Previdência complementar aberta
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2021
25/10 - REsp 1.656.161-RS
A partir da vigência da Circular/SUSEP n. 11/1996, é possível ser pactuado que os reajustes dos benefícios dos planos administrados pelas entidades abertas de previdência complementar passem a ser feitos com utilização de um Índice Geral de Preços de Ampla Publicidade (INPC/IBGE, IPCA/IBGE, IGPM/FGV, IGP-DI/FGV, IPC/FGV ou IPC/FIPE). Na falta de repactuação, deve incidir o IPCA-E. Informações do Inteiro Teor A questão controvertida consiste em saber se, com o advento do art. 22 da Lei n. 6.435/1977, é possível a manutenção da utilização da Taxa Referencial (TR), por período indefinido, como índice de correção monetária de benefício de previdência complementar operado por entidade aberta. O advento da Lei n. 6.435/1977 trouxe ao ordenamento jurídico disposições cogentes e o claro intuito de disciplinar o mercado de previdência complementar, protegendo a poupança popular, e estabelecendo o regime financeiro de capitalização a disciplinar a formação de reservas de benefícios a conceder. Destarte, o art. 22, parágrafo único, da Lei n. 6.435/1977 deixa expresso que os valores monetários das contribuições e dos benefícios dos planos de previdência complementar aberta sofrem correção monetária, e não simples reajuste por algum indexador inidôneo. Tal norma tem eficácia imediata, abrangendo até mesmo os planos de benefícios já instituídos, em vista da inexistência de ressalva e do disposto nos arts. 14 e 81 do mesmo Diploma, disciplinando que não só os benefícios, mas também as contribuições, sejam atualizados monetariamente segundo a ORTN, ou de modo diverso, contanto que instituído pelo Órgão Normativo do Sistema Nacional de Seguros Privados. Nessa toada, em se tratando de contrato comutativo de execução continuada, em linha de princípio, não se pode descartar - em vista de circunstância excepcional, imprevisível por ocasião da celebração da avença -, que possa, em estrita consonância com a legislação especial previdenciária de regência, provimentos infralegais do órgão público regulador e anuência prévia do órgão fiscalizador, ser promovida modificação regulamentar (contratual), resguardando-se, em todo caso, o valor dos benefícios concedidos. Na verdade, a doutrina anota que nos contratos as partes nem sempre regulamentam inteiramente seus interesses, deixando lacunas que devem ser preenchidas. Além da integração supletiva, cabível apenas diante de lacunas contratuais, há a denominada integração cogente. Esta se opera quando, sobre a espécie contratual, houver normas que devam obrigatoriamente fazer parte do negócio jurídico por força de lei. São normas que se sobrepõem à vontade dos interessados e integram a contratação por imperativo legal. Em outro prisma, no multicitado e histórico julgamento da ADI 493, Relator Ministro Moreira Alves, realizado em 1992, o Plenário do STF já apontava ser a TR índice inadequado para correção monetária, estabelecendo balizas para o alcance até mesmo de lei de ordem pública (cogente) nos efeitos futuros de contratos celebrados anteriormente a ela (retroatividade mínima). Ademais, o Plenário virtual do STF, em sessão encerrada em 9 de novembro de 2019, julgando a ADI n. 5.348, Relatora Ministra Cármen Lúcia, declarou a inconstitucionalidade do art. 1º-F da Lei n. 9.494/1997, alterado pela Lei n. 11.960/2009, que estabeleceu a aplicação da Taxa Referencial da poupança como critério de atualização monetária nas condenações da Fazenda Pública, determinando a utilização do IPCA-E. Com efeito, é imprestável ao fim a que se propõe benefício previdenciário de aposentadoria que sofra forte e ininterrupta corrosão inflacionária, a ponto de os benefícios, no tempo, serem corroídos pela inflação. Ora, a correção monetária não é um acréscimo que se dá ao benefício de caráter alimentar previdenciário, e a Súmula 563/STJ esclarece que o CDC é aplicável às entidades abertas de previdência complementar. Assim, o art. 18, § 6º, III, do CDC dispõe que são impróprios ao consumo os produtos que, por qualquer motivo, se revele inadequados ao fim a que se destinam. Já o art. 20, § 2º, estabelece que são impróprios os serviços que se mostrem inadequados para os fins que razoavelmente deles se esperam, bem como aqueles que não atendam as normas regulamentares de prestabilidade. Registre-se, por fim, que o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), medido mensalmente pelo IBGE, foi criado para aferir a variação de preços no comércio ao público final, com renda mensal entre 1 e 40 salários mínimos. É utilizado pelo Banco Central como índice oficial de inflação do País, inclusive para verificar o cumprimento da meta oficial de inflação. Informações Adicionais Doutrina (1) Em vista da importância da previdência privada como elemento de suplementação da previdência pública oficial e de formação de poupança nacional, a atividade