réu de proteger seu nome sob sigilo”, concluiu. Questionamento sobre segredo deve ser feito no momento adequado Em habeas corpus julgado pela Sexta Turma em 2010 (HC 148.723), os ministros analisaram o pedido de nulidade de uma ação penal porque, segundo a defesa, ela teria tramitado indevidamente sob segredo de justiça. Para a defesa, o trâmite sigiloso do processo teria violado o direito do réu de ser processado e julgado publicamente. Assim – acrescentou –, não tendo sido observada a regra constitucional, a nulidade do processo seria absoluta e o prejuízo, presumido. A relatora, ministra Maria Thereza de Assis Moura, afirmou que, em nenhuma das fases da ação penal, a defesa impugnou o seu processamento em segredo. Na apelação, por exemplo, a tese defensiva foi de absolvição e, alternativamente, de exclusão da agravante de reincidência. A defesa só veio a suscitar a nulidade em habeas corpus ajuizado após o julgamento do recurso pelo tribunal de origem – o que, segundo a relatora, impõe o reconhecimento da preclusão da matéria. O simples fato de o feito ter tramitado em sigilo, com a implícita concordância da defesa, não gera qualquer nulidade. Poderia se cogitar eventual vício em situação oposta, ou seja, se não tivesse sido observado o sigilo determinado por lei. HC 148.723 Ministra Maria Thereza de Assis Moura Adicionalmente, a ministra observou que, segundo informações do processo, o trâmite em sigilo não trouxe nenhum prejuízo à defesa, a qual teve acesso normal aos autos, não havendo alegação em sentido contrário. Vítimas ou familiares podem acessar provas já documentadas no inquérito Mesmo que o inquérito policial esteja em sigilo para garantir a efetividade das investigações, a Sexta Turma considerou que a vítima ou seus familiares podem ter acesso aos elementos de prova que já foram colhidos e documentados. O caso chegou ao STJ após as instâncias ordinárias negarem o pedido de acesso às provas do inquérito pelas vítimas, sob o argumento de que a autorização resultaria em acesso a dados sigilosos de terceiros, o que, na prática, acabaria por eliminar o segredo dos autos. O tribunal de origem ainda apontou que o artigo 20 do Código de Processo Penal, em exceção ao princípio da publicidade, prevê que a autoridade policial deve assegurar, no inquérito, o sigilo necessário à elucidação dos fatos. Relator do recurso em mandado de segurança, o ministro Rogerio Schietti Cruz comentou que, embora a finalidade do sigilo seja proteger o inquérito de interferências externas e garantir a eficácia da investigação, a jurisprudência dos tribunais superiores entende que o segredo tem caráter relativo em relação às diligências finalizadas e documentadas na investigação. “Compreende-se, em suma, que o sigilo do inquérito não pode ser evocado para obstaculizar direitos e garantias fundamentais”, completou. Schietti também reforçou que, de acordo com a Súmula Vinculante 14, é direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, documentados em procedimento investigatório, tenham relação com o exercício do direito de defesa. Na mesma linha, em recurso em mandado de segurança julgado pela Quinta Turma (RMS 55.790), o ministro Jorge Mussi (aposentado) apontou que a decretação de sigilo, mesmo em caso de inquérito, depende da apresentação de razões fundamentadas que sustentem essa restrição, sob pena de inversão do princípio constitucional de ampla publicidade dos atos e das decisões administrativas e judiciais. “Esse entendimento é o que melhor se coaduna com o modelo democrático adotado pelo constituinte de 1988, distanciando-se de sistemas inquisitoriais típicos de regimes autoritários, nos quais o investigado é mero objeto das ações de repressão do Estado”, apontou Mussi. Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): APn 1057 RMS 49920 RMS 55790 HC 148723

RMS 71.903-SP

Em caso de bloqueio universal dos bens do investigado, inexistindo indícios de fraude para estabelecer os honorários em montante fictício, há obrigatoriedade de se liberar o valor integral dos honorários advocatícios acordados entre as partes, desde que não ultrapassado o limite legal de 20% do patrimônio bloqueado. Informações do Inteiro Teor A controvérsia cinge-se em definir se, em caso de bloqueio universal dos bens do investigado, há discricionariedade do magistrado para decidir o numerário a ser liberado dos valores constritos para fins de pagamento de honorários advocatícios; ou se, do contrário, há obrigatoriedade de se liberar o valor integral dos honorários acordados entre as partes, desde que não ultrapassado o limite legal de 20% do patrimônio bloqueado. No caso, as instâncias ordinárias entenderam pela possibilidade de levantamento apenas parcial dos honorários advocatícios, sob a avaliação de que o momento embrionário das investigações não recomendaria a sua liberação integral, bem como sob a interpretação de que a expressão “até 20% dos bens bloqueados”, contida no art. 24-A da Lei n. 8.906/1994, dava ao magistrado margem de liberdade para decidir pela liberação de porcentagem inferior. No entanto, tal compreensão reduz, em demasia, o espaço em que deveria imperar a autonomia privada das partes - contrato entre cliente e advogado -, dando ao magistrado o poder de definir o que seria ou não razoável e proporcional aos serviços prestados. Destarte, se o contrato conformado entre as partes estipula que o pagamento dos honorários deve ser integralmente satisfeito ao início da persecução penal, não há falar que o fato de as investigações estarem em estágio preliminar afastaria a possibilidade de liberação dos honorários advocatícios, pois tal aspecto insere-se plenamente na esfera de decisão dos contratantes. A importância do direito à defesa e da atividade da advocacia no Estado Democrático de Direito confere ao art. 24-A do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil - EAOB a interpretação que prestigia a relação - desde que, evidentemente, lícita e isenta de indícios de fraude - estabelecida entre o advogado e o seu cliente, em relação ao pagamento dos honorários advocatícios, seja em relação ao seu valor, seja em relação à sua forma (data de vencimento, parcelamento, entre outros aspectos). A única limitação prevista pelo legislador é de que a liberação dos valores para esse propósito não pode superar o montante de 20% de todo o patrimônio bloqueado. Tal implica em dizer que os honorários advocatícios podem ser, naturalmente, inferiores a 20% dos valores constritos, sendo que, nessas hipóteses, o valor levantado há de ser integral, pois não atingido o teto legal. Se o valor dos honorários superar 20% do patrimônio universal bloqueado, a liberação encontrará limite nessa porcentagem, em face da necessidade de se também garantir, por intermédio dos bens constritos, a satisfação de interesses outros, como a reparação à vítima e à restituição dos bens ilicitamente obtidos. Portanto, não cabe ao magistrado avaliar se o momento embrionário da persecução penal justifica o pagamento do valor integral dos honorários, se tal questão foi acertada em contrato entabulado entre os particulares. Por fim, havendo indicativos concretos da ocorrência de fraude entre as partes, ou seja, possível articulação entre o cliente e o advogado para estabelecer honorários em montante fictício, como forma de contornar o bloqueio realizado sobre os bens, o magistrado poderá, de forma fundamentada, excepcionar o regramento legal e determinar o levantamento de valor inferior ao artificialmente estipulado. Legislação Lei n. 8.906/1994 (Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil), art. 24-A

Falta de prova de inviabilidade da vida extrauterina leva STJ a negar permissão para aborto

