Relação de subordinação entre pais e filhos
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2024
01/07 - 0703855-63.2022.8.07.0014
Relação de subordinação entre pais e filhos – excesso no poder disciplinar – crime de maus-tratos. Considerada a relação de subordinação entre pais e filhos, o excesso no poder disciplinar exercido pelo pai configura abuso dos meios de educação e ensino, fato caracterizador do crime de maus-tratos, sobretudo quando resulta em ofensa à integridade física da criança, ainda que se tenha como legítimo o direito de corrigir o menor. Na origem, um pai foi denunciado pelo Ministério Público pela prática do crime de maus-tratos contra seus filhos, em contexto de violência doméstica contra criança (art. 136, § 3º, do Código Penal, na forma do art. 2º, I e II, da Lei 14.344/2022 (Lei Henri Borel) c/c o art. 4º, I, da Lei 13.431/2017). Segundo o órgão ministerial, o acusado teria desferido alguns chutes no filho e dado um pisão na filha, em razão de terem-se recusado a acompanhá-lo no dia reservado à visita. O juízo singular condenou o réu à pena de dois meses e vinte dias de detenção, no regime aberto, concedendo a suspensão condicional da pena. Irresignado, o pai interpôs apelação. Ao apreciarem o recurso, os desembargadores esclareceram que não apenas a mãe da criança relatou a reação desproporcional do réu, o qual revidou fortemente a uma brincadeira do filho de cinco anos, mas também a filha menor confirmou o fato, por meio de depoimento especial. Com efeito, os julgadores destacaram que o chute no menor fora comprovado por laudo de exame de corpo de delito, o qual indicou lesões contusas na perna da criança. Nesse sentido, os julgadores ponderaram que o pai abusara dos meios de correção e disciplina inerentes ao poder patriarcal, valendo-se de meios imoderados para repreender a criança. Nessa perspectiva, a turma reconheceu as elementares do crime de maus-tratos, haja vista a relação de subordinação havida entre o pai e as crianças, em razão do exercício de autoridade, guarda e vigilância, situação desvirtuada pelo abuso nos meios de correção com o alegado intuito de correção e ensino. Dessa forma, ainda que considere legítimo o direito de correção dos filhos, em razão do excesso no poder disciplinar, o qual resultou na ofensa à integridade física do menor, o Colegiado negou provimento ao recurso, para manter a condenação. Acórdão 1881907, 07038556320228070014, Relatora: Des.ª GISLENE PINHEIRO, Primeira Turma Criminal, data de julgamento: 20/6/2024, publicado no DJe: 1º/7/2024.