Superendividamento
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2024
19/06 - 0713371-81.2024.8.07.0000
Abusividade dos descontos – violação da noção de crédito responsável – mínimo existencial Nas situações de superendividamento, os descontos de parcelas de empréstimos bancários comuns em conta-corrente devem ser limitados a percentual que resguarde o princípio da dignidade da pessoa humana, como forma de assegurar o mínimo existencial do devedor, permitindo a manutenção de suas necessidades básicas. Servidora pública interpôs agravo de instrumento contra o indeferimento de tutela de urgência, por meio do qual pleiteou a limitação dos descontos decorrentes de empréstimos a 35% dos seus rendimentos. Na análise do recurso, os desembargadores esclareceram que não há limite para descontos nas parcelas mensais em conta-corrente nos empréstimos comuns, quando autorizados pelo mutuário, pois prevalece, no caso, a autonomia da vontade dos contratantes. Segundo os julgadores, a pretendida limitação é destinada especificamente aos empréstimos consignados, conforme decisão em precedente qualificado consolidado no Tema 1085 do Superior Tribunal de Justiça. Todavia, ante o princípio da dignidade da pessoa humana, os magistrados ponderaram pela preservação do mínimo existencial do devedor superendividado. Além disso, há de se observar em relação aos empréstimos comuns a noção de crédito responsável, derivado do princípio da boa-fé objetiva e, por conseguinte, dos deveres de lealdade, transparência, informação adequada, cuidado e, inclusive, o aconselhamento ao consumidor. Com efeito, afirmaram ser essencial garantir que o devedor possa manter suas necessidades básicas e as de sua família, em atenção ao princípio da dignidade da pessoa. Para os julgadores, é necessário distinguir a aplicação da tese fixada pelo STJ dos casos de efetivo superendividamento, que ocorrem quando o nível de dívida extrapola a razoabilidade da possibilidade de pagamento, como reflexo do exercício pleno da liberdade e do direito de escolha por parte do consumidor. No caso, verificaram a retenção da integralidade do salário da agravante para pagamento de contratos de concessão de crédito e encargos financeiros, situação violadora da noção de crédito responsável, lealdade e transparência. Dessa forma, a turma deu parcial provimento ao recurso, para limitar em 35% da renda bruta os descontos realizados em conta-corrente. Acórdão 1875153, 07133718120248070000, Relator: Des. LEONARDO ROSCOE BESSA, Sexta Turma Cível, data de julgamento: 5/6/2024, publicado no DJe: 19/6/2024.17/06 - 0709213-96.2023.8.07.0006
Limitação de descontos – mínimo existencial. Para a viabilidade da elaboração de plano judicial compulsório, o pagamento proposto na planilha de repactuação deve assegurar a quitação dos débitos dentro do prazo legal de cinco anos, corrigidos monetariamente pelos índices oficiais, limitados os descontos, de modo a assegurar o mínimo existencial do devedor. Na origem, consumidora ingressou em juízo contra o Banco de Brasília - BRB, com intuito de repactuar dívidas, limitar descontos a 40% de seus rendimentos e impedir deduções em conta-corrente que superassem a margem consignável. Em sentença, o magistrado singular declarou a ilegitimidade passiva do réu em relação à dívida do cartão de crédito e julgou improcedente o pedido. Na análise da apelação interposta pela autora, os desembargadores, inicialmente, reconheceram a legitimidade passiva do apelado, uma vez que o cartão de crédito é administrado pelo banco-réu, que integra cadeia de atribuições com outras entidades financeiras, motivo pelo qual, nos termos da legislação consumerista, há responsabilidade solidária pelos danos oriundos de eventual falha na prestação dos serviços. Quanto ao mérito, asseveraram que superendividamento é a impossibilidade manifesta de o consumidor, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, considerada a contraposição entre a renda total mensal do consumidor e as parcelas das dívidas a vencer no mês. No caso concreto, os magistrados verificaram que os empréstimos abatidos no contracheque da autora resultam em 23,69% da renda bruta. Desse modo, concluíram que, preservados mais de 30% da remuneração para manutenção do mínimo existencial, a consumidora demonstra capacidade financeira para honrar os compromissos assumidos. Assim, entenderam não preenchidos os pressupostos para abertura do processo por superendividamento. Além disso, aduziram que os mútuos bancários mediante pagamento com desconto em conta-corrente não constituem objeto de legislação específica, pois são negócios jurídicos autônomos e independentes, firmados livremente entre o