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou o pedido de salvo-conduto para que uma mulher, com mais de 30 semanas de gestação, pudesse realizar procedimento de interrupção da gravidez sem ficar sujeita a processo penal pelo crime de aborto. Durante a gestação, ela descobriu que o feto tem uma alteração genética denominada Síndrome de Edwards, além de cardiopatia grave. De acordo com o relator, ministro Messod Azulay Neto, o caso não se equipara à situação dos fetos anencéfalos, cujo aborto não é considerado crime por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 54. O habeas corpus chegou ao STJ após a gestante ter seu pedido negado em primeira e segunda instâncias. Ela requeria que fosse aplicado ao seu caso, por analogia, o entendimento firmado pelo STF em relação aos fetos anencéfalos, e também alegava que o prosseguimento da gravidez traria risco à sua própria vida. Inviabilidade da vida extrauterina foi a premissa do STF O ministro Messod Azulay Neto considerou que não é o caso de aplicação da interpretação do STF na ADPF 54, pois os laudos médicos juntados ao habeas corpus não indicavam a inviabilidade – diferentemente do que acontece com um anencéfalo. E o entendimento do STF, de acordo com o ministro, “parte da premissa da inviabilidade da vida extrauterina”. “A anencefalia, doença congênita letal, pressupõe a ausência parcial ou total do cérebro, para a qual não há cura e tampouco possibilidade de desenvolvimento da massa encefálica em momento posterior. O crime de aborto atenta contra a vida, mas, na hipótese de anencefalia, o delito não se configura, pois o anencéfalo não tem potencialidade de vida. E, inexistindo potencialidade para o feto se tornar pessoa humana, não surge justificativa para a tutela jurídico-penal”, disse o relator. “Embora o feto esteja acometido de condição genética com prognóstico grave, com alta probabilidade de letalidade, não se extrai da documentação médica a impossibilidade de vida fora do útero”, completou. Legislar sobre o tema não é função do STJ Da mesma forma, Messod Azulay Neto enfatizou que não foi demonstrado o alegado risco à vida da gestante, fato que impede a aplicação da excludente de ilicitude prevista no artigo 128, inciso I, do Código Penal. “Não quero menosprezar o sofrimento da paciente. Estou fazendo uma análise absolutamente técnica, considerando que o nosso ordenamento jurídico só autoriza a realização do aborto terapêutico e o resultante de estupro, além do caso particular analisado pelo STF, que é o de anencefalia”, explicou o ministro durante o julgamento. Segundo ele, não cabe ao STJ legislar sobre o tema para criar hipóteses de aborto legal além daquelas previstas na lei ou no precedente do STF. “Eu estou aplicando puramente o direito”, declarou. Leia o processo: HC 932495

HC 817.270-RJ

É nulo o reconhecimento fotográfico realizado através da apresentação informal de foto via aplicativo de mensagens. Informações do Inteiro Teor Como consabido, a apresentação de fotografia pelo método show up é ensejadora de erros de reconhecimento e até de contaminação da memória do depoente. A situação é agravada quando o mesmo acusado que realizou o reconhecimento informal o negou em juízo. Sobre o tema, a Sexta Turma do STJ firmou recentemente novo entendimento de que o regramento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal é de observância obrigatória, e ainda assim não prescinde de corroboração por outros elementos indiciários submetidos ao crivo do contraditório na fase judicial. Com tal entendimento, objetiva-se a mitigação de erros judiciários gravíssimos que, provavelmente, resultaram em diversas condenações lastreadas em acervo probatório frágil, como o mero reconhecimento fotográfico de pessoas em procedimentos crivados de vícios legais e até psicológicos - dado o enviesamento cognitivo causado pela apresentação irregular de fotografias escolhidas pelas forças policiais -, que acabam por contaminar a memória das vítimas, circunstância que reverbera até a fase judicial e torna inviável posterior convalidação em razão do viés de confirmação. Nessa linha, a Sexta Turma desta Corte chegou ao consenso de que o prévio reconhecimento do réu por fotografia acaba por contaminar a memória da vítima, inviabilizando sua convalidação pelo posterior reconhecimento pessoal em juízo. No caso, o reconhecimento foi realizado de forma absolutamente irregular, qual seja, apresentação informal de foto via aplicativo de mensagens a um dos acusados que, posteriormente, em juízo, negou as afirmações e foi absolvido das imputações de tráfico de drogas que lhe recaíam. Logo, tal prova é imprestável para utilização no feito, bem como as dela decorrentes, por aplicação do princípio da árvore dos frutos envenenados. Por fim, a acusação não logrou êxito em demonstrar que os valores recolhidos na residência do réu seriam oriundos da atividade ilícita, ao contrário, inverteram o ônus da prova ao acusado para que comprovasse a origem lícita dos recursos, em afronta ao princípio acusatório no sistema processual penal brasileiro, que é mitigado tão somente em casos excepcionais, quando da apreensão com o réu de bens comprovadamente ilícitos, como no caso da receptação. Legislação Código de Processo Penal (CPP), art. 226

Acusado de contrabandear mais de 25 mil maços de cigarros de origem estrangeira deve continuar em prisão preventiva

Para manter a ordem pública, a 10ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) negou o pedido de um réu, preso em flagrante contrabandeando cigarros, para responder ao processo em liberdade. Uma equipe da Polícia Rodoviária Federal (PRF), ao abordar o acusado que trafegava na BR-452, na altura do município de Rio Verde/GO, localizou no interior do veículo do indiciado mais de 25 mil maços de cigarros de origem estrangeira. O relator, desembargador federal Marcus Vinícius Reis Bastos, ao analisar o caso, entendeu que o réu deve continuar em prisão preventiva estabelecida pelo Juízo Federal da Subseção Judiciária de Rio Verde/GO. Ao justificar seu entendimento, o magistrado destacou que o “fato de que o Paciente fora definitivamente condenado, por duas vezes, pelo cometimento do crime de contrabando de cigarros, aliado à circunstância de que possui outra condenação, ora pendente de exame em sede recursal, pelo cometimento de delito da mesma natureza, indica contumácia no cometimento de ilícitos penais. Sua prisão preventiva, portanto, constitui medida necessária à garantia da ordem pública, vale dizer, trata-se de providência destinada a impedir a prática de novos crimes”. A decisão do Colegiado foi unânime acompanhando o voto do relator. Processo: 1012453-05.2024.4.01.0000 Data da publicação: 24/07/2024 LC/ML Assessoria de Comunicação Social Tribunal Regional Federal da 1ª Região

