Manutenção do valor pactuado
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2021
25/11 - REsp 1.803.803-RJ
Quando na estipulação da cláusula penal prepondera a finalidade coercitiva, a diferença entre o valor do prejuízo efetivo e o montante da pena não pode ser novamente considerada para fins de redução da multa convencional com fundamento na segunda parte do art. 413 do Código Civil. Informações do Inteiro Teor Prevalece nesta Corte o entendimento de que a cláusula penal possui natureza mista, ou híbrida, agregando, a um só tempo, as funções de estimular o devedor ao cumprimento do contrato e de liquidar antecipadamente o dano. Sobre o tema, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem admitido o controle judicial do valor da multa compensatória pactuada, sobretudo quando esta se mostrar abusiva, para evitar o enriquecimento sem causa de uma das partes, sendo impositiva a sua redução quando houver adimplemento parcial da obrigação. No entanto, não é necessário que a redução da multa, na hipótese de adimplemento parcial da obrigação, guarde correspondência matemática exata com a proporção da obrigação cumprida, sobretudo quando o resultado final ensejar o desvirtuamento da função coercitiva da cláusula penal. Isso porque, a preponderância de uma ou outra finalidade da cláusula penal implica a adoção de regimes jurídicos distintos no momento da sua redução. Com efeito, a preponderância da função coercitiva da cláusula penal justifica a fixação de uma pena elevada para a hipótese de rescisão antecipada, especialmente para o contrato de patrocínio, em que o tempo de exposição da marca do patrocinador e o prestígio a ela atribuído acompanham o grau de desempenho da equipe patrocinada. Em tese, não se mostra excessiva a fixação da multa convencional no patamar de 20% (vinte por cento) sobre o valor total do contrato de patrocínio, de modo a evitar que, em situações que lhe pareçam menos favoráveis, o patrocinador opte por rescindir antecipadamente o contrato. No caso concreto, a cláusula penal está inserida em contrato empresarial firmado entre empresas de grande porte, tendo por objeto valores milionários, inexistindo assimetria entre os contratantes que justifique a intervenção em seus termos, devendo prevalecer a autonomia da vontade e a força obrigatória dos contratos. Informações Adicionais Doutrina (1) CASSETARI, Cristiano. Multa contratual: teoria e prática da cláusula penal [livro eletrônico], 5. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. (2) Não parece, contudo, que esta seja uma justificativa juridicamente plausível para a redução determinada, tendo em vista as diversas finalidades da cláusula penal, que, de acordo com a lição de Judith Martins-Costa, não visa apenas a “(…) reparar o credor por meio da prefixacão das perdas e danos”, mas também tem por escopo “(…) estimular o devedor ao adimplemento através da ameaça de uma outra prestação que o credor terá a faculdade de exigir, ou de maneira substitutiva à prestação, a título sancionatório; ou de modo cumulativo à execução específica da prestação ou à indenização pelo inadimplemento.” (Judith Martins-Costa. Comentários ao novo código civil, vol. V, tomo II: do inadimplemento das obrigações, 2. ed., Rio de Janeiro: 2009, págs. 607-608). (3) “(…) Esse estímulo ao ‘reforço’ ao cumprimento, é bem verdade, se apresenta por meio de uma coação indireta ao devedor, de um ‘constrangimento de sua vontade, impulsionando-o ao regular cumprimento da obrigação principal, sob a coerção das conseqüências derivadas da aplicação da pena’. Assim ocorrerá, por exemplo, quando, na fixação do seu montante, determina-se um valor deliberadamente acima daquele que é previsível para o dano, justamente para que essa quantia possa funcionar como um incentivo maior do que aquele resultante da obrigação de indenizar. Tem-se, portanto, coligada à função garantista (para o credor), uma função preventiva (do inadimplemento) e dissuasória (para o devedor), ainda que não garanta, efetivamente, que a obrigação principal será cumprida e nem outorgue nenhuma preferência ao credor, como a que lhe é alcançada por uma garantia real. O papel dissuasório, em relação ao devedor, está em que este é constrangido a estimar que é mais vantajoso cumprir a obrigação do que suportar a pena.” (ob. cit., págs. 618-619). (4) “(…) Diante dessa distinção entre as espécies aponta-se à existência de certas peculiaridades na incidência do regime jurídico, o que é alcançado por via de argumentos de ordem lógica, sistemática e teleológica. Por exemplo, se a cláusula penal foi pactuada como cláusula de perdas e danos (finalidade de prévia liquidação do dano), o juízo sobre a redução do dano, previsto no art. 413, deverá ter em conta o critério da proporcionalidade, pois a natureza da cláusula é francamente indenizatória. Já se foi pactuada cláusula penal em sentido estrito, ou puramente coercitiva (finalidade compulsivo-sancionatória, visando-se gerar pressão no devedor de modo a estimulá-lo ao adimplemento), o foco está no cumprimento, e não no dano. O juízo sobre o grau da redução, portanto, atuará diferentemente quer se trate de uma ou de outra espécie. Também assim a consideração da regra do art. 416, segundo a qual não é necessário que o credor alegue prejuízo: se o devedor provar a inexistência do prejuízo haverá conseqüências diferentes caso se trate de uma cláusula penal de fixação das perdas e danos ou de uma cláusula penal em sentido estrito, como melhor apontaremos nos comentários àquela regra, conquanto, a depender do regime adotado e estando diante de uma cláusula de fixação antecipada de indenização, a prova do devedor quanto à ausência de dano, por exemplo, possa repercutir na exigibilidade e na revisão da cláusula.” (ob. cit., págs. 622-623). (5) “(…) Vimos que, nos