titular da conta-salário e a instituição financeira, de sorte que não subsiste qualquer tentativa de vinculação ao lançamento em contracheque. Sobre a questão, o colegiado destacou jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – STJ segundo a qual são lícitos os descontos de parcelas de empréstimos bancários comuns em conta-corrente, ainda que utilizada para recebimento de salários, desde que previamente autorizados pelo mutuário e enquanto essa autorização perdurar, não sendo aplicável, por analogia, a limitação prevista no § 1º do art. 1º da Lei 10.820/2003, que disciplina os empréstimos consignados em folha de pagamento (Tema 1085). Por outro lado, os julgadores constataram que o pagamento proposto na planilha de repactuação não quita o valor principal das dívidas dentro do prazo legal, o que inviabiliza a elaboração de plano judicial compulsório. Com isso, a turma, por maioria, deu provimento ao recurso apenas para reconhecer a legitimidade passiva da instituição financeira e julgou improcedentes os pedidos. O voto vencido defendeu a cassação da sentença, com retorno dos autos à origem, a fim de adotar o procedimento especial para repactuação das dívidas. Acórdão 1873132, 07092139620238070006, Relator: Des. FERNANDO ANTONIO TAVERNARD LIMA, Segunda Turma Cível, data de julgamento: 29/5/2024, publicado no DJe: 17/6/2024.14/06 - 0733069-07.2023.8.07.0001
Indeferimento da petição inicial – repactuação de dívidas – esboço de pagamento. Na ação proposta com base em superendividamento, cabe ao consumidor, na primeira etapa, apresentar o plano de pagamento, como condição de procedibilidade da demanda, em atenção aos requisitos do art. 104-A do Código de Defesa do Consumidor. A viabilidade da proposta, com eventual exclusão de encargos, constitui o mérito da pretensão, razão pela qual não justifica o indeferimento da inicial. Consumidor ingressou em juízo contra credores, com pedido de repactuação de dívidas, e, mesmo tendo apresentado a emenda da inicial, cumprindo determinação do juízo singular, o processo foi extinto, sem a resolução do mérito, porque o plano não teria especificado o valor originário, nem a redução dos encargos aplicados em cada contrato. Na análise da apelação interposta pelo autor, os desembargadores asseveraram que a proposta de pagamento apresentada cumpriu minimamente as exigências legais, ao descrever o valor principal da dívida, e indicar o esboço de pagamento. Esclareceram que a viabilidade da proposta em relação à incidência ou não de encargos sobre o valor devido é matéria afeta ao mérito, a ser apreciada na segunda fase, caso não obtida a conciliação. Com base em entendimento jurisprudencial do tribunal, enfatizaram que o tratamento do superendividamento ocorre em um sistema binário, segundo o qual, na primeira fase ou fase preventiva, é tentada a conciliação em bloco, enquanto na segunda fase, necessariamente judicial, instaura-se o processo para revisão, mediante a integração dos contratos e repactuação das dívidas remanescentes, mediante plano judicial compulsório. Com isso, a turma deu provimento ao recurso para cassar a sentença e determinar o prosseguimento do feito. Acórdão 1867175, 07330690720238070001, Relator: Des. FERNANDO HABIBE, Quarta Turma Cível, data de julgamento: 29/5/2024, publicado no DJe: 14/6/2024.12/06 - 0709795-80.2024.8.07.0000
Ação de repactuação de dívidas – audiência de conciliação global com credores – tutela provisória de urgência, A repactuação de dívidas por superendividamento pressupõe a adoção de rito específico em que se deve oportunizar, inicialmente, a conciliação entre credores e o devedor, o qual deverá apresentar proposta de plano de pagamento com prazo máximo de cinco anos. Portanto, antes da fase conciliatória, revela-se inviável o deferimento de antecipação de tutela para limitar descontos de parcelas de empréstimos, sob pena de subverter a sistemática estabelecida pelo Código de Defesa do Consumidor, voltada justamente para a renegociação dos débitos. Um devedor propôs ação de repactuação de dívidas em razão de superendividamento contra duas instituições financeiras, alegando que os empréstimos pagos por meio de consignação no contracheque e de débito em conta-corrente comprometem a subsistência de sua família por representarem 100% da renda percebida por ele. Apresentou, por isso, pedido de antecipação de tutela para limitação dos pagamentos da dívida em até 30% do seu salário líquido. O juízo singular indeferiu o pedido, razão pela qual o requerente, irresignado, interpôs agravo de instrumento. No exame do recurso, os desembargadores enfatizaram a necessidade de cautela nesse momento processual para decidir sobre suspensão