Google Brasil deve fornecer dados telemáticos para apuração de crime de racismo

A Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal 3ª Região (TRF3) manteve decisão que decretou a quebra de sigilo telemático e determinou a Google Brasil Internet Ltda o fornecimento de dados destinados a investigação criminal para apurar a prática de racismo durante a transmissão de um programa na internet. Para os magistrados, a atividade de comunicação investigada ocorreu em território nacional, devendo se submeter à disciplina da jurisdição brasileira, segundo precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF), do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do próprio TRF3. A 3ª Vara Criminal Federal de São Paulo/SP havia determinado à empresa Google que fornecesse os dados cadastrais para apuração criminal, assim como o endereço IP vinculado a um usuário da plataforma “Twitch” que, no dia 26 de janeiro de 2021, teria proferido comentários racistas durante transmissão do programa “Marca Página”, então disponibilizado pelo canal “Omelete”. A “big tech” norte-americana e suas filiais brasileira e europeia entraram com mandado de segurança no TRF3 e requereram a anulação da decisão de primeiro grau. Sustentaram que o endereço eletrônico requisitado era acessado no Espaço Econômico Europeu (EEE), sob a custódia de dados da Google Ireland, constituída segundo as leis irlandesas e sujeita ao Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados da União Europeia. Alegaram ainda que houve equívoco quanto à adoção da premissa de que o Marco Civil da Internet autorizaria a requisição direta de dados. Em decisão monocrática, o relator do processo, desembargador federal Hélio Nogueira, havia indeferido o pedido de tutela de urgência mantendo as impetrantes obrigadas a executar a quebra de sigilo telemático e a pagar multa diária de R$ 5 mil na hipótese de descumprimento. Ao analisar o recurso, o colegiado manteve a decisão monocrática. “O Brasil possui jurisdição sobre fatos relacionados a comunicações eletrônicas cujos registros tenham sido objeto de coleta, armazenamento, guarda ou tratamento em território nacional, não sendo admissível que a mera opção empresarial de transferir o armazenamento de dados para Estados estrangeiros, com legislações mais protetivas, constitua fundamento suficiente a amparar a recusa em atender a ordens judiciais brasileiras”, destacou o relator. O magistrado ressaltou entendimento do STF no sentido de que a cooperação jurídica internacional não constitui via exclusiva para obtenção de dados eletrônicos armazenados em Estado estrangeiro quando há vínculos das informações com o Brasil. “O Supremo declarou também a constitucionalidade da requisição direta de dados de provedores de aplicações de internet sediados no exterior, por parte do Judiciário brasileiro, com base no artigo 11 do Marco Civil da Internet e no artigo 18 da Convenção de Budapeste sobre Crime Cibernético, por força dos princípios da soberania e da independência nacional”, disse. Por fim, o colegiado considerou legal a aplicação de multa por descumprimento da decisão judicial que determinou a quebra de sigilo de dados telemáticos necessários ao esclarecimento da investigação criminal, observados os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. “Mostra-se cabível a imposição de multa cominatória, com fulcro nos artigos 536, parágrafo 1º, e 537, ambos do Código de Processo Civil, cujas normas são subsidiariamente aplicáveis ao processo penal, por força do disposto no artigo 3º do Código de Processo Penal”, concluiu. Assim, a Décima Primeira Turma negou a concessão do mandado de segurança e julgou prejudicado o agravo interno. O caso No dia 26 de janeiro de 2021, um usuário da plataforma “Twitch”, serviço de transmissão ao vivo interativo para conteúdos de entretenimento, identificado como “abacate12345qaw”, teria proferido comentários racistas durante transmissão do programa “Marca Página”, então disponibilizado pelo canal “Omelete”. As suas declarações teriam sido expostas no espaço destinado ao “chat” dos usuários. No decorrer das investigações, foram prestadas informações cadastrais pela “Amazon Web Services” e “Amazon Serviços de Varejo do Brasil”, do grupo proprietário da plataforma “Twitch”, por meio das quais foi possível apurar que o IP utilizado para conexão pelo referido usuário seria proveniente de Lisboa (Portugal), bem como identificar o e-mail utilizado para cadastro na plataforma. Foi então determinado à empresa Google que fornecesse os dados cadastrais do usuário, assim como o IP vinculado à sua criação e os IPs vinculados ao último acesso à respectiva conta, tendo em vista que o investigado teria utilizado as credenciais da sua conta Google para ingressar na transmissão ao vivo realizada no Brasil. A Justiça Federal de São Paulo concluiu que a atividade de comunicação investigada ocorreu em território nacional, estando sujeita à jurisdição brasileira. Mandado de Segurança Criminal 5033520-35.2023.4.03.0000 Assessoria de Comunicação Social do TRF3

1012411-53.2024.4.01.0000

Habeas corpus. Crime de tráfico internacional de drogas. Ilegalidade acerca do laudo produzido utilizando-se de material produzido no exercício de auto defesa do paciente. Inexistência. Ampla dilação probatória. Inviabilidade. Distinção que não se aplica ao caso concreto. Pedido de extensão dos efeitos de decisão em habeas corpus de outro paciente. Prejudicialidade. Ordem denegada. O direito ao silêncio é reconhecido pela Constituição Federal (art. 5º, XLIII) e pelo Código de Processo Penal (art. 186). Infere-se das referidas normas que o acusado possui o direito de permanecer em silêncio ou de não se autoincriminar, sendo que, por ocasião do seu interrogatório, seja ele realizado durante a instrução processual ou até mesmo extrajudicial, poderá se calar acerca dos fatos criminosos supostamente imputados, assim como negar a autoria delitiva, sem ensejar apenação criminal ou mesmo valoração negativa das declarações postas em juízo, que poderá apenas desconsiderá-las no momento de valoração com os demais elementos de provas juntadas aos autos. As provas produzidas pelo próprio acusado e/ou investigado, desde que cientificado do seu direito ao silêncio, podem ser utilizadas contra si, não havendo necessidade de concordância expressa do acusado com o uso do seu padrão de voz para fins de identificação do possível autor do delito, inexistindo, portanto, violação ao direito a não autoincriminação. Embora a tese da impetração esteja amparada em precedente do STJ, referido acórdão foi reformado pelo STF, conforme esclarecido no voto-condutor. No caso, segundo consta das informações prestadas pela autoridade impetrada, o paciente foi expressamente cientificado do direito ao silêncio e ao de não autoincriminação e, livre de qualquer coação ou pressão, decidiu continuar o interrogatório policial, respondendo às perguntas do delegado de polícia, não havendo nulidade a ser declarada neste writ. Unânime. (HC 1012411-53.2024.4.01.0000 – PJe, rel. des. federal César Jatahy, em 23/07/2024.)

1014769-88.2024.4.01.0000

Habeas corpus. Crime previsto no art. 155, § 4º, III e IV, combinado com o art. 14, II, combinado com o art. 29, todos do Código Penal. Revogação de medida cautelar de monitoramento eletrônico. Possibilidade. Decurso de tempo. Constrangimento ilegal. Manutenção de outras medidas. A presente ordem de habeas corpus visa revogar medida cautelar – uso de monitoramento eletrônico – determinada pela autoridade impetrada, que perdura por mais de 11 meses, sem revisão periódica. No caso, o delito imputado não ostenta violência ou grave ameaça e inexiste qualquer evidência de que os pacientes não estejam colaborando com a justiça. No atual momento fático-processual, a medida de monitoramento eletrônico é inócua, pois se infere dos autos que os equipamentos não estão em pleno funcionamento, limitando-se a constranger os pacientes e a gerar, para o Estado, despesas desnecessárias de manutenção. Com efeito:“A manutenção dos pacientes com o monitoramento eletrônico, por prazo indeterminado e sem revisões periódicas, configura constrangimento ilegal e excesso de prazo, haja vista que assim como a segregação cautelar, a manutenção das cautelares alternativas não pode ocorrer de forma indefinida, de modo a transmudar-se em sanção penal sem sentença condenatória, razão pela qual o momento se mostra adequado para realizar a flexibilização de tal medida, pois, não só em se tratando de prisão preventiva, mas de qualquer medida cautelar, deve ser observado o princípio da provisoriedade.”. Precedente do STJ. Unânime. (HC 1014769-88.2024.4.01.0000 – PJe, rel. des. federal Maria do Carmo Cardoso, em sessão virtual realizada no período de 09 a 22/07/2024.)

1015086-86.2024.4.01.0000

Habeas corpus. Desvio de verbas do Sistema Único de Saúde - SUS. Competência para processar e julgar a ação penal. Interesse da União caracterizado. Competência da Justiça Federal. Art. 109, IV, da CRFB. O Supremo Tribunal Federal possui entendimento no sentido de que a Justiça Federal é competente para processar e julgar ações penais relativas a desvio de verbas do Sistema Único de Saúde, já que o fato de a verba repassada ser proveniente de recursos federais fiscalizáveis pelo TCU basta para afirmar a existência de interesse da União. Na mesma linha, o Superior Tribunal de Justiça possui julgados afirmando que as verbas repassadas pelo Sistema Único de Saúde, inclusive na modalidade de transferência “fundo a fundo”, ostentam interesse da União em sua aplicação e destinação, de modo que eventual desvio atrai a competência da Justiça Federal para conhecer da matéria, nos termos do art. 109, IV, da Constituição Federal, sendo irrelevante que a verba já tenha sido incorporada ao patrimônio estadual ou municipal. Unânime. (HC 1015086-86.2024.4.01.0000 – PJe, rel. des. federal Daniele Maranhão, em sessão virtual realizada no período de 08 a 19/07/2024.)

