Inépcia da petição inicial
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2024
18/06 - 0001249-09.2019.5.20.0011
AGRAVOS DAS RECLAMADAS. ANÁLISE CONJUNTA. RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DAS LEIS 13.015/2014 E 13.467/2017. INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL. AUSÊNCIA DE LIQUIDAÇÃO DO PEDIDO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. MÁ-APLICAÇÃO DO ART. 840, § 3.º, DA CLT. Os parágrafos 1º e 3º do artigo 840 da CLT, com redação dada pela Lei nº 13.467/2017 (Reforma Trabalhista), dispõem: ‘Art. 840 - A reclamação poderá ser escrita ou verbal. § 1°. Sendo escrita, a reclamação deverá conter a designação do juízo, a qualificação das partes, a breve exposição dos fatos de que resulte o dissídio, o pedido, que deverá ser certo, determinado e com indicação de seu valor, a data e a assinatura do reclamante ou de seu representante. (…) § 3°. Os pedidos que não atendam ao disposto no § 1° deste artigo serão julgados extintos sem resolução do mérito’. A IN 41/2018 desta Corte Superior, que dispõe sobre a aplicação das normas processuais da CLT alteradas pela Lei 13.467/2017, em seu art. 12, § 2º, preconiza que, ‘para o fim do que dispõe o art. 840, §§ 1º e 2º, da CLT, o valor da causa será estimado, observando-se, no que couber, o disposto nos arts. 291 a 293 do Código de Processo Civil’. Constata-se, portanto, que a alteração legislativa introduzida pela Lei n.º 13.467/2017 não impôs à Parte Autora o dever de liquidar cada pedido e, assim, informar precisamente o valor da causa. Por outro lado, conforme preconizado na Súmula 263/TST: ‘salvo nas hipóteses do art. 330 do CPC de 2015 (art. 295 do CPC de 1973), o indeferimento da petição inicial, por encontrar-se desacompanhada de documento indispensável à propositura da ação ou não preencher outro requisito legal, somente é cabível se, após intimada para suprir a irregularidade em 15 (quinze) dias, mediante indicação precisa do que deve ser corrigido ou completado, a parte não o fizer (art. 321 do CPC de 2015)’. No mesmo sentido, o art. 321 do CPC disciplina que: ‘O juiz, ao verificar que a petição inicial não preenche os requisitos dos arts. 319 e 320 ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, determinará que o autor, no prazo de 15 (quinze) dias, a emende ou a complete, indicando com precisão o que deve ser corrigido ou completado. Parágrafo único. Se o autor não cumprir a diligência, o Juiz indeferirá a petição inicial’. No caso dos autos, o TRT de origem acolheu a preliminar de inépcia da petição inicial suscitada pela Reclamada e extinguiu o processo sem resolução do mérito, pela inobservância do art. 840, § 1.º, da CLT. Ocorre que o Reclamante atribuiu valor à causa. Nesse contexto, reputa-se incorreta a conclusão do Tribunal Regional, pois, com suporte nos princípios da finalidade social e da efetividade social do processo, assim como nos princípios da simplicidade e da informalidade, a leitura do § 1º do art. 840 da CLT deve se realizar para além dos aspectos gramatical e lógico-formal, buscando, por uma interpretação sistemática e teleológica, o verdadeiro sentido, finalidade e alcance do preceito normativo em comento, sob pena de, ao se entender pela exigência de um rigorismo aritmético na fixação dos valores dos pedidos (e, por consequência, do valor da causa), afrontarem-se os princípios da reparação integral do dano, da irrenunciabilidade dos direitos e, por fim, do acesso à Justiça. Isso porque as particularidades inerentes ao objeto de certos pedidos constantes na ação trabalhista demandam, para a apuração do real valor do crédito vindicado pelo obreiro, a verificação de documentos que se encontram na posse do empregador, bem como a realização de cálculos complexos. A esse respeito, vale dizer que o contrato de trabalho acarreta diversificadas obrigações - o que conduz a pedidos também múltiplos e com causas de pedir distintas, de difícil ou impossível prévia quantificação. Inclusive há numerosas parcelas que geram efeitos monetários conexos em outras verbas pleiteadas, com repercussões financeiras intrincadas e de cálculo meticuloso. A propósito, o art. 324 do CPC, nos incisos II e III, excepciona a necessidade de que o pedido seja determinado, em situações em que ‘o autor (ainda) não sabe ao que, exatamente, tem direito’, permitindo assim a formulação de pedido genérico quando não for possível determinar, desde logo, as consequências do ato ou do fato e quando a determinação do objeto ou do valor da condenação depender de ato que deva ser praticado pelo réu. Assim, a imposição do art. 840, § 1º, da CLT, após alterações da Lei 13.467/2017, deve ser interpretada como uma exigência apenas de estimativa preliminar do crédito que o Reclamante entende ser devido e que será apurado de forma mais detalhada na fase de liquidação, conforme art. 879 da CLT. Julgados desta Corte. Repita-se: uma vez que os valores delimitados na petição inicial são considerados mera estimativa dos créditos pretendidos pelo Autor, e o Reclamante cumpriu o requisito legal ao apontar valor à parcela pretendida (horas in itinere e seus consectários), não há irregularidade na peça exordial a impedir a análise do feito. Não é possível exigir do Reclamante a apresentação de uma memória de cálculo detalhada, pois a reclamação trabalhista, via de regra, contém pedidos de apuração complexa. Assim, somente por ocasião da liquidação judicial, é possível a quantificação da parcela. A decisão regional, ao extinguir o feito sem resolução do mérito, incorreu em má aplicação do art. 840, § 3.º, da CLT. Portanto correta a decisão agravada, que proveu o recurso de revista do Reclamante para alterar a decisão do TRT, a qual extinguiu o processo sem resolução do mérito, e determinou o retorno dos autos ao Tribunal de origem a fim de que prossiga com a análise do mérito dos recursos ordinários que lhe foram endereçados, como entender de direito. Não há falar em remessa dos autos ao Juízo da Vara de origem para emenda da inicial, uma vez que o Reclamante já indicou valor estimado à causa. Assim sendo, a decisão agravada foi proferida em estrita observância às normas processuais (art. 557, caput, do CPC/1973; arts. 14 e 932, IV, ‘a’, do CPC/2015), razão pela qual é insuscetível de reforma ou reconsideração. Agravos desprovidos.” (TST-Ag-RR-1249-09.2019.5.20.0011, 3ª Turma, rel. Min. Mauricio Godinho Delgado, julgado em 18/6/2024)