liminar do pagamento de empréstimos bancários contratados livremente, mediante autorização prévia e expressa do agravante. Isso porque, segundo os magistrados, o limite de 30% da renda do devedor, estabelecido para consignados, não deve abranger a amortização de outras dívidas, como as de cartão de crédito e outros empréstimos com desconto em conta-corrente previamente autorizado pelo agravante, em consonância com o Tema 1085 do Superior Tribunal de Justiça. Além disso, os julgadores enfatizaram que a ação de repactuação de dívidas nos casos de superendividamento deve obedecer a rito próprio, em que, primeiramente, há a oportunidade de conciliação entre os credores e o devedor, o qual deve propor plano de pagamento com prazo máximo de cinco anos, preservando-se o mínimo existencial, em observância aos arts. 104-A, caput, e 104-B, § 4º, do Código de Defesa do Consumidor. Nesse sentido, a turma ponderou que o deferimento imediato da tutela de urgência, para limitar os descontos das parcelas das dívidas, significaria malferir o próprio rito especial escolhido pelo autor com vistas à repactuação. Dessa forma, por não ter sido realizada a audiência de conciliação global com os credores, o colegiado negou provimento ao recurso. Acórdão 1871136, 07097958020248070000, Relator: Des. JOSE FIRMO REIS SOUB, Oitava Turma Cível, data de julgamento: 6/6/2024, publicado no DJe: 12/6/2024.05/06 - 1000608-87.2023.8.26.0094
CONTRATO BANCÁRIO - Ação de repactuação de dívidas por superendividamento, com fundamento na Lei Federal n. 14.181/2021 - Improcedência - Preliminar de falta de interesse de agir arguida em contrarrazões afastada - Código de Defesa do Consumidor - Incidência da Súmula n. 297 do Superior Tribunal de Justiça - Procedimento bifásico - Necessidade de observância ao previsto nos artigos 104-A e 104-B do Código de Defesa do Consumidor, introduzidos pela Lei Federal n. 14.181/2021 - Primeira fase, conciliatória, prevista no artigo 104-A do CDC devidamente observada pelo Juiz “a quo”, mas que restou infrutífera - Necessidade, por isso, de instauração da segunda fase do procedimento especial - Recurso provido para anular a sentença recorrida, determinando-se o retorno dos autos à Vara de origem para instauração da segunda fase do procedimento de superendividamento, nos termos do artigo 104-B do Código de Defesa do Consumidor. (Apelação Cível n. 1000608-87.2023.8.26.0094 - Brodowski - 14ª Câmara de Direito Privado - Relator: Sebastião Thiago de Siqueira - 05/06/2024 - 56380 - Unânime)04/06 - 0700710-70.2024.8.07.0000
Litisconsórcio passivo necessário - empresa pública federal em repactuação de dívidas – competência da justiça comum distrital por exceção. Em exceção à competência da Justiça Federal, é competente a justiça comum distrital para julgar processos de repactuação de dívidas, quando a pretensão for a renegociação de débitos por superendividamento, ainda que instituição financeira federal figure como litisconsorte passiva. Consumidor ajuizou ação de repactuação de dívidas por superendividamento contra diversos credores em vara cível do Distrito Federal, tendo a demanda sido remetida à Justiça Federal, ao fundamento de que a Caixa Econômica Federal (CEF) figurava no polo passivo. Interposto o agravo de instrumento, os desembargadores afirmaram que, como regra, a presença de empresa pública federal remete o processamento e julgamento da causa à Justiça Federal, conforme art. 109, I, da Constituição Federal. Contudo, ponderaram que, conforme a orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), as ações de repactuação de dívidas por superendividamento, reguladas pela Lei 14.181/2021, devem ser julgadas na justiça comum, conferindo-se interpretação teleológica à norma constitucional, para abranger o concurso de credores. Segundo os magistrados, o objetivo dessa interpretação é oferecer à pessoa física superendividada a possibilidade de renegociar as obrigações contratuais em um único procedimento. Dessa forma, todos os credores, sem distinção, são reunidos em litisconsórcio passivo necessário. Com isso, a turma reformou a decisão recorrida para declarar a competência da justiça comum do Distrito Federal para o processamento do feito. Acórdão 1866679, 07007107020248070000, Relator: Des. ROBSON TEIXEIRA DE FREITAS, Oitava Turma Cível, data de julgamento: 21/5/2024, publicado no DJe: 4/6/2024.24/05 - 0750430-40.2023.8.07.0000