1011841-67.2024.4.01.0000

Habeas corpus. Paciente foragido. Direito a participar de audiência de instrução de forma remota. Inexistência. Ao paciente foi assegurado o direito de se defender amplamente da imputação que lhe foi dirigida, seja através de advogado constituído, seja pessoalmente. Restou igualmente assegurado o seu direito de presença à audiência de instrução, inclusive mediante acesso por meio remoto nas dependências do fórum da comarca onde supostamente reside. Por outro lado, a circunstância de ter o paciente mandado de prisão em aberto contra si, o que, em sua avaliação, impede o seu comparecimento ao local onde será realizado o ato, não impõe ao órgão judiciário a adoção de providências outras além das já determinadas. A cláusula do devido processo legal, CF art. 5º, não compreende o direito do investigado/acusado obter da autoridade judiciária meios que possam perpetuar o estado de descumprimento deliberado de decisão judicial (decisão que decretou a prisão preventiva do paciente). Unânime. (HC 1011841-67.2024.4.01.0000 – PJe, rel. des. federal Marcus Bastos, em sessão virtual realizada no período de 08 a 19/07/2024.)

1014087-36.2024.4.01.0000

Conflito negativo de competência. Inquérito. Crime de estelionato previdenciário e organização criminosa. Declinação de competência do Juízo Federal de Jataí para 11ª Vara Federal/GO. Especializada. Ausência de indiciamento. Competência do Juízo de Jataí. Conflito conhecido para declarar competente o juízo suscitado. Trata-se de investigação que se processa há mais de quatro anos, em autos que têm centenas de folhas e com medidas cautelares deferidas e cumpridas no juízo suscitado da 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Jataí/GO e que, antes da conclusão das investigações, deu pela competência da vara especializada em crime que envolva organização criminosa, 11ª Vara Federal/GO. Nesse quadro processual, não se justifica o declínio de competência de investigação adiantada, mas sem a conclusão dos fatos pela autoridade policial, com o indiciamento dos investigados e a confirmação da materialidade do crime de organização criminosa. O declínio da competência, neste momento processual, para outra unidade policial, de ministério público e judiciária revela-se acentuadamente improdutivo, considerando tratar-se de investigação de monta e com acervo documental não apreciado pela autoridade policial, para apuração definitiva dos fatos, sobretudo pela ausência de indiciamento, com a descrição da prática delitiva em suas elementares e a individualização das condutas, circunstâncias que não permitem concluir de forma segura pela existência ou não do delito de organização criminosa, elemento indispensável para atrair a competência excepcional da vara especializada, ora suscitante. Unânime. (CC 1014087-36.2024.4.01.0000 – PJe, rel. des. federal Daniele Maranhão, em sessão virtual realizada no período de 08 a 16/07/2024.)

1000021-27.2024.4.01.9320

Habeas corpus. Crime de tráfico transnacional de drogas. Execução penal. Decisão que determina a prisão do apenado. Fundamentação. Desnecessidade. Mandado de prisão expedido e ainda não cumprido. Expedição e encaminhamento de guia de execução definitiva. Possibilidade. Impossibilidade de apreciação de matéria afeta ao juízo da execução da pena. Supressão de instância. Ordem concedida de ofício. Inexiste ilegalidade na decisão que determina a expedição de mandado de prisão se esta decorre de sentença penal condenatória transitada em julgado. Isso porque, nos termos dos art. 674 do CPP e art. 105 da LEP, após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória que impuser pena privativa de liberdade, se o réu estiver ou vier a ser preso, o juiz ordenará a expedição de carta de guia para o cumprimento da pena. Portanto, via de regra, a expedição de guia de execução é condicionada à prisão do condenado. Ademais, é admitida a relativização do procedimento formal para a instauração do processo de execução criminal, excepcionalmente, na existência de risco de lesão irreparável ao direito de locomoção do apenado, com vistas a alcançar a racionalidade do ordenamento jurídico. Situação dos autos em que a parte impetrante demonstrou a necessidade de expedição da guia de execução, diante da possibilidade de obtenção do benefício da prisão domiciliar na execução penal decorrente do fato de que a paciente possui filho menor de 12 (doze) anos, diagnosticado com Transtorno de Espectro Autista – TEA, encontrando-se em fase de amamentação. O Superior Tribunal de Justiça entende ser possível a extensão do benefício de prisão-albergue domiciliar prevista no art. 117, III, da LEP, às sentenciadas gestantes e mães de crianças de até 12 (doze) anos de idade, ainda que em regime semiaberto ou fechado, desde que preenchidos os requisitos legais, sem a necessidade de demonstração da imprescindibilidade de seus cuidados aos infantes, eis que presumido. Não cabe a esta Corte Regional decidir acerca de eventuais benefícios cabíveis na execução penal, sob pena de incidir em indevida supressão de instância. Desse modo, o pedido para concessão do benefício de prisão domiciliar, formulado pela defesa da paciente na origem, deverá ser analisado pelo Juízo da execução da pena, após a expedição de guia de execução definitiva. Portanto, ordem de habeas corpus que se concede de ofício para determinar a imediata formação, expedição e encaminhamento da guia de execução definitiva, de modo que a defesa possa formular o pedido de benefício de prisão domiciliar perante o juízo das execuções criminais, devendo permanecer suspensa a decisão que determinou a expedição de mandado de prisão em desfavor da paciente até a análise definitiva do pleito pelo juízo competente. Unânime. (HC 1000021-27.2024.4.01.9320 – PJe, rel. des. federal César Jatahy, em 16/07/2024.)

1029506-23.2020.4.01.3400

Recurso em Sentido Estrito. Rejeição da denúncia. Ausência de pressuposto processual e de justa causa para a persecução penal. Colaborador beneficiado com imunidade. Imputação baseada exclusivamente em depoimentos de colaboradores. Ausência de elementos indiciários mínimos que demonstrem a autoria e a presença do dolo nas condutas dos acusados. A justa causa para a ação penal está relacionada com a existência de um mínimo de provas que demonstrem indícios de autoria e de materialidade do delito. Justa causa é o conjunto mínimo de indícios e provas que permitem, sem a segurança exigida no caso da sentença de condenação, avançar no juízo penal iniciando-se a persecução. Descrições de fatos isolados, não caracterizadoras, em princípio, de condutas criminosas, como a eventual prestação de assessoria à empresa, sem a necessária correspondência com a prestação de serviços, não indica conluio entre denunciado e empresa, a fim de buscar privilégios para a empresa junto ao banco público. São presunções sequer descritas, de forma a permitir o entendimento do suposto esquema criminoso. Restam nos autos apenas as palavras do colaborador, sem comprovação em elementos mínimos, que permitam antever a prática de crime. Ademais, a imputação dos crimes a um dos denunciados não veio acompanhada de outros elementos de convicção que justifiquem o recebimento da denúncia. As declarações genéricas do colaborador não estão lastreadas em um mínimo de elementos probatórios que confirmem as imputações. Os documentos utilizados para corroborar as declarações foram produzidos pelos próprios colaboradores. Unânime. (RSE 1029506-23.2020.4.01.3400 – PJe, rel. des. federal Néviton Guedes, em 16/07/2024.)