mais arcanos significados, está a eqüidade como correção da lei em atenção às particularidades do caso concreto em tudo o que a lei se revele insuficiente em seu caráter universal. Daí passou a eqüidade a denotar as idéias de ’temperamento’ ao que é demasiadamente inflexível valendo como correção ao que é injustamente rígido, amoldando a solução jurídica às particularidades do caso concreto como a régua de Lesbos adapta-se à forma da pedra. Aqui se põe, pois, a eqüidade como correção da lex privata, isto é, do contrato, por meio de um poder interventor unidimensional, isto é: deve o juiz reduzir, tão-somente, a pena quando ela é manifestamente excessiva, mas não ‘renegociar’ a cláusula pelas partes. A noção de razoabilidade é fluida como são comumente os standards, porém, não é indeterminável. O que é irrazoável deve poder ser objetivamente apurado, conforme o contexto significativo (fático e jurídico) em que inserido o contrato, segundo critérios racionalmente apreensíveis, pois essa é também uma noção relacional, tal qual a de ‘abusividade’, sendo ‘irrazoável’ (no sentido de não-eqüitativo) o que é ‘desmedido’ ou ’excessivo’ tendo em conta certo ponto de equilíbrio dado pela compreensão do contrato em suas concretas circunstâncias contextuais. Assim, é preciso atenção aos requisitos de incidência da regra, pois o mandamento de eqüidade (como razoabilidade) significa vedação ao excesso, mas nunca um passaporte para a livre produção de sentidos pelo órgão jurisdicional, estando firmemente atado à implementação de certos requisitos averiguáveis, por sua vez, por meio de elementos objetivos que funcionam como bússolas para o intérprete. (…) Excessivo é o exorbitante do comum, do adequado para certa situação em certo momento e local, é o excepcional, tendo-se em conta o que ’normalmente acontece’. Sendo próprio da cláusula penal (notadamente na função de compelir ao pagamento) consignar um valor superior ao da prestação cujo inadimplemento visa prevenir, não é, pois, qualquer superioridade no valor da pena que induzirá à revisão. Essa revisão só se justificará em face de um valor de per si exorbitante, isto é: ‘manifestamente excessivo’, considerando-se ‘manifesto’ aquilo que não é implícito ou sugerido, antes saltando aos olhos, evidenciando-se com clareza palmar segundo padrões de experiência comum aplicados ao caso concreto. A noção assemelha-se, portanto, a de abuso no sentido dicionarizado de ‘uso excessivo, exorbitância de atribuições ou poderes’, ‘descomedimento’, e, igualmente, no sentido etimológico (abusas = abuti), isto é, ‘fazer mau uso’, a saber: mau uso das funções e finalidades a que a cláusula penal, como legítimo instituto jurídico, está vocacionada.” (ob. cit., fls. 697-699) (6) “(…) a adstrição à natureza e à finalidade determina que a revisão seja processada - ou não - à luz das circunstâncias do caso e da finalidade do negócio, finalidade concreta, a ser averiguada cuidadosamente na declaração negocial situada, compreendida ’no complexo unitário de seus motivos e circunstâncias’, entre as quais está a nacionalidade econômica subjacente ao ajuste. (…) Antes de mais é necessário precisar a ambiência em que pactuado o contrato: trata-se de um ajuste de Direito Civil ou de Direito Comercial? Trata-se de um contrato de compra e venda entre particulares que se esgota em si mesmo? Ou de um contrato agrário, inserido numa verdadeira cadeia ou ‘galáxia’ contratual cujo inadimplemento terá reflexos nos demais elos da cadeia, inclusive podendo conduzir à inutilidade de alguns dos negócios nela inseridos? Atine apenas a relações de direito interno ou comporta uma ambiência internacional? Tenhamos presente que cada um desses campos tem a sua ’lógica peculiar’. Nas relações de Direito Comercial, por exemplo, ressalta o seu ’talho prático’, elemento modelador da sua estrutura jurídica e da sua especial racionalidade econômica, de modo que a racionalidade do agente econômico ‘é também fator determinante na interpretação contratual’. Isto não significa, em absoluto, em uma sujeição do Direito ao determinismo econômico, em curvar-se a normatividade à facticidade, mas, tão-somente, na consideração do que normalmente acontece (id quod plerunque accidit) relativamente a determinado tipo de negócio em determinado segmento econômico-social (‘mercado’), na medida em que os mercados são ’estatutos normativos’ que têm a sua ’normalidade’ específica ao segmento considerado: financeiro, imobiliário, bancário, automotivo etc. Esta sua contextual ’normalidade implica calculabilidade e previsibilidade e, portanto, em geração de legítimas expectativas. Os riscos assumidos pelos contratantes atinem, portanto, a essas legítimas expectativas face ao que ’normalmente acontece’. A determinação da lei no sentido de ser considerada, para a redução da cláusula penal, ‘a natureza e a finalidade do negócio’, afasta, assim, a adoção de critérios fixos e idênticos para todas as espécies e modalidades de cláusula penal, dirigindo o intérprete, à busca da racionalidade econômica do negócio; à identificação das estratégias das partes, incluindo elementos não-econômicos; à consideração ao que é habitual no segmento econômico em que situado o contrato bem como à natureza e às características do contrato (por exemplo, se formado por adesão ou após processo negociatório, se pactuado entre contraentes situados num patamar de relativa igualdade ou se há manifesta assimetria contratual) etc. Em suma: a excessividade manifesta há de ser apurada de forma relacional à natureza do negócio à finalidade do negócio. Isto significa dizer que não haverá um ‘metro fixo’ para medir a excessividade. O juízo é de ponderação, e não de mera subsunção, atendendo-se às ‘circunstâncias do caso’.” (ob. cit., fls. 699-701). Legislação Código Civil, art. 413 e 416