Limitação de descontos em conta – contratos de consignação em folha de pagamento. A restrição legal de limitar descontos em conta destina-se a contratos em que as consignações são realizadas diretamente em folha de pagamento e tem por objetivo garantir a manutenção de recursos para suprir o mínimo existencial ao devedor. Diferente disso, no mútuo bancário com opção de débito em conta, a forma de pagamento é previamente pactuada e autorizada pelo contratante. Consumidora interpôs agravo de instrumento contra decisão que indeferiu pedido de limitação de descontos automáticos para pagamento de mútuos bancários após a revogação da autorização contratual que havia conferido a instituição financeira. Sustentou situação de superendividamento, destacando que os descontos teriam ultrapassado 100% dos rendimentos. Na análise do recurso, os desembargadores explicaram que a limitação de descontos em percentual do valor do salário do devedor não pode ser aplicada a todos os contratos, pois está restrita àqueles em que as consignações são realizadas diretamente em folha de pagamento. Esclareceram que não é possível aplicação analógica, sobretudo para contratos cuja natureza é de lançamento em conta com expressa anuência do titular. Acrescentaram que o cancelamento da autorização para desconto, com fundamento na Resolução 4.790/2020 do Banco Central, constitui direito do titular da conta, bem como que o Superior Tribunal de Justiça fixou tese (Tema 1085), com o reconhecimento da licitude de descontos de parcelas de empréstimos bancários comuns em conta-corrente, ainda que utilizada para recebimento de salários, desde que previamente autorizados pelo mutuário. A turma decidiu pela necessidade de suspensão dos descontos na conta-corrente da agravada, pois, na hipótese, a autorização fora revogada, tendo registrado que tal medida não afasta as consequências do inadimplemento, como a inclusão do nome da devedora em cadastro restritivo de crédito. Nesse cenário, deu parcial provimento ao recurso, apenas para suspender os descontos. Acórdão 1856578, 07504304020238070000, Relator: Des. FABRÍCIO FONTOURA BEZERRA, Sétima Turma Cível, data de julgamento: 2/5/2024, publicado no DJe: 24/5/2024.04/04 - 0716864-74.2022.8.07.0020
Aquisições não características de alto valor ou artigo de luxo – boa-fé do devedor – direito à repactuação de dívidas. Caracterizada a situação de superendividamento, é direito do consumidor repactuar dívidas por meio de plano de pagamento aos credores, desde que os débitos não tenham sido contraídos mediante fraude, má-fé ou decorram de aquisição de produtos e/ou serviços de luxo. Consumidor que teve pretensão de repactuação de dívidas julgada improcedente interpôs apelação por meio da qual alegou nulidade da sentença. Para tanto, afirmou estar em situação de superendividamento após a suspensão de atividades de clínica odontológica que lhe pertencia, devido à pandemia do coronavírus. Sustentou inexistência de má-fé ao recorrer a empréstimos, pois esse teria sido o meio encontrado para amenizar a crise financeira vivenciada. Na análise do recurso, os desembargadores consignaram que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) estabeleceu a sistemática de concurso de credores (arts. 104-A e 104-B) e, uma vez caracterizado o superendividamento, é direito do consumidor devedor renegociar as dívidas por meio de plano de pagamento aos credores no prazo de cinco anos. Explicaram que a exegese da Lei 14.181/2021 é aplicável ao caso em exame, sobretudo porque a boa-fé deve ser presumida nas relações jurídicas, ao passo que a má-fé deve ser comprovada. Destacaram que o apelante assumiu ter realizado as contratações e alegou superveniência de dificuldades impeditivas do adimplemento contratual, o que deve ser considerado verdadeiro. Esclareceram, ainda, que as aquisições não estão relacionadas a artigos de luxo ou de alto valor. Ressaltaram que o recorrente é profissional liberal autônomo e tem-se esforçado para complementar a renda e renegociar as dívidas. Para tanto, apresentou plano de pagamento no valor de 35% de cada débito, o que representa cerca de metade dos rendimentos que aufere atualmente. Nesse cenário, a turma concluiu estar configurada a situação de superendividamento e deu provimento ao recurso para determinar o regular processamento do feito na origem, observando-se a sistemática dos arts. 104-A e 104-B do CDC. Acórdão 1834459, 07168647420228070020, Relatora: Des.ª FÁTIMA RAFAEL, Terceira Turma Cível, data de julgamento: 14/3/2024, publicado no DJe: 4/4/2024.04/04 - 0701665-75.2023.8.07.0020
