Art. 477 do CPP
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2021
30/11 - HC 703.912-RS
No Tribunal do Júri é possível, mediante acordo entre as partes, estabelecer uma divisão de tempo para os debates entre acusação e defesa que melhor se ajuste às peculiaridades do caso. Informações do Inteiro Teor A plenitude de defesa é um dos princípios constitucionais básicos que amparam o instituto do júri (art. 5º, XXXVIII, da CF/1988), razão pela qual é louvável a decisão do magistrado que busca efetivar tal garantia aos acusados. Entretanto, é importante que as normas processuais que regem o referido instituto sejam observadas, a fim de que sejam evitadas futuras alegações de nulidades. Dessa forma, considerado o rigor formal do procedimento do júri, não é possível que, unilateralmente, o juiz de primeiro grau estabeleça prazos diversos daqueles definidos pelo legislador, para mais ou para menos, sob pena de chancelar uma decisão contra legem. Não obstante, nada impede que, no início da sessão de julgamento, mediante acordo entre as partes, seja estabelecida uma divisão de tempo que melhor se ajuste às peculiaridades do caso concreto. O Código de Processo Civil de 2015, consagrou a denominada cláusula geral de negociação processual, ao dispor, em seu art. 190, que “Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo”. Na hipótese, à luz do disposto no art. 3º do CPP, é viável a aplicação analógica do referido dispositivo. À vista de tal consideração, ponderadas as singularidades do caso em análise, em reforço ao que já prevê o art. 477 do CPP, constata-se a viabilidade de que as partes interessadas entrem em um consenso a fim de dilatar o prazo de debates, respeitados os demais princípios que regem o instituto do júri. Informações Adicionais Doutrina Possui maior abrangência do que a ampla defesa - exigida em todos os processos criminais (art. 5º, LV, da CF/1988) -, porquanto ao acusado deve ser garantida uma defesa efetiva, que, no entendimento de Rodrigo Faucz Pereira e Silva e Daniel Ribeiro Surdi de Avelar, precisa ser “completa, perfeita, absoluta, ou seja, deve ser oportunizada ao acusado a utilização de todas as formas legais de defesa possíveis, podendo causar, inclusive, um desequilíbrio em relação à acusação” (in Manual do Tribunal do Júri, São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 138). Acerca da possibilidade aventada, leciona Walfredo Cunha Campos: […] tal dilação do discurso não traz prejuízo às partes (muito pelo contrário) e permite aos jurados ampla compreensão das teses dos tribunos e conhecimento profundo das provas dos autos, devolvendo a eles o direito de decidir com responsabilidade. É a única maneira de se respeitar o Júri como instituição: possibilitar-lhe o exercício responsável de sua competência para julgar os crimes dolosos contra a vida. Isso sem falar que, na situação de mais de dois réus acusados na mesma sessão plenária, fica mais claro ainda que a decisão de aumento do tempo de discurso das partes se coaduna perfeitamente com o princípio da plenitude de defesa. Chega-se, assim, à conclusão de que nulidade haveria (e absoluta), por menoscabo ao espírito da Lei Maior, se, a pretexto de aplicar-se a lei, com seus limites irreais de tempo de debates, fosse desrespeitado o poder de o Tribunal do Júri decidir com consciência, o dever de o Ministério Público acusar com eficiência e o direito de o advogado do réu defendê-lo com plenitude. É preferível extrapolar os limites da lei, na sua literalidade prematuramente senil (e a lei do rito do Júri parece mesmo ter nascido velha e esclerosada…), a menoscabar-se o espírito da Lei Maior. A resolução de que tratamos, claro, deve constar da ata. Esse parece ser o entendimento pelo menos de parte do STF, pois, segundo o Ministro Gilmar Mendes, diante de casos considerados excepcionais, tendo em vista, por exemplo, a complexidade da causa e a existência de diversos acusados, “não há óbice ao juiz-presidente, especialmente se tiver a concordância das partes, que assegure prazos mais largos, desde que mantida a proporcionalidade dos tempos previstos em lei, levando em conta sempre a razoabilidade e a busca da verdade real”. (in Tribunal do Júri - Teoria e Prática, 6ª edição. Disponível em: STJ Minha Biblioteca, Grupo GEN, 2018). Legislação Constituição Federal, art. 5º, XXXVIII e LV da CF/1988 Código de Processo Penal, arts. 3º e 476 a 479 Código de Processo Civil/2015, art. 190