0002512-24.2010.4.01.3400

Inserção de dados falsos em sistema de informações (CP, art. 313-A). Continuidade delitiva. Processos distintos. Competência do juízo das execuções penais para unificação das penas. Precedentes do STJ, conexão. Art. 80 c/c 82 do CPP. Não cabimento. Súmula 235 do STJ. O art. 82 do CPP veda expressamente a junção de processos após a sentença condenatória, situação na qual a unidade de processos somente ocorrerá ulteriormente, para efeito de soma ou de unificação das penas. É essa a orientação do STJ, sedimentada na Súmula 235, segundo a qual a conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado. Unânime. (Ap 0002512-24.2010.4.01.3400 – PJe, rel. des. federal Solange Salgado da Silva, em 15/07/2024.)

1017452-98.2024.4.01.0000

Crime contra a honra. Ofensa desvinculada do exercício das funções da ofendida. Ação penal de iniciativa privada. Ilegitimidade do MPF para deflagrar a ação penal. Trancamento. Possibilidade. O Código Penal, na parte reservada aos crimes contra a honra, dispõe que, em regra, a ação penal é de iniciativa privada (art. 145). Não obstante, em seu parágrafo único, o citado dispositivo excepciona a regra e assevera que se procede mediante representação do ofendido (ação penal pública condicionada à representação), no caso do inciso II do art. 141 do CP (delito cometido contra funcionário público, em razão de suas funções). Na hipótese, embora não se desconheça que a vítima é servidora pública federal da Universidade Federal do Sul da Bahia, sua condição, no momento do fato, era a de aluna do Programa de Doutoramento em Estado e Sociedade da mesma Universidade, eis que buscava a concessão de uma bolsa de fomento concedida pela Fabesp, que é destinada a estudantes em geral da pós-graduação, nos termos da Resolução PPGES 01/2018. Dessa forma, não se tratando de crime contra a honra praticado em razão do exercício das funções da ofendida, vez que no momento da conduta da paciente sua condição era a de candidata à bolsa, não há que se falar em aplicação da Súmula 714 do STF. E sendo a ação penal de iniciativa privada, caberia à ofendida o oferecimento de queixa-crime, no prazo de 6 meses, contado do dia em que soube da autoria das imputações, sob pena de decadência (art. 38 do CPP e art. 103 do CP). Unânime. (HC 1017452-98.2024.4.01.0000 – PJe, rel. des. federal Daniele Maranhão, em 15/07/2024.)

ADI 5.793-DF

São inconstitucionais — por extrapolar os limites de seu poder regulamentar (CF/1988, art. 130-A, § 2º, I) — as normas processuais de caráter geral e abstrato do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) que disciplinam matéria de competência da União, tal como direito penal (CF/1988, art. 22, I). O texto constitucional outorgou ao Ministério Público o poder de requisitar diligências investigatórias e de instaurar inquérito policial (CF/1988, art. 129, VIII), contudo, tratando-se do órgão titular da ação penal pública, não lhe contemplou a possibilidade de realizar e presidir inquérito policial (1). Da competência para requisitar diligências investigatórias, portanto, não decorre a de permitir que o órgão ministerial assuma, por atos normativos internos, atribuições que o sistema jurídico não legitimou. Desse modo, a condução do inquérito deve ser sempre desempenhada pela autoridade policial. O exercício da atividade investigativa por meio de Procedimento Investigatório Criminal (PIC) legitima o poder investigatório do Parquet, mas não significa imunidade a restrições ou controles, razão pela qual ele se submete aos mesmos limites legais aplicados ao inquérito policial. Nesse contexto, a Constituição não autoriza a instauração de procedimentos de natureza abreviada, flexível ou excepcional, como as expressões “sumário” e “desburocratizado” podem sugerir. Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por unanimidade, conheceu parcialmente da ação e, nessa extensão, a julgou parcialmente procedente para (i) declarar a inconstitucionalidade das expressões “sumário” e “desburocratizado”, constantes do art. 1º, caput, da Resolução CNMP nº 181/2017 (2); e (ii) declarar a constitucionalidade do art. 2º, V, do mesmo ato normativo (3), desde que interpretado conforme a Constituição, isto é, vedando-se que o Ministério Público assuma a presidência do inquérito, na medida em que essa atribuição é privativa da autoridade policial. Em seguida, o Tribunal reafirmou as teses de julgamento fixadas no julgamento conjunto das ADIs 2.943/DF, 3.309/DF e 3.318/MG, finalizado em 02.05.2024 (vide Informativo 1135). Ademais, a fim de preservar os atos porventura já praticados, os efeitos da presente decisão foram modulados para (i) dispensar o registro para as ações penais já iniciadas e para aquelas que se encontrem encerradas; e (ii) nas investigações em curso que ainda não tenham sido objeto de denúncia, estabelecer que o registro deverá ser realizado no prazo de 60 (sessenta) dias, contados da publicação da ata de julgamento, e, uma vez efetuado, que sejam observados os prazos para a conclusão dos procedimentos investigatórios e a exigência de autorização judicial para os pedidos de prorrogação. (1) Precedentes citados: RHC 81.326, RMS 36.362, HC 96.638 e HC 90.099. (2) Resolução CNMP nº 181/2017: “Art. 1º O procedimento investigatório criminal é instrumento sumário e desburocratizado de natureza administrativa e investigatória, instaurado e presidido pelo membro do Ministério Público com atribuição criminal, e terá como finalidade apurar a ocorrência de infrações penais de iniciativa pública, servindo como preparação e embasamento para o juízo de propositura, ou não, da respectiva ação penal.” (3) Resolução CNMP nº 181/2017: “Art. 2º Em poder de quaisquer peças de informação, o membro do Ministério Público poderá: (…) V – requisitar a instauração de inquérito policial, indicando, sempre que possível, as diligências necessárias à elucidação dos fatos, sem prejuízo daquelas que vierem a ser realizadas por iniciativa da autoridade policial competente.” ADI 5.793/DF, relator Ministro Cristiano Zanin, julgamento virtual finalizado em 28.06.2024 (sexta-feira), às 23:59 INFORMATIVO STF. Brasília: Supremo Tribunal Federal, Secretaria de Altos Estudos, Pesquisas e Gestão da Informação, n. 1143/2024. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/textos/verTexto.asp?servico=informativoSTF. Data de divulgação: 02 de agosto de 2024.