exercida pelo setor sofre forte regulação específica do Estado, inclusive de ordem infralegal (DIAS, Eduardo Rocha; MACÊDO, José Leandro Monteiro de. Curso de direito previdenciário. São Paulo: Método, 2008, p. 661). (2) Observância do cálculo atuarial - Desde a instituição, antes da aprovação da entidade, o empreendimento deve ter a assistência técnica do atuário (Nota Técnica). No curso da administração, a presença do matemático é frequente e indispensável à segurança e equilíbrio do plano. O pensamento do executante concentra-se nas normas contábeis, atuariais e jurídicas. Por determinação do art. 23 da LBPC, a cada balanço, os planos de benefícios deverão ser apreciados por atuário ou instituto habilitado. […] O legislador busca frear as ações do administrador, opondo-se ao sistema oficial, onde tecnicamente prevalecente regime de repartição simples, mas, na verdade, orçamentário ou de caixa. (MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de direito previdenciário. 4 ed. São Paulo: LTR, 2011, p. 1.246 e 1.258-1.262). (3) “[n]ão ameaçado por desequilíbrio nem presente factum principis ou outro motivo importante, mantendo-se o plano como originariamente concebido pelo atuário, realizando-se a receita integralmente e comportando-se a massa exatamente como idealizada, não há razão para modificá-lo nem se justifica juridicamente” (MARTINEZ, Wladimir Novaes. Pareceres selecionados de previdência complementar. São Paulo: LTR, 2001, p. 29). (4) a doutrina anota que nos contratos as partes nem sempre regulamentam inteiramente seus interesses, deixando lacunas que devem ser preenchidas. Além da integração supletiva, cabível apenas diante de lacunas contratuais, há a denominada integração cogente. Esta se opera quando sobre a espécie contratual houver normas que devam obrigatoriamente fazer parte do negócio jurídico por força de lei. São normas que se sobrepõem à vontade dos interessados e integram a contratação por imperativo legal (NADER, Paulo. Curso de direito civil: contratos. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, pp. 73-74). (5) reservas de benefícios a conceder são as reservas matemáticas que se vão acumulando durante o período de contribuição, constituindo elas “a diferença entre o valor atual apurado atuarialmente das obrigações futuras das entidades, com pagamento de benefícios, e o valor atual, também apurado atuarialmente, das contribuições vencidas previstas para constituição dos capitais de cobertura dos mesmos benefícios”. Bem assim, o suporte do custeio, na previdência complementar, significa o pagamento efetuado, propiciando a cobertura prevista no plano de benefícios (PÓVOAS, Manuel Sebastião Soares. Previdência privada: filosofia, fundamentos técnicos, conceituação jurídica. 2. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2007, pp. 181, 187, 423 e 424). (6) Para dar transparência e administrar os recursos, o fundo de pensão cria duas contas: a reserva de poupança e a reserva matemática. A reserva de poupança é o que o participante contribui somado ao que o patrocinador coloca, e tudo é atualizado ou corrigido mensal ou anualmente por um índice já previamente estabelecido no estatuto ou no regulamento de benefícios. A reserva matemática ou reserva de benefícios a conceder, por seu turno, é o valor que é provisionado (separado e identificado) para fazer frente ao pagamento de todas as mensalidades de complementação de aposentadoria e eventuais pensões. Não necessariamente é o mesmo montante da contribuição feita pelo participante, ou sua reserva de poupança. Se ele está longe de se aposentar, sua reserva de benefícios a conceder é menor. Perto de se aposentar é maior, porque nesse momento o fundo de pensão tem a obrigação de separar o montante necessário para fazer frente aos benefícios a serem concedidos. (Massami Uyeda, in Reflexões sobre a complementação de aposentadoria. Revista Justiça & Cidadania. n. 133, 2011, p. 40). (7) a mudança de valor aquisitivo da moeda, há muito ensina que seria “comutativamente injusto que - à grande distância no tempo - o credor recebesse menos em valor do que aquilo que levou em conta ao aceitar a oferta que lhe fizera” (Pontes de Miranda, in Tratado de Direito Privado, Tomo XXVI, Campinas: Editora BookSeller, 2003, p. 374). Legislação Código de Defesa do Consumidor, art. 18, § 6º, III,; Código de Defesa do Consumidor, art. 20; Lei Complementar n. 109/2001, art. 3º, III; Lei n. 6.435/1977, art. 3º; Lei n. 6.435/1977, art. 9º; Lei n. 6.435/1977, art. 14; Lei n. 6.435/1977, art. 22; Lei n. 6.435/1977, art. 24; Lei n. 6.435/1977 art. 43; Lei n. 6.435/1977, art. 81; Lei n. 9.494/1997, art. 1º-F. Súmulas Súmula 563/STJ. Precedentes Qualificados Supremo Tribunal Federal: ADI n. 493, rel. Min. Moreira Alves, Tribunal Pleno. ADI n. 3.460 ED, rel. Min. Teori Zavascki, Tribunal Pleno, julgado em 12/02/2015, DJe 12/03/2015. ADI n. 5.348, rel. Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno.