Competência para julgamento
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2021
29/11 - HC 684.254-MG
A competência para o julgamento de crime praticado por Promotor de Justiça, em contexto que não guarda relação com as atribuições do cargo, é do Tribunal de Justiça, revelando-se inviável a extensão do entendimento exarado pelo STF na QO na AP 937. Informações do Inteiro Teor Cinge-se a controvérsia a definir se a competência para o julgamento de suposto crime praticado por Promotor de Justiça, em contexto que não guarda relação com as atribuições do cargo, é do Tribunal de Justiça, por força do disposto no art. 96, III, da Constituição Federal, ou se seria da Justiça de 1º grau, em razão da interpretação restritiva de prevalência do foro por prerrogativa de função dada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Questão de Ordem na AP 937/RJ. Inicialmente, o precedente estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da QO na AP 937/RJ não deliberou expressamente sobre o foro para processo e julgamento de magistrados e membros do Ministério Público, limitando-se a estabelecer tese em relação ao foro por prerrogativa de função de autoridades indicadas na Constituição Federal que ocupam cargo eletivo. A interpretação se corrobora tanto pelo fato de que, na Questão de Ordem no Inquérito 4.703-DF, Primeira Turma, Rel. Ministro Luiz Fux, os eminentes Ministros Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes ressalvaram a pendência deliberativa da questão, em relação aos magistrados e membros do Ministério Público (CF/88, art. 96, III), quanto pelo fato de que a Suprema Corte, em 28/5/2021, nos autos do ARE 1.223.589/DF, de Relatoria do Ministro Marco Aurélio, por unanimidade, afirmou que a questão ora em debate possui envergadura constitucional, reconhecendo a necessidade de se analisar, com repercussão geral (Tema 1.147), a possibilidade de o STJ, com amparo no artigo 105, inciso I, alínea “a”, da CF, processar e julgar Desembargador por crime comum, ainda que sem relação com o cargo. A Corte Especial do STJ reconheceu a competência do STJ para o julgamento de delito cometido por desembargador, entendendo inabalada a existência de foro por prerrogativa de função, ainda que o crime a ele imputado não estivesse relacionado às funções institucionais de referido cargo público e não tenha sido praticado no exercício do cargo. Salientou-se ser recomendável a manutenção do foro por prerrogativa de função de desembargador, perante o Superior Tribunal de Justiça, ainda que o suposto crime não tenha sido praticado em razão e durante o exercício do cargo ou função, uma vez que “o julgamento de Desembargador por Juiz vinculado ao mesmo Tribunal gera situação, no mínimo, delicada, tanto para o julgador como para a hierarquia do Judiciário, uma vez que os juízes de primeira instância têm seus atos administrativos e suas decisões judiciais imediatamente submetidas ao crivo dos juízes do respectivo Tribunal de superior instância” e que “A atuação profissional do juiz e até sua conduta pessoal, podem vir a ser sindicados, inclusive para fins de ascensão funcional, pelos desembargadores do respectivo Tribunal. Essa condição, inerente à vida profissional dos magistrados, na realidade prática, tende a comprometer a independência e imparcialidade do julgador de instância inferior ao conduzir processo criminal em que figure como réu um desembargador do Tribunal ao qual está vinculado o juiz singular”. " (QO na Sd 705/DF, Rel. Ministro Raul Araújo, Corte Especial, DJe 19/12/2018). Ainda que não haja relação de hierarquia entre promotor de justiça e magistrado de 1º grau, revela-se inviável a extensão do entendimento exarado na QO na AP 937 a promotores acusados de crimes que não guardam relação com as atribuições da função. A uma, porque a ratio decidendi do precedente da Corte Suprema teve como mote a busca de de atenuação de problema prático decorrente do fato de que eventuais diplomações sucessivas de detentores de mandatos eletivos - ou mesmo de ocupantes de cargos em comissão de investidura provisória - não raro conduzem a constantes alterações dos foros competentes, com prejuízos à efetividade da aplicação da justiça criminal, situação que não corresponde à de ocupantes de cargos vitalícios detentores de foro por prerrogativa de função. A duas, porque o comprometimento da imparcialidade do órgão julgador ou acusador não se revela apenas nas hipóteses em que juiz de 1º grau ou promotor se deparam com a situação de valorar conduta criminosa atribuída ao chefe da instituição a que pertencem. A imparcialidade indispensável para a realização da efetiva justiça criminal ainda estaria comprometida nas hipóteses em que, por dever de ofício, magistrado e membro do Ministério Público tivessem que desempenhar suas funções em processo criminal em que figurasse como réu um colega de comarca ou de promotoria, perante ainda o juízo de primeiro grau da própria comarca. A três, porque resvala na ofensa ao princípio da isonomia a restrição do alcance do foro por prerrogativa de função de magistrados e promotores (art. 96, III, da CF), quando esta Corte, em várias ocasiões, já afirmou que deve ser mantido o foro por prerrogativa de função de Desembargadores, ainda que respondam por crime não praticado em razão e durante o exercício do cargo ou função. Informações Adicionais Doutrina (1) “E os membros do Poder Judiciário e do Ministério Público? Ao menos por ora, estão fora desse novo entendimento. Até o momento do fechamento desta edição, não houve manifestação do STF sobre o tema e tem prevalecido o entendimento de que se aplicam as regras anteriores, ou seja: se alguém comete um crime (qualquer crime) hoje e posteriormente vem a tomar posse como juiz ou promotor (ou ascende pelo quinto constitucional para algum tribunal), ele adquire a prerrogativa, que valerá para qualquer crime (sem a limitação de ter que ser propter officium) até que seja exonerado ou aposentado. Assim, os juízes e promotores, por exemplo, seguem com a prerrogativa de serem julgados pelo respectivo tribunal de justiça, por qualquer crime que venham a praticar (independentemente de ser ou não em razão do cargo) e também pelos crimes cometidos antes da posse. Para eles, segue valendo a regra anterior de que, uma vez empossados, adquirem a prerrogativa inclusive para o julgamento dos crimes praticados anteriormente.” (Lopes Junior, Aury Celso L. Direito processual penal. Editora Saraiva, 2020, p. 323 - negritei) (2) “Assim, é impossível simplesmente estender a ratio decidendi da Questão de Ordem da Ação Penal n. 937/RJ para as carreiras jurídicas portadoras de garantias constitucionais, principalmente no que se refere a vitaliciedade. É de se observar, que na Petição 7.115/DF, a decisão monocrática do STF foi aplicada a um Ministro do Tribunal Superior Eleitoral que detinha cargo temporário exercido por mandato” (Caldeira, Rodrigo de Andrade Figaro. Foro por prerrogativa de função: conexão e continência. Ed Lumen Juris. Rio de Janeiro. 2020, pág 77/78 - negritei). (3) “A primeira questão a ser analisada é a do indivíduo que não goza de foro por prerrogativa de função e passa a exercer um cargo ou função - pouco importa se em razão de admissão por concurso público, de nomeação para cargo em confiança ou de eleição - para o qual seja prevista tal prerrogativa. Por exemplo, um cidadão comum que toma posse num concurso para juiz de direito ou que é nomeado Ministro ou que se elege Presidente da República. Considerando que tal indivíduo já tivesse praticado um fato tido por criminoso, antes da posse no cargo, a mudança de seu status profissional ou político implicaria mudança da competência penal? A resposta é positiva.” (Badaró, Gustavo Tadeu Ivahy. Juiz Natural no Processo Penal. Ed RT Thomson Reuters, 2019, p 273). Legislação Constituição Federal, arts. 96, III, e 105, I, “a”