0005409-15.2022.2.00.0000

CONSULTA. CGJRS. AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA. RESOLUÇÃO CNJ Nº 213/2015, ALTERADA PELA RESOLUÇÃO CNJ Nº 562/2024. MANDADO DE PRISÃO CUMPRIDO FORA DA JURISDIÇÃO DO JUIZ PROCESSANTE. NECESSIDADE DE APRESENTAÇÃO DA PESSOA PRESA AO JUÍZO DO LOCAL EM QUE OCORREU A PRISÃO. AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA POR VIDEOCONFERÊNCIA. EXIGÊNCIA DE IMPOSSIBILIDADE ABSOLUTA DE APRESENTAÇÃO DO PRESO À PRESENÇA FÍSICA DO JUIZ. NECESSIDADE DE UTILIZAÇÃO DE MEIOS CAPAZES DE GARANTIR A INCOLUMIDADE FÍSICA E PSICOLÓGICA DO CUSTODIADO. CONSULTA CONHECIDA E RESPONDIDA. 1. Trata-se de Consulta relativa à interpretação da Resolução n.º 213/2015, do Conselho Nacional de Justiça, a respeito da realização de audiência de custódia por videoconferência nas hipóteses em que a prisão ocorrer em local diverso do Juízo que a decretou. 2. A recente Resolução CNJ n.º 562/2024, que alterou o art. 13 da Resolução CNJ n.º 213/2015, previu, expressamente, a possibilidade de que, nos casos de cumprimento de mandado de prisão cautelar ou definitiva, ou de alimentos, na hipótese em que a prisão for efetivada fora da jurisdição da autoridade judicial que a decretou, a pessoa seja imediatamente apresentada ao juiz ou juíza competente do lugar em que ocorreu a prisão ou aos juiz das garantias do local da custódia, para a realização da audiência de custódia. 3. A realização da audiência de custódia de modo presencial se revela como meio dotado de maior aptidão à concretização de sua inerente finalidade, revelando-se como opção natural quando analisada na perspectiva dos documentos internacionais que tratam sobre a matéria, a exemplo do Comentário Geral nº 35 de 2014 do Comitê de Direitos Humanos da ONU. 4. Noutro giro, verifica-se que a Resolução CNJ n.º 562/2024, ao tratar das hipóteses de prisão em flagrante delito, igualmente previu a possibilidade de realização de audiência de custódia por meio de videoconferência quando houver manifesta impossibilidade de apresentação presencial da pessoa presa dentro do prazo legal. 5. Dessa forma, contanto que haja manifesta impossibilidade de apresentação presencial do preso ao juízo do local onde se efetivou a prisão, motivada por decisão devidamente fundamentada, é que se permite o emprego da modalidade de videoconferência - o qual é meio subsidiário e excepcional, admissível, notadamente, em razão de prisões que ocorram em localidades desprovidas de autoridade judiciária ou por motivos devidamente justificados. 6. Conclusão que se alinha ao resultado das ADIs n.º 6298, 6299, 6300 e 6305. 7. Em caso de emprego da modalidade prevista no art. 1º, §9º, da Resolução n.º 235/2015 nas hipóteses das exceções acima pontuadas, tem-se a necessidade de observância estrita às exigências cautelosas descritas nos §§10 a 12 daquele artigo, as quais se revelam como meios capazes de garantir a incolumidade física e psicológica do custodiado. 8. Resposta à consulta no sentido de aplicação, como regra, da norma prevista no art. 13, §2º, da Resolução CNJ n.º 213/2015, alterada pela Resolução CNJ n.º 562/2024, para que a pessoa presa seja imediatamente apresentada à presença física do juiz ou da juíza competente do lugar em que ocorreu a prisão ou do juiz das garantias do local da custódia para a realização da audiência de custódia. Somente na absoluta impossibilidade de apresentação presencial do custodiado por decisão devidamente fundamentada, é permitida a realização de audiência de custódia por videoconferência, desde que respeitados os requisitos previstos nos §§ 10 a 12 do art. 1º da Resolução CNJ n.º 213/2015, com redação dada pela Resolução CNJ n.º 562/2024. 9. Consulta conhecida e respondida. (CNJ - CONS - Consulta - 0005409-15.2022.2.00.0000 - Rel. PABLO COUTINHO BARRETO - 10ª Sessão Virtual de 2024 - julgado em 21/06/2024 ).

Absolvição criminal

Decisão judicial que declara a improcedência da acusação contra o réu, isentando-o de qualquer pena por considerá-lo inocente com base nas provas apresentadas. Decreto-Lei nº 3.689/1941 Código de Processo Penal. Aplicação provisória de interdições de direitos e medidas de segurança Art. 376. A decisão que impronunciar ou absolver o réu fará cessar a aplicação provisória da interdição anteriormente determinada. Sentença Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça: I - estar provada a inexistência do fato; II - não haver prova da existência do fato; III - não constituir o fato infração penal; IV – estar provado que o réu não concorreu para a infração penal; (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008) V – não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal; (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008) VI – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1º do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência; (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008) VII – não existir prova suficiente para a condenação. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008) Parágrafo único. Na sentença absolutória, o juiz: I - mandará, se for o caso, pôr o réu em liberdade; II - ordenará a cessação das penas acessórias provisoriamente aplicadas; II – ordenará a cessação das medidas cautelares e provisoriamente aplicadas; (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008) III - aplicará medida de segurança, se cabível. Instrução criminal Art. 397. Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos, deste Código, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar: (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008). I - a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008). II - a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade; (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008). III - que o fato narrado evidentemente não constitui crime; ou (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008). IV - extinta a punibilidade do agente. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008). Pronúncia, impronúncia e absolvição sumária Art. 415. O juiz, fundamentadamente, absolverá desde logo o acusado, quando: (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008) I – provada a inexistência do fato; (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008) II – provado não ser ele autor ou partícipe do fato; (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008) III – o fato não constituir infração penal; (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008) IV – demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime. (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008) Parágrafo único. Não se aplica o disposto no inciso IV do caput deste artigo ao caso de inimputabilidade prevista no caput do art. 26 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, salvo quando esta for a única tese defensiva. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008) Art. 416. Contra a sentença de impronúncia ou de absolvição sumária caberá apelação. (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008)

Tema 1303 do STF

Tema 1303 - Suspensão da prescrição criminal pelo sobrestamento de recursos extraordinários que aguardam o julgamento de tema de repercussão geral. Há Repercussão? Sim Relator(a): MINISTRO PRESIDENTE Leading Case: RE 1448742 Descrição: Recurso extraordinário em que se discute, à luz dos artigos 5º, II, XXXV, LIV, LV e 129, I da Constituição Federal a possibilidade de suspensão automática do prazo prescricional da pretensão punitiva penal durante o período de sobrestamento de recurso extraordinário nos tribunais de origem (art. 1.030, III, do CPC) para aguardar o julgamento de tema de repercussão geral, independente de decisão específica do ministro relator do processo selecionado como paradigma no Supremo Tribunal Federal (art. 1.035, § 5º, do CPC) determinando a suspensão de ações penais em curso que tratem da mesma controvérsia, assim como do prazo prescricional da pretensão punitiva penal, caso entenda necessário e adequado. Tese: O sobrestamento de recurso extraordinário nos tribunais de origem para aguardar o julgamento de tema de repercussão geral não suspende automaticamente o prazo prescricional de pretensão punitiva penal; O ministro relator do processo selecionado como paradigma no Supremo Tribunal Federal, caso entenda necessário e adequado, poderá determinar a suspensão de ações penais em curso que tratem de mesma controvérsia, assim como do prazo prescricional de pretensão punitiva penal.

Tema 1041 do STF

Tema 1041 - Admissibilidade, no âmbito do processo penal, de prova obtida por meio de abertura de encomenda postada nos Correios, ante a inviolabilidade do sigilo das correspondências. Há Repercussão? Sim Relator(a): MIN. MARCO AURÉLIO Leading Case: RE 1116949 Descrição: Recurso extraordinário em que se discute, considerado o artigo 5º, incisos XII e LVI, da Constituição Federal, a licitude de prova obtida mediante abertura de pacote postado nos Correios, a respaldar condenação de militar ante a prática do crime tipificado no artigo 290, § 1º, inciso II, do Código Penal Militar – tráfico de entorpecentes. Tese: (1) Sem autorização judicial ou fora das hipóteses legais, é ilícita a prova obtida mediante abertura de carta, telegrama, pacote ou meio análogo, salvo se ocorrida em estabelecimento penitenciário, quando houver fundados indícios da prática de atividades ilícitas; (2) Em relação a abertura de encomenda postada nos Correios, a prova obtida somente será lícita quando houver fundados indícios da prática de atividade ilícita, formalizando-se as providências adotadas para fins de controle administrativo ou judicial.