Plano de pagamento - condição de procedibilidade. O plano de pagamento de credores na ação de repactuação de dívidas por superendividamento não constitui requisito indispensável da petição inicial, uma vez que as partes podem transigir sobre os débitos em audiência inicial de conciliação. Consumidora ajuizou ação de repactuação de dívida por superendividamento contra credores. O processo foi extinto, sem resolução de mérito (art. 485, VI, do Código de Processo Civil), em decorrência da ausência do plano de pagamento, pois o juízo de primeiro grau entendeu que o documento seria essencial à propositura da demanda. Ao analisarem o recurso da devedora, os desembargadores explicaram que a divergência se limita a avaliar se o plano de pagamento de débitos (art. 104-A do Código de Defesa do Consumidor) é ou não condição de procedibilidade da lide. De início, aduziram que a Lei do Superendividamento (Lei 14.181/2021) visa proteger o mínimo existencial dos devedores, pessoas vulneráveis no aspecto econômico-financeiro, como forma de atender o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Nessa perspectiva, a turma esclareceu que o sistema objetiva a repactuação de dívidas, por meio de conciliação em bloco, com busca de acordo sobre o plano de pagamento, em momentos pré ou para-processual (art. 104 -B do CDC). Na fase conciliatória, inclusive, é possível a estipulação de prazo superior a cinco anos para o pagamento do valor global da dívida, bem como para a apresentação de propostas, contrapropostas ou concessões mútuas. Não havendo acordo, passa-se à fase judicial, com natureza compulsória e de cunho residual. O colegiado esclareceu que nesse tipo de feito o consumidor deve demonstrar os seguintes requisitos: sua incapacidade financeira de garantir o mínimo existencial, inexistência de má-fé ou fraude na contratação das dívidas, inaplicação dos valores para aquisição de bens ou serviços de luxo e, por fim, comprovação de que a dívida não é originária de financiamento imobiliário, crédito rural ou oriunda de crédito com garantia real (arts. 54-A e 104-A do CDC). Segundo os julgadores, a Lei do Superendividamento é semelhante à Lei de Recuperação Judicial (Lei 11.101/2005), todavia é destinada a consumidores pessoas físicas, com objetivo de reorganizar e estabilizar sua saúde financeira e resguardar o mínimo existencial. Assim, os magistrados entenderam que não há norma que determine a apresentação do plano de pagamento junto com a petição inicial, principalmente porque as partes podem transigir sobre todos os seus termos na fase de conciliação. Ao final, lembraram que os requisitos legais somente deverão ser analisados pelo juiz quando frustrada a tentativa de conciliação e deram provimento ao recurso para a cassação da sentença. Acórdão 1833388, 07016657520238070020, Relator: Des. FÁBIO EDUARDO MARQUES, Quinta Turma Cível, data de julgamento: 14/3/2024, publicado no DJe: 4/4/20242023
06/11 - 0706621-89.2022.8.07.0014
Limitação de empréstimos – repactuação de dívidas – incompetência dos Juizados Especiais O pedido de limitação de financiamentos, com previsão de desconto em folha de pagamento e formação de litisconsórcio passivo entre credores, caracteriza repactuação de dívidas, cujo procedimento especial não atrai a competência dos juizados especiais, por ser regido pela Lei do Superendividamento. Consumidora pleiteou em juizado especial a revisão de contratos de empréstimos consignados, assumidos perante instituições financeiras. O feito foi extinto, sem resolução de mérito, por incompetência, com base no art. 51, II, da Lei 9.099/1995. Ao apreciar o recurso interposto pela autora, o colegiado inicialmente assinalou que a alteração do Código de Defesa do Consumidor – CDC, promovida pela Lei 14.181/2021 (Lei do Superendividamento), constitui “marco significativo na defesa da dignidade da pessoa humana, sobretudo sob a ótica da manutenção do mínimo existencial”. Por outro lado, ressaltou que o procedimento especial, disciplinado no art. 104-A do CDC, é incompatível com o microssistema da Lei 9.099/1995. A par disso, os magistrados reconheceram que a autora está em situação de superendividamento, com mais de 46% de comprometimento de sua renda mensal, o que tem lhe causado dificuldades financeiras de sobrevivência, inclusive para o pagamento das despesas básicas com alimentação, higiene e saúde. Não obstante a constatação, a turma entendeu que, embora a devedora tenha alegado a despretensão de discutir repactuação de dívidas – mas, tão somente a redução de descontos em sua folha de pagamento –, ficou patente nos autos que o principal objetivo da demanda seria a recuperação financeira, com a respectiva renegociação dos débitos, oriundos de sete contratos. Por fim, os julgadores negaram provimento ao recurso inominado, para ratificar a conclusão da sentença, quanto à incompetência dos juizados especiais. Acórdão 1871710, 07030531220248070009, Relator: Juiz. LUIS EDUARDO YATSUDA ARIMA, Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 31/5/2024, publicado no DJe: 18/6/2024.