HC 877.943-MS

HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. BUSCA PESSOAL. ART. 244 DO CPP. FUGA DO RÉU AO AVISTAR A GUARNIÇÃO POLICIAL. FUNDADA SUSPEITA QUANTO À POSSE DE CORPO DE DELITO. CONFIGURAÇÃO. ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PROVAS LÍCITAS. ORDEM DENEGADA.1. Segundo o disposto no art. 244 do Código de Processo Penal, “A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar”.2. Por ocasião do julgamento do RHC n. 158.580/BA (Rel. Ministro Rogerio Schietti, 6ª T, DJe 25/4/2022), a Sexta Turma desta Corte Superior de Justiça, à unanimidade, propôs criteriosa análise sobre a realização de buscas pessoais e apresentou como conclusões, no que interessa: 2.1. “Exige-se, em termos de standard probatório para busca pessoal ou veicular sem mandado judicial, a existência de fundada suspeita (justa causa) - baseada em um juízo de probabilidade, descrita com a maior precisão possível, aferida de modo objetivo e devidamente justificada pelos indícios e circunstâncias do caso concreto - de que o indivíduo esteja na posse de drogas, armas ou de outros objetos ou papéis que constituam corpo de delito, evidenciando-se a urgência de se executar a diligência” […]. 2.2. “Não satisfazem a exigência legal, por si sós, meras informações de fonte não identificada (e.g. denúncias anônimas) ou intuições/impressões subjetivas, intangíveis e não demonstráveis de maneira clara e concreta, baseadas, por exemplo, exclusivamente, no tirocínio policial”.3. A Corte Interamericana de Direitos Humanos, no caso Fernandez Prieto e Tumbeiro v. Argentina, ao tratar sobre a validade de buscas pessoais, assentou que, “ante a ausência de elementos objetivos, a classificação de determinada conduta ou aparência como suspeita, ou de certa reação ou expressão corporal como nervosa, obedece às convicções pessoais dos agentes intervenientes e as práticas dos próprios corpos de segurança, o que comporta um grau de arbitrariedade que é incompatível com o art. 7.3 da CADH”. Em 11/4/2024, o Plenário do Supremo Tribunal Federal encampou essa compreensão quanto à necessidade de elementos objetivos para a busca, ao firmar a tese, no HC n. 208.240/SP, de que “A busca pessoal, independente de mandado judicial, deve estar fundada em elementos indiciários objetivos de que a pessoa esteja na posse de arma proibida, ou de objetos ou papeis que constituam corpo de delito, não sendo lícita a realização da medida com base na raça, sexo, orientação sexual, cor da pele, ou aparência física”.4. Não se desconsidera, por certo, que os agentes de segurança, em virtude da experiência adquirida durante anos no trabalho nas ruas, talvez possam ter uma certa “intuição” sobre algumas situações, da mesma forma que um magistrado com anos de carreira, em certos casos, eventualmente “sinta” quando algum réu ou testemunha está mentindo em um depoimento. Entretanto, do mesmo modo que o juiz não pode fundamentar uma decisão afirmando apenas ter “sentido” que o acusado ou testemunha mentiu em seu depoimento, também não se pode admitir que o policial adote medidas restritivas de direitos fundamentais com base somente na sua intuição ou impressão subjetiva.5. Não é possível argumentar que uma busca (fato anterior) é válida porque o réu foi preso (fato posterior) e, ao mesmo tempo, dizer que a prisão (fato posterior) é válida porque a busca (fato anterior) encontrou drogas. Se havia fundada suspeita de posse de corpo de delito, a ação policial é legal, mesmo que o indivíduo seja inocente; se não havia, a ação é ilegal, ainda que o indivíduo seja culpado.6. O cerne da controvérsia em debate é saber se a conduta de fugir correndo repentinamente ao avistar uma guarnição policial preenche ou não o requisito de fundada suspeita de corpo de delito para uma busca pessoal em via pública, nos termos do art. 244 do CPP.7. Não se ignora, naturalmente, que esta Corte vem rechaçando a validade de buscas domiciliares realizadas com base apenas no fato de o suspeito haver corrido para dentro de casa ao avistar uma guarnição policial. Também não se desconhece a recente decisão proferida sobre o tema pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no julgamento do HC n. 169.788/SP. É importante notar, porém, que, ao contrário do que noticiaram alguns veículos de informação, embora a ordem de habeas corpus não haja sido concedida pela Suprema Corte, não houve maioria no colegiado para estabelecer a tese de que a fuga do suspeito para o interior da residência ao avistar a polícia justifica, por si só, o ingresso domiciliar. Assim, por imperativo de coerência, é necessário esclarecer o motivo pelo qual essa atitude, embora não justifique uma busca domiciliar sem mandado, pode justificar uma busca pessoal em via pública. Para isso, é preciso invocar a noção de standards probatórios, os quais devem seguir uma tendência progressiva, de acordo com a gravidade da medida a ser adotada.8. Enquanto a proteção contra buscas pessoais arbitrárias está no Código de Processo Penal (art. 244) e decorre apenas indiretamente das proteções constitucionais à privacidade, à intimidade e à liberdade, a inviolabilidade do domicílio está prevista expressamente em diversos diplomas internacionais de proteção aos direitos humanos e na Constituição Federal, em inciso próprio do art. 5º, como cláusula pétrea, além de a afronta a essa garantia ser criminalizada nos arts. 22 da Lei n. 13.869/2019 e 150 do Código Penal. É bem verdade que buscas pessoais são invasivas e que algumas delas eventualmente podem ser quase tão constrangedoras quanto buscas domiciliares; no entanto, não há como negar a diferença jurídica de tratamento entre as medidas.9. O art. 5º, XI, da Constituição Federal exige, para o ingresso domiciliar sem mandado judicial - ressalvadas as hipóteses de “prestar socorro” ou “desastre” -, a existência de flagrante delito, e o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema de Repercussão Geral n. 280, reputou necessário haver “fundadas razões” prévias quanto à existência de situação flagrancial no interior do imóvel.Assim, embora o STF não haja imposto um standard probatório de plena certeza, trata-se de uma exigência elevada quanto à provável existência de flagrante delito, diante da ressaltada dimensão que a proteção domiciliar ocupa e da interpretação restritiva que se deve atribuir às exceções a essa garantia fundamental. E, ao contrário do que se dá na busca pessoal, o direito à inviolabilidade do domicílio não protege apenas o alvo de uma atuação policial, mas todo o grupo de pessoas que residem ou se encontram no local da diligência.10. Já no que concerne às buscas pessoais, apesar de evidentemente não poderem ser realizadas sem critério legítimo, o que a lei exige é a presença de fundada suspeita da posse de objeto que constitua corpo de delito, isto é, uma suspeição razoavelmente amparada em algo sólido, concreto e objetivo, que se diferencie da mera suspeita intuitiva e subjetiva.11. É possível cogitar quatro motivos principais para que alguém empreenda fuga ao avistar uma guarnição policial: a) estar praticando crime naquele exato momento (flagrante delito); b) estar na posse de objeto que constitua corpo de delito (o que nem sempre representa uma situação flagrancial); c) estar em situação de descumprimento de alguma medida judicial (por exemplo, medida cautelar de recolhimento noturno, prisão domiciliar, mandado de prisão em aberto etc.) ou cometendo irregularidade administrativa (v. g. dirigir sem habilitação); d) ter medo de sofrer pessoalmente algum abuso por parte da polícia ou receio de ficar próximo a eventual tiroteio e ser atingido por bala perdida, sobretudo nas comunidades periféricas habitadas por grupos vulneráveis e marginalizados, em que a violência policial e as intensas trocas de tiros entre policiais e criminosos são dados presentes da realidade.12. Com base nessas premissas, diante da considerável variabilidade de possíveis explicações para essa atitude, entende-se que fugir correndo repentinamente ao avistar uma guarnição policial não configura, por si só, flagrante delito, nem algo próximo disso para justificar que se excepcione a garantia constitucional da inviolabilidade domiciliar. Trata-se, todavia, de conduta intensa e marcante que consiste em fato objetivo - não meramente subjetivo ou intuitivo -, visível, controlável pelo Judiciário e que, embora possa ter outras explicações, no mínimo gera suspeita razoável, amparada em juízo de probabilidade, sobre a posse de objeto que constitua corpo de delito (conceito mais amplo do que situação de flagrante delito).13. Ademais, também não se trata de mera “suspeita baseada no estado emocional ou na idoneidade ou não da reação ou forma de vestir” ou classificação subjetiva de “certa reação ou expressão corporal como nervosa”, o que, segundo a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Fernandez Prieto e Tumbeiro v. Argentina, é insuficiente para uma busca pessoal. Fugir correndo é mais do que uma mera reação sutil, como seria o caso, por exemplo, de: a) um simples olhar (ou desvio de olhar), b) levantar-se (ou sentar-se), c) andar (ou parar de andar), d) mudar a direção ou o passo, enfim, comportamentos naturais de qualquer pessoa que podem ser explicados por uma infinidade de razões, insuficientes, a depender do contexto, para classificar a pessoa que assim se comporta como suspeita.Essas reações corporais, isoladamente, são assaz frágeis para embasar de maneira sólida uma suspeição; a fuga, porém, se distingue por representar atitude intensa, nítida e ostensiva, dificilmente confundível com uma mera reação corporal natural.14. Não se deve ignorar, entretanto, a possibilidade de que se criem discursos ou narrativas dos fatos para legitimar a diligência policial. Daí, por conseguinte, a necessidade de ser exercido um “especial escrutínio” sobre o depoimento policial, na linha do que propôs o Ministro Gilmar Mendes por ocasião do julgamento do RE n. 603.616/RO (Tema de Repercussão Geral n. 280): “O policial pode invocar o próprio testemunho para justificar a medida. Claro que o ingresso forçado baseado em fatos presenciados pelo próprio policial que realiza a busca coloca o agente público em uma posição de grande poder e, por isso mesmo, deve merecer especial escrutínio”.15. Trata-se, portanto, de abandonar a cômoda e antiga prática de atribuir caráter quase que inquestionável a depoimentos prestados por testemunhas policiais, como se fossem absolutamente imunes à possibilidade de desviar-se da verdade; do contrário, deve-se submetê-los a cuidadosa análise de coerência - interna e externa -, verossimilhança e consonância com as demais provas dos autos.16. Assim, à luz de todas essas ponderações, conclui-se que fugir correndo repentinamente ao avistar uma guarnição policial configura motivo idôneo para autorizar uma busca pessoal em via pública, mas a prova desse motivo, cujo ônus é do Estado, por ser usualmente amparada apenas na palavra dos policiais, deve ser submetida a especial escrutínio, o que implica rechaçar narrativas inverossímeis, incoerentes ou infirmadas por outros elementos dos autos.17. O exame destes autos indica que o réu, ao avistar uma viatura policial que fazia patrulhamento de rotina na região dos fatos, correu, em fuga, para um terreno baldio, o que motivou a revista pessoal, na qual foram encontradas drogas. Diante das premissas estabelecidas neste voto e da ausência de elementos suficientes para infirmar ou desacreditar a versão policial, mostra-se configurada a fundada suspeita de posse de corpo de delito a autorizar a busca pessoal, nos termos do art. 244 do CPP.18. Ordem denegada.(HC n. 877.943/MS, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, julgado em 18/4/2024, DJe de 15/5/2024.)

2294929-07.2023.8.26.0000

HABEAS CORPUS - Exceção de incompetência - Rejeição - Embora seja admitido o manejo de habeas corpus em face de decisão que rejeita a exceção de incompetência, ante a ausência de recuso próprio legalmente previsto, a concessão da ordem demanda a existência de prova pré-constituída e que o exame da matéria não se revista de complexidade incompatível com a via estreita do remédio constitucional, o que não se vislumbra no caso em tela - Se o MM. Juízo a quo afastou o reconhecimento de conexão probatória entre os processos reclamados na impetração, em decisão suficientemente fundamentada, afastar tal conclusão demandaria o aprofundado revolvimento fático-probatório, que é vedado nos limites estreitos da via do habeas corpus - Demais disto, a disposição contida no art. 76, III, do CPP não impõe, necessariamente, a reunião de processos, o que deve ser avaliado em cada caso concreto - Vale ponderar, igualmente, que o processo e julgamento dos crimes de lavagem de dinheiro independem do processo e do julgamento das infrações penais antecedentes, nos termos do art. 2º, II, da Lei nº 9.613/1998 - Precedentes do E. STJ - Denegação da ordem. (Habeas Corpus Criminal n. 2294929-07.2023.8.26.0000 - São Paulo - 2ª Câmara de Direito Criminal - Relator: Alex Tadeu Monteiro Zilenovski - 29/01/2024 - 32896 - Unânime)

Tema 220 do STF

Tema 220 - Competência do Poder Judiciário para determinar ao Poder Executivo a realização de obras em estabelecimentos prisionais com o objetivo de assegurar a observância de direitos fundamentais dos presos. Há Repercussão? Sim Relator(a) MIN. CRISTIANO ZANIN Leading Case RE 592581 Descrição Recurso extraordinário em que se discute, à luz dos artigos 1º, III; e 5º, XLIX, da Constituição Federal, se cabe, ou não, ao Poder Judiciário determinar ao Poder Executivo estadual obrigação de fazer consistente na execução de obras em estabelecimentos prisionais, a fim de que garantir a observância dos direitos fundamentais dos indivíduos por ele custodiados. Tese É lícito ao Judiciário impor à Administração Pública obrigação de fazer, consistente na promoção de medidas ou na execução de obras emergenciais em estabelecimentos prisionais para dar efetividade ao postulado da dignidade da pessoa humana e assegurar aos detentos o respeito à sua integridade física e moral, nos termos do que preceitua o art. 5º, XLIX, da Constituição Federal, não sendo oponível à decisão o argumento da reserva do possível nem o princípio da separação dos poderes.

Tema 788 do STF

Tema 788 - Termo inicial para a contagem da prescrição da pretensão executória do Estado: a partir do trânsito em julgado para a acusação ou a partir do trânsito em julgado para todas as partes. Há Repercussão? Sim Relator(a): MIN. DIAS TOFFOLI Leading Case: ARE 848107 Descrição: Recurso extraordinário em que se discute, à luz do art. 5º, II e LVII, da Constituição Federal, a recepção, ou não, pela Carta Magna de 1988 do art. 112, I, do Código Penal, segundo o qual a prescrição da pretensão executória começa a correr do dia em que transita em julgado a sentença condenatória para a acusação. Tese: O prazo para a prescrição da execução da pena concretamente aplicada somente começa a correr do dia em que a sentença condenatória transita em julgado para ambas as partes, momento em que nasce para o Estado a pretensão executória da pena, conforme interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal ao princípio da presunção de inocência (art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal) nas ADC 43, 44 e 54.

Tema 150 do STF

Tema 150 - Consideração de condenações transitadas em julgado há mais de cinco anos como maus antecedentes para efeito de fixação da pena-base. Há Repercussão? Sim Relator(a) MIN. LUÍS ROBERTO BARROSO Leading Case RE 593818 Descrição Recurso extraordinário em que se discute, à luz do art. 5º, LVII, da Constituição Federal, a possibilidade, ou não, de condenações transitadas em julgado há mais de cinco anos serem consideradas como maus antecedentes para efeito de fixação da pena-base. Tese Não se aplica ao reconhecimento dos maus antecedentes o prazo quinquenal de prescrição da reincidência, previsto no art. 64, I, do Código Penal, podendo o julgador, fundamentada e eventualmente, não promover qualquer incremento da pena-base em razão de condenações pretéritas, quando as considerar desimportantes, ou demasiadamente distanciadas no tempo, e, portanto, não necessárias à prevenção e repressão do crime, nos termos do comando do artigo 59